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Mostrando postagens de 2016

Tarsila: os melhores anos (Maria Alice Milliet)

O título da obra, que talvez induza o leitor a acreditar que terá em mãos não uma biografia, mas um recorte da vida de Tarsila, é bastante ambíguo. Por mais que o livro dê conta de todo o percurso da artista, desde o seu nascimento, o fato é que, enquanto criadora, ela teve alguns (poucos) anos melhores que todos os outros. Filha de cafeicultores endinheirados, a pintora pôde dedicar-se inteiramente ao estudo das novas vanguardas modernistas, sem a preocupação de arranjar um trabalho ou uma fonte de renda. No entanto, com a crise de 29, boa parte da vida de Tarsila parece desmoronar: Oswald de Andrade, seu marido, foge de casa para ter um caso com Pagu; a família perde grande parte das propriedades; sua tentativa de obter um emprego burocrático é falha e, ao fim, ela se vê na incumbência de pintar retratos e quadros por encomenda para conseguir se sustentar. As tragédias na vida de Tarsila foram muitas: prisão por ter se simpatizado com o regime comunista, perda da única neta segui

The complete Peanuts (1957-1958)

Quadrinhos novamente muito interessantes, com Snoopy cada vez mais no papel de protagonista.

O pato no formigueiro 2 (Ciça)

Fora um ou outro quadrinho que discute alguma questão muito específica da época em que foi publicado (1979), é incrível como todas as demais críticas se encaixam perfeitamente no contexto brasileiro atual, quase 40 anos depois. Temas como corrupção, falta de liberdade e a opressão do povo parecem ser sempre atuais, infelizmente.

Leonard Cohen: I´m your man (filme de 2006)

Mistura entre documentário e musical, o filme acompanha uma turnê em homenagem a Cohen com depoimentos tanto dos artistas participantes quanto do próprio homenageado. Há ainda trechos de curtas entrevistas com outras celebridades, como Bono, do U2, que revelam sua admiração pelo trabalho do compositor. O ponto forte do documentário é o destaque dado ao seu trabalho enquanto letrista, com uma sofisticação muito próxima à da poesia.

Absolute beginners (filme de 1986)

Cheio de cores, o filme é uma espécie de retrato kitsch da Londres suburbana dos anos 80. Não faltam exageros, piadas rápidas e muita música - não à toa, a produção conta com a participação de David Bowie como um dos antagonistas do mocinho. É uma obra sem grandes méritos, mas que passa bem como um filme de Sessão da Tarde.

A chegada (filme de 2016)

Um dos melhores filmes do ano - e o melhor filme sobre extraterrestres de todos os tempos. Enquanto o plot  básico de qualquer obra de invasão alienígena é o esforço de um astronauta, físico, soldado ou engenheiro em salvar o mundo, a produção de Dennis Villeneuve parte de uma ideia básica: a necessidade de comunicação entre os seres de diferentes planetas. Nesse contexto, o enredo gira em torno do trabalho de uma tradutora e linguista, que tem por função decifrar o código de linguagem de um grupo de alienígenas. Assim, o grande trunfo do longa é acompanhar o processo de decodificação dos signos produzidos pelos ETs. Respaldado por teorias linguísticas, o trabalho da protagonista é bastante verossímil - o que justifica. inclusive, um tom de documentário na narração de determinados trechos da obra. Ainda que a explicação final do longa envolva fenômenos que estão além da ciência, todos os elementos estão em consonância, sem usar nenhum elemento de forma forçada.

Rogue One - Star Wars (filme de 2016)

As alegorias políticas, bastante explícitas nos vestuários e nos discursos, é um dos pontos mais interessantes (e polêmicos) do novo filme. Por ser um apelo contra a discriminação e os ideais fascistas, a sua exibição chegou a ser boicotada por alguns grupos reacionários - o que mostra a força da ideologia da obra, que vai além de mais um longa de ação e aventura. De acordo com a estética dos primeiros filmes, esta nova sequência pode causar algum estranhamento em quem ainda é leigo no mundo dos jedis . No entanto, ainda que o ritmo possa parecer um pouco lento, aos poucos a trama vai prendendo a atenção e surpreendendo o espectador. Darth Vader, com uma breve aparição, é um dos destaques do filme. Outro dos méritos da obra, ao lado dessa figura icônica, é o seu final, que, de certa forma, foge dos padrões hollywoodianos (e só por isso já merece ser visto).

