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Mostrando postagens de outubro, 2014

Billy Elliot (filme de 2000)

Sei que a intenção é boa: discutir homossexualidade, papéis pré-determinados de cada sexo na sociedade, preconceito... mas são tantos os clichês, tão rasas as atuações, tão óbvios os diálogos, que é difícil que o filme provoque alguma catarse. E, para discutir temas tão polêmicos, a abordagem tinha de ser mais enfática, a fim de mover o espectador, levá-lo a aderir às causas. 

Levada da breca (filme de 1938)

Assistir a uma boa comédia nos cinemas, hoje, é quase um feito heroico. A temática central dos filmes que se dizem engraçados varia entre sexo, bizarrices e preconceitos hiperbólicos. Resumindo: são, em sua maioria, motivos para chorar, não para rir. Voltando no tempo e observando o começo da indústria de Hollywood, é possível perceber muitas diferenças em relação ao que se produz hoje em matéria de entretenimento. São filmes calcados em um humor leve, simples, que pendem para o pastelão e o clichê, mas que nem por isso deixam de surpreender o espectador. "Levada da breca" narra os encontros e desencontros de um casal. Ele, cientista sério; ela, burguesinha desmiolada. A postura vanguardista da protagonista é muito interessante; por mais que se trate de uma personagem de caráter leviano, as entrelinhas revelam uma mulher afim com os princípios feministas. Pelo humor fácil, pelos personagens estereotipados sem ser vazios e pelo caráter de documento históri

Cirque du Soleil (a reinvenção do espetáculo) - Lyn Heward/John U.Bacon

Toda palestra empresarial sobre inovação, criatividade e competência costuma citar o Cirque du Soleil como exemplo. Trata-se de algo bastante metafórico, pois vemos no próprio corpo dos artistas o resultado de seu esforço, vontade e constantes treinos. Eles usam uma ferramenta acessível - nossos pés e mãos, coluna e tórax, braços e pernas - para alcançar desempenhos nunca imaginados por pessoas como nós, que mal e mal frequentam a academia. A atuação dos bailarinos, trapezistas, acrobatas do Cirque é um misto de esporte e arte, que exige não só o aproveitamento de cada músculo do corpo, mas também a sensibilidade de conversar com o público por meio de seus malabarismos. Cada salto, cada contorcionismo faz parte de uma narrativa, reflete uma história de vida. O livro de Lyn Heward e John Bacon é muito rico por ir além do enfoque empresarial. Não se trata de usar o espetáculo como um exemplo para obter maior esforço no trabalho, mas sim um conjunto de ideias que podemos utilizar para

O estranho caso de Benjamin Button (F. Scott Fitzgerald)

A brincadeira que diz que quanto mais acumulamos experiência menos tempo temos para aproveitá-la é levada até suas últimas consequências nessa novela de Scott Fitzgerald. Como previsto, o tema se aproxima mais de um conto fantástico do que de uma história realista, pois é bastante inverossímil o nascimento de um bebê maior que seus pais. Talvez o que garanta certo sucesso à trama (incluindo um filme com o astro Brad Pitt) é a abordagem de temas universais: nascimento, vida, morte. Além disso, a novela consegue conectar os dois vazios que intrigam o ser humano: de onde viemos e para onde vamos? Como diria o mestre russo Nabokov, nossa existência é um curto-circuito de luz entre duas eternidades de escuridão. Trechos (adaptados para o filme): Nós temos de perder as pessoas que amamos. De qual forma mais saberíamos o quão importante elas são para nós?" "Você nunca sabe o que está reservado para você." "Eu estava pensando em como nada

Fábulas completas (Esopo)

Apesar de uma ou outra fábula politicamente incorreta para os tempos atuais (histórias machistas e meritocráticas, por exemplo) é surpreendente o quanto Esopo é nosso contemporâneo. Suas narrativas breves são poderosas, e geralmente ilustram com excelência a moral que as encerra. A edição da Cosac & Naify é, em particular, um outro estímulo à leitura. Se prato decorado dá vontade de comer, livro bonito gera o desejo de ler. E esta obra, com capa aveludada, ilustrações poderosas e bem-organizada, é um convite aos apaixonados por livros. Trecho: Quando outrora Prometeu moldou os homens, pendurou neles dois alforjes, um cheio de vícios alheios e, o outro, repleto de vícios pessoais, acomodando na frente o primeiro e prendendo atrás o segundo. Disso resultou que os homens enxergam num relance os vícios dos outros, mas não notam os próprios.

