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Mostrando postagens de setembro, 2015

A divina jogada (Guazzelli)

Apesar de ser vendido como quadrinho brasileiro, a obra aproxima-se mais da literatura infantil. É apenas um poema ilustrado em uma edição muito bem cuidada. Guazzelli vem publicando muito nos últimos tempos. Não sei se é pela quantidade de trabalho excessiva ou não, mas o fato é que não gosto do seu traço, que tem cara de rascunho, de algo não finalizado. O poema central é a ideia de uma partida de futebol nos mundos descritos por Dante. Além de ser forçado, o modo como foi escrito nada tem de cativante. O glossário ao final da obra, apesar de interessante, não faz link direto com os termos que aparecem ao longo do livro, obrigando o leitor a caçar as referências que deseja ver esclarecidas. Em suma, muito fraquinho.

Malvina (André Neves)

Muitos pontos positivos neste livrinho infantil. O primeiro, e talvez um dos mais fortes, é o fato de ter como protagonista uma menina cientista, mostrando às meninas que existe mundo além da casa da Barbie. (Não, não é obrigatório que as meninas gostem de ciências - mas elas precisam ter acesso a todos os campos do conhecimento antes de definirem seus interesses) Outro fato lindo na história é o modo como é descrita a eterna preocupação da mãe (também vinculada a uma sociedade que exige demais das mulheres): ela quer a casa limpa, cuidar da filha, evitar a fofoca dos vizinhos... ao invés de simplesmente ser livre para curtir os momentos. O traço, por fim, é lindo. Somando todos os fatores, é uma super indicação para a criançada.

E o dente ainda doía (Ana Terra)

Ótimo livro para ensinar os pequenos a contar de 1 a 10, a conhecer alguns dos animais da floresta e a treinar a memorização (a narrativa tem uma estrutura parecida à da música da aranha). Além das ilustrações, baseadas em recorte e colagem, serem lindas, ao final a autora indica a quantidade necessária de material para tentar reproduzi-las. Excelente!

Tungstênio (Marcello Quintanilha)

O traço do artista brasileiro é um dos pontos fortes da obra - provavelmente o maior. Sua narrativa tem ritmo cinematográfico, com closes precisos, velocidade nas cenas certas e até "stop" em movimentos que serão retomados alguns quadrinhos depois. No que diz respeito à trama em si, pouco há que comentar. A história gira em torno de alguns personagens conectados, de uma maneira ou de outra. Há um general aposentado, um vendedor de drogas jovem, uma mulher que apanha do marido, um policial folgado e dois pescadores ilegais. Apesar da variedade, nenhuma das figuras principais é interessante. Além da inovação no movimento do traço, há outro ponto que aproxima o quadrinho do cinema brasileiro: a linguagem forçosamente coloquial, cheia de palavrões, mas que não vai além da informalidade. As críticas sociais feitas aparecem muito dissolvidas, quase imperceptíveis em uma trama que não cativa.

O predestinado (filme de 2014)

Ethan Hawke no elenco, para mim, sempre é sinônimo de roteiro interessante. Não é diferente nesta obra recente que, apesar de ser bem curta para discutir um tema tão complexo quanto a viagem no tempo, ainda assim consegue ser instigante. Boa parte da trama se baseia em uma simples conversa de bar, o que dá um tom muito diferente a um longa que tinha de tudo para ser mais uma das produções hollywoodianas cheias de ação. Claro que há muitos momentos de adrenalina na produção, mas o fato de boa parte dela ser constituída de um simples diálogo dá uma outra cara ao filme, agregando-lhe certo interesse humano. O desenrolar da narrativa gira em torno do conceito de eterno retorno (a imagem da cobra mordendo o próprio rabo). Como se trata de uma ideia filosófica bastante complexa, ao final do filme o espectador se encontra analisando todas as possibilidades de desfecho da trama, para verificar se haverá salvação possível do ciclo eterno ao qual estão presos os personagens.

Frida (filme de 2002)

O retrato cinematográfico da vida de Frida Kahlo é resultado de uma parceria entre Estados Unidos e Candá - ou seja, toda a América do Norte que não inclua o México, país de origem da pintora. Ainda que o resultado não seja necessariamente uma tragédia, há pontos que não podem deixar de ser comentados, como a opção por usar o idioma inglês com apenas uma ou outra palavra em espanhol. Se a língua é um definidor tão forte de nossa cultura, quem o dirá da cultura da artista mexicana, que sempre tematizou as suas raízes?  Além da questão idiomática, outros exageros visuais e melodramáticos fazem que a produção pareça mais um capítulo de uma novela de Glória Pérez do que uma tentativa séria de biografia. Assim como nas tentativas globais, não há uma imersão na cultura do outro - pelo contrário, todas as referências boiam na superfície do óbvio. Uma ou outra palavra em espanhol (invariavelmente os palavrões), o excesso de símbolos tropicais, as cores que extrapolam os quadros para tin