Ninguém deseja a noite (filme de 2015)

Josephine Peary foi a esposa do primeiro homem branco a alcançar o coração do Polo Norte. O filme Ninguém deseja a noite  é uma biografia romanceada dessa mulher do século XIX e retrata o período em que ela decide ir atrás do marido e esperar seu regresso da grande empreitada de conquista do Polo. Durante sua viagem corajosa (enfrentando tempestades de neve, ursos e um frio congelante), Josephine entra em contato com a amante grávida do marido. A partir deste confronto e encontro entre duas mulheres com o mesmo objetivo (aguardar o regresso de Peary), mas de mundos distintos (uma branca europeia e uma indígena americana), o diretor traça um novo rumo para estas histórias, dando um enfoque poético à relação entre as protagonistas. A fotografia é um dos pontos de excelência da obra, sabendo trabalhar muito bem o contraste entre a imensidão branca do Polo e a pequenez humana. A trilha sonora e as atuações, contudo, talvez pequem um pouco pelo excesso de melodramaticidade. É um film

Aquarius (filme de 2016)

Aquarius  foi um dos raros filmes brasileiros a ganhar uma ampla cobertura na mídia, contudo, muito mais baseada no posicionamento político dos atores do que na obra em si. Enquanto memes proliferavam na internet (contra ou a favor da produção), o fato é que o longa teve uma rala distribuição pelas redes de cinema e tornou-se um filme do qual todos falam, mas a que poucos efetivamente assistiram. O enredo gira em torno de uma mulher branca, de classe média, que já passou por um câncer de seio e que luta contra o mercado imobiliário para manter um apartamento que lhe traz muitas lembranças. Obviamente, ela pouco pode fazer contra interesses multimilionários, ainda que não seja uma personagem desvalida - pelo contrário, é cercada de todos os privilégios que a cor da pele e a profissão acadêmica lhe dão. Considerando tratar-se de um filme destinado a um público que tem oportunidade de buscar por um cinema diferenciado, a interlocução parece funcionar bem. Ao abordar problemas típicos

Elis (filme de 2016)

De toda a recente sequência de filmes brasileiros baseados em vidas de cantores (talvez iniciada com Cazuza ), esta foi, sem dúvida, a obra mais bem realizada. Ao contrário da produção que se propôs a narrar a trajetória de Cazuza e a que tentou recompor a juventude de Renato Russo, aqui o foco não é a entrega de Elis às drogas (sem que, contudo, este importante fato seja eliminado de sua biografia). A artista é vista neste longa pelo que é: alguém que foi atrás de uma carreira prazerosa, na qual pudesse realizar o seu dom e desejo de cantar. O fim trágico da cantora é narrado com delicadeza, evitando os tantos julgamentos morais sobre seu comportamento para priorizar a beleza de sua voz. As tiradas sarcásticas da personagem (que debocha de Nara Leão, da Jovem Guarda, entre outros) caem muito bem na interpretação excelente de Andréia Horta, que recria todos os trejeitos e a risada debochada de Elis. Além de todos esses fatos somados, o filme dá uma aula sobre MPB, recriando todo

Janela indiscreta (filme de 1954)

Ainda que tenha como meta assistir a todos os filmes de Hitchcok até o fim da vida (tão citados em listas de obras pra ver antes de morrer), decidi conhecer  Janela indiscreta  após ter lido a obra autobiográfica do fotógrafo Robert Capa, na qual, na introdução, é mencionado que seu caso mal-sucedido de amor com a atriz Ingrid Bergman seria o mote inspirador do diretor para esta produção. O gênero ao qual pertence o filme é misto, transitando entre o suspense, a comédia e o romance. Apesar de bem construído e com todos os elementos bem aproveitados, não se trata de uma história muito profunda ou instigadora; é mais uma produção para passar o tempo com qualidade, mas sem grandes aprendizados, contudo. O ponto mais interessante da obra talvez seja a protagonista de Grace Kelly, uma mulher à frente de seu tempo e que se prova capaz de ir muito além do que esperam dela, agindo com coragem e firmeza. Para os anos 50, pode ter sido uma postura inspiradora e iconoclasta.