1984 (filme de 1956)

Se o livro de George Orwell já traz uma visão sobre o futuro daquela época, a mesma característica se mantém no filme, produzido quase 30 anos antes do fatídico 1984. Por ter uma visão especulativa em relação ao que traria o porvir, a obra é muito interessante como documento histórico, além de valer pela adaptação do romance. Apesar de ser um filme bastante antigo, a versão cinematográfica é bastante fiel ao livro original. Quando não há uma coincidência total de cenas, é por razões estéticas (nem sempre o que cabe em um livro consegue ser reproduzido nas telas), mas sem nenhuma alteração profunda de sentido.

1984 (George Orwell)

Vulgarizado após a criação dos reality shows , o livro de George Orwell se tornou um daqueles clássicos que todos comentam e que ninguém leu. Qualquer um quer falar com propriedade do Grande Irmão, da sociedade vigiada, mas todos esses clichês não chegam perto do clima opressor que o autor impõe à sua narrativa. 1984 é uma obra provocativa e premonitória. Ainda que as ditaduras não tenham obtido o poder previsto pelo escritor (pois se travestiram de democracia), os cenários descritos são um retrato mordaz dos nossos tempos modernos. Um exemplo: para entreter a grande massa (os "proles"), o governo do Grande Irmão tem em seu poder máquinas que criam letras de músicas de amor aleatoriamente. Essas canções, desprovidas de essência humana, são entoadas pelo povo e logo se tornam o ritmo do momento. E assim se revela mais um dos inúmeros meios de controlar uma população que não pensa, não critica e não questiona. Quando foi escrito, 1984 era uma obra futurística. Lido h

Operação Valquíria (filme de 2008)

Durante toda minha adolescência fui viciada em filmes de guerra: o soldado Ryan, o muito além da linha vermelha e por aí vai. Talvez por overdose seja hoje em dia um pouco mais difícil me envolver com histórias ambientadas nos cenários já tão pisados das guerras mundiais, ainda mais quando a condução do olhar do espectador é inegavelmente estadunidense. As atuações são convincentes, a história tem uma boa trama de suspense e centra-se em um elemento de revolta e inconformismo com o sistema. Mas, para uma obra que quer retratar justamente aqueles que não se submetem aos padrões, talvez o filme seja convencional demais.

Norwegian Wood (Haruki Murakami)

Este livro de Haruki Murakami, escritor japonês sempre alvo das especulações em torno ao Prêmio Nobel, é comparado, por alguns críticos, ao "O apanhador no campo de centeio", de J.D. Salinger. Começo minha resenha discordando veementemente de tal afirmação - e o que me leva a separar o joio do trigo é o fato de o livro de Murakami ser bom (ao contrário do romance estadunidense). Enquanto a obra de Salinger apresenta o estereótipo do adolescente mimado e rebelde sem causa, em "Norwegian Wood" há personagens complexos, enigmáticos, sempre cercados pelo halo do desespero, da solidão e da morte. O contexto em que se desenvolve a trama é muito familiar à população japonesa: há, de fato, muitos suicídios de jovens orientais com desempenho escolar exemplar. Talvez a estrutura fortemente hierárquica da sociedade nipônica explique esse fato; talvez não. E o autor sabe abordar o tema, sem, em momento algum, tentar justificar o desejo de morte de alguns de seus personagens.

Para ler como um escritor (Francine Prose)

O livro é um curso de leitura atenta de narrativas, com um olhar muito sensível à construção das frases, escolha dos personagens, implícitos na voz do narrador... Esse modo de ler, que me ensinou a entender gêneros antes inalcançáveis e que me fez amar meu curso de Letras, é chamado, não aleatoriamente, close reading. Por meio do olhar perspicaz de Francine Prose, somos conduzidos para perto (e, muitas vezes, jogados dentro) das histórias, atentos a cada detalhe. E, como boa estudiosa da área, a autora sabe que não existem fórmulas definitivas para ensinar métodos de leitura. Tanto assim é, que um capítulo da obra basicamente diz "esqueçam tudo o que eu disse até agora e leiam Tchekhov". O autor russo, paixão em comum entre a escritora e eu, é um clássico exemplo de como fugir às regras e, mesmo assim, criar narrativas arrebatadoras. Nem todos os exemplos de romances e contos escolhidos me conquistaram. Como se trata se uma seleção muito pessoal, a autora se leva por idio