As aventuras do menino Jesus (Alberto Manguel)

Alberto Manguel, escritor e crítico argentino, fez nesta obra uma reunião de histórias sobre o nascimento e a infância de Jesus - partindo da Bíblia e passando por evangelhos apócrifos, textos poéticos, romanceados e profanos. O ponto fraco do livro é o tom de repetição - como se trata, basicamente, da mesma narrativa (mas com algumas variações), ao final da obra estamos tão cansados da redundância que já não nos atentamos aos detalhes que diferenciam uma versão da outra. O que mais impressiona é ver que algumas abordagens terríveis da figura mítica tiveram sim uma grande recepção, ao menos na época em que foram publicadas. Em mais de um dos contos coletados, é narrada a história de que Jesus menino, enfurecido ao tropeçar em um garoto, o faz cair morto de vingança. As referências a um Cristo explicitamente racista também estão presentes em mais de uma das versões - o que talvez esteja por trás do fundamentalismo irracional que perdura até hoje.

Pinóquio (Winshluss)

Ao terminar a leitura das versões originais dos contos de fadas coletados pelos Irmãos Grimm ( http://cineeleituras.blogspot.com.br/2015/08/contos-maravilhosos-infantis-e.html ), acreditei ter chegado ao limite da crueldade nas histórias infantis. Contudo, nessa versão ilustrada e levemente baseada em Pinóquio, de Carlo Collodi, é possível desconstruir definitivamente qualquer ideia romântica relacionada aos personagens de nossa infância. Trata-se de uma adaptação em quadrinhos para adultos, com diversas críticas sociais, feitas do modo mais pesado possível. Se a realidade é violenta, por que não exibi-la tal qual é? Winshluss não poupa o leitor do grotesco, do bizarro, do absurdo - e, como efeito de hipérbole, transporta toda a desumanidade de nosso cotidiano para os amados contos infantis. As primeiras páginas do livro já dã o o tom do que virá - uma violência descomunal, da qual nenhum personagem se salva. Todas as figuras que compõem a narrativa têm algo de mau, sendo

Mrs. Dalloway (Virginia Woolf) e A última festa (filme de 1997)

Nunca tive problemas para ler obras com fluxo de consciência quando era adolescente - sempre devorei o que encontrava de Clarice Lispector na biblioteca, por exemplo. No entanto, depois de um pouco mais adulta creio ou ter me deparado com obras mais difíceis ou ter adquirido certa resistência com essa onisciência no seu estado mais puro. Senti muita dificuldade na leitura de "Os cadernos de Malte Laurids Bridge", de Rilke, e acreditava ser uma má escolha de autor. Entretanto, com Mrs. Dalloway enfrentei novamente o problema da leitura truncada (ainda que em escala mais amena): como uma bola de ping-pong, quicamos de dentro da cabeça de um personagem para a de outro, sem ambientação ou um contexto mínimo do que se passa. Contudo, r econheço a validade da obra - e, em alguns trechos, minha identificação com os raciocínios dos personagens foi intensa.  O excesso de vozes causa um distanciamento do leitor, para que este possa observar os discursos contraditórios, as

Mauricio de Sousa - Biografia em Quadrinhos

O termo biografia "em quadrinhos" deve ser tomado ao pé da letra - o livro é um gibi um pouco mais longo e muito bem realizado sobre a vida e a infância do criador dos personagens da turminha. Assim, o preço exorbitante para uma HQ de luxo (cerca de R$ 80) é bastante questionável. Toda a babação de ovo em torno de Mauricio de Sousa também é um tanto cansativa, ainda que suas narrativas de infância sejam contadas de um modo que lembra muito as aventuras dos seus pequenos protagonistas. O que é mais interessante na obra são as diversas alusões intertextuais feitas ao longo da cerimônia comemorativa do autor. Para o caso de leitores menores, que ainda não pesquem todas as diversas referências feitas, há um glossário de intertextualidades ao final. Todo o cuidado da capa dura e glossário justificariam sim um preço um pouco mais elevado que o de um gibi - mas nada que chegasse perto à facada das livrarias.

Macanudo 8 (Liniers)

Grande nome dos quadrinhos argentinos (em pé de igualdade com Quino), Liniers é um cartunista ainda mais ousado, com viés filosófico apurado. Mesmo que algumas das tirinhas sejam criadas sem assunto, apenas para preencher espaço (algo que o autor escancara), nem por isso tiram o charme das que são pequenas obras de arte. Ainda espero uma edição especial para comprar o restante da coleção de Liniers (como foi feito no caso do lançamento em conjunto dos volumes de 1 a 5 em capa dura), pois o preço de cada um é bem elevado - assim como a qualidade do que está sendo adquirido.

O início (Mauricio de Sousa)

A obra é uma recompilação dos primeiros livros infantis lançados por Mauricio de Sousa, esgotados há décadas. É uma interessante volta ao tempo ver personagens com o traço tão distinto, como Piteco e Astronauta, e inclusive personagens que nunca mais foram usados, como o simpático protagonista da história "A caixa da bondade". Para quem tanto reclama do fato de, há tempos, Mauricio ter se tornado mais um empresário do que um artista, é importante retomar essas criações, que são inegavelmente de sua autoria. Se hoje a figura do grande desenhista despareceu, nem assim é possível negar o valor do universo infantil que ele soube criar.

Pedro Coelho (Beatrix Potter)

Talvez tenha mais lembranças relacionadas a Peter Rabbit no que diz respeito ao filme com Renée Zellweger  (Sra. Potter) do que à obra em si (da qual me lembrava vagamente por meio dos desenhos animados exibidos na Tv Cultura). Não há nada de absurdamente incrível na história dos coelhinhos, e é aí que reside toda a sua graça: ao narrar a rotina dos bichinhos, suas refeições em família, suas pequenas estripulias, a autora consegue levar a criança a apreciar o próprio cotidiano, as simples coisas do dia a dia. Afinal, se até o café da manhã de Peter pode gerar uma interessante história, por que um dia comum na vida de qualquer criança também não seria digno de registro? Os desenhos delicados ajudam a dar o tom nostálgico do livro, que é arrematado por uma bela edição da Companhia das Letrinhas. A única coisa que não me agradou foi a tradução forçada do nome do personagem, que já havia sido consagrado como "Peter Rabbit" no imaginário brasileiro. Além do mais, Pedro

Últimas conversas (filme de 2014)

Não só as histórias dos estudantes entrevistados, mas também o contexto desse filme dirigido por Eduardo Coutinho é trágico. O cineasta, após o segundo dia de gravação, foi assassinado a facadas pelo filho, que possuía sérios distúrbios mentais. Assim, essa obra é um legado do diretor, marcada pelo tom desesperançado. A ideia do documentário se baseia na máxima "uma ideia na cabeça, uma câmera na mão". O cenário (constituído por uma cadeira e uma porta), o ângulo monótono de filmagem, o trabalho quase nulo com as cores, a ausência de trilhas sonoras ou legendas dão o tom do longa, que é de estrutura simples - e esta, por sua vez, esconde um tema bastante complexo. Graças à empatia instantânea de Coutinho, os jovens entrevistados vão aos poucos revelando seus segredos e históricos familiares, permeados de histórias de violência, separação e/ou abandono dos pais, insucesso escolar, bullying, ideias de suicídio, religiosidade vista como salvação, diversidade s

Vidas Secas Graphic Novel

Guazzelli, apesar de ser um dos ilustradores mais cotados para fazer releituras dos clássicos em quadrinhos, não é um dos meus artistas preferidos nessa área. Ainda que tenha boas ideias, seus desenhos muitas vezes passam a sensação de ficarem mal acabados, como se tivessem sido feito às pressas (pensando no mercado de vestibulandos desesperados em busca da compreensão rápida dos livros). Vidas Secas, contudo, é uma das obras em que o ilustrador mais encontrou recursos gráficos interessantes. O sol (um círculo vermelho) em destaque na capa é desenhado com a mesma simbologia da gota de sangue avinda da morte de Baleia. Outro recurso bem-empregado foi desenhar os meninos sem nome do romance de Graciliano sem rostos definidos, como se fossem rascunhos de vidas. Não é um livro ruim, mas o título de graphic novel ao invés de história em quadrinhos pressupõe um trabalho mais acurado, delicado, que valha o preço exorbitante que é cobrado por esse gênero textual nas livraria

Sejamos todos feministas (Chimamanda Ngozie Adichie)

"Feminista" é uma palavra feia, que assusta. Quem a utiliza são mulheres amarguradas, raivosas, que brigam o tempo inteiro sem ter motivo. - Essas são as palavras que Chimamanda Adichie ouve ao começar a se denominar como feminista. E que mulher minimamente consciente da necessidade de lutar por seus direitos já não se deparou igualmente com esses preconceitos absurdos? A autora explica belamente porque ser feminista não é uma ofensa a ninguém - ao contrário do machismo. Ilustra com exemplos de sua vida pessoal o quanto o fato de ser mulher nos obriga a fazer escolhas que protejam a nossa imagem o tempo todo. Não podemos ter a liberdade de escolher determinadas roupas, atitudes ou caminhos, pois sabemos que as consequências podem ser negativas, violentas. Aí seguem alguns trechos selecionados pelo blog www.shereland.com: 10 citações de Chimamanda em Sejamos Todos Feministas "Se repetimos uma coisa várias vezes, ela se torna normal. Se vemos uma coisa com