Gênesis (Robert Crumb)

A linda edição da Conrad (uma das mais primorosas da editora) traz, em uma pequena luva, um aviso que resume com perfeição a adaptação bíblica feita por Crumb: "Este livro contém descrições de cenas de nudez e violência conforme o texto original no qual é baseado". Robert Crumb é conhecido por seus quadrinhos underground, permeados de pornografia, machismo e excessos de todos os tipos. A sua ideia de adaptar o Gênesis do Velho Testamento para a linguagem em quadrinhos não se trata, contudo, de uma profanação, mas, sim, de uma identificação com todos os elementos moralmente reprováveis presentes neste livro sagrado: incesto, estupro, assassinato, fratricídio etc. O estudo de linguagem e contexto realizado tanto pelo autor quanto pelos tradutores é profundo, e coloca em evidência vários problemas de tradução da Bíblia, assim como as modificações realizadas a posteriori  no texto por políticos, religiosos ou poderosos. É um questionamento irreverente da Bíblia, mas real

Placas tectônicas (Margaux Motin)

Com um traço e uma temática muito semelhantes aos da argentina Maitena, a autora Margaux Motin faz, neste volume, uma espécie de autobiografia do período entre o seu divórcio e o início de uma nova relação amorosa. O principal problema do livro não é nem a parte gráfica (que, aliás, é linda), nem o enredo em si, mas a protagonista: a narradora-autora dá mostras de ser uma pessoa extremamente inconstante, reclamona e péssima mãe. Com uma antipatia natural por quem escreveu a história, fica muito complicado gostar do enredo em si. Vale pelas ilustrações.

Graphic MSP - Força (Bianca Pinheiro)

Mais uma edição belíssima da coleção Graphic MSP, esta obra, roteirizada e ilustrada por Bianca Pinheiro, traz um forte tom afetivo - a autora faz parte de uma geração mais nova, que cresceu admirando a Turma da Mônica. A obra trata de uma questão delicada, geralmente ausente nos gibis da coleção, de uma forma enriquecedora. Para os adultos que enfrentaram situações semelhantes na infância - ou mesmo para as crianças de hoje - tem potencial de gerar questionamentos e reflexão, sem chegar a respostas facilitadoras.

Na vida real (Cory Doctorow e Jen Wang)

De Jen Wang já havia lido Koko be good , uma obra em quadrinhos que havia adorado - tanto pela qualidade do traço quanto pelos personagens complexos (ainda que se tratasse de um livro de enredo mais simples, uma espécie de YA). Nesta nova publicação, criada em parceria com Cory Doctorow, há novamente um desenho de traço limpo combinado a protagonistas mais profundos. A trama aborda a temática dos games  do ponto de vista sociológico, comparando a vida de crianças que jogam por prazer e as que precisam trabalhar incessantemente, inclusive na frente do videogame , pois esta é a sua única fonte de renda. Trata-se, mais uma vez, de um enredo mais juvenil, mas nem por isso a obra deixa de ser uma leitura enriquecedora. O prefácio, que contextualiza a ideia do vínculo entre games  e economia, é um convite ótimo para conhecer o livro. 

Camera Work - The Complete Photographs (Alfred Stieglitz)

A fotografia é uma arte tão necessária nos tempos atuais, constituinte da nossa própria individualidade (trocamos o ego  pela selfie ), que sua origem parece muito mais remota do que um breve século.  A obra da Taschen, ao recuperar a publicação de Alfred Stieglitz - fotógrafo, escritor, artista múltiplo e editor -,  Camera Work , resgata este primeiro tempo do desenvolvimento da fotografia. Nos jornais coordenados por Stieglitz, apesar da pouca variedade de fotógrafos (reduzidos, em sua maioria, ao círculo de seus amigos íntimos), é possível observar os exercícios de temas e técnicas típicos do início do século XX. Apesar de haver um abismo de recursos disponíveis agora em comparação às simples câmeras escuras dos anos 1900, alguns trabalhos superam muito a limitação técnica para se tornarem obras atemporais. Ainda que pixelizadas, há imagens que são composições primorosas nesta linguagem então recém-descoberta. Outro fato interessante é observar o círculo de artistas do co

A origem do mundo (Jorge Edwards)

O mote da obra de Edwards é bastante conhecido dos leitores brasileiros: durante o velório de seu melhor amigo, um homem percebe uma suposta infidelidade no olhar desolado da própria esposa para o corpo inerte. Grande admirador de Machado (com, inclusive, um estudo publicado sobre a obra do escritor), Edwards tenta recriar a atmosfera de Dom Casmurro em tempos mais atuais. Além da óbvia referência do enredo, há a ainda mais ululante intertextualidade do título, que se refere ao polêmico quadro de Courbet. No entanto, as referências não param por aí: cada capítulo é iniciado por uma frase de Sêneca. Em uma obra de pouco mais de 100 páginas, o resultado de tantas intertextualidades não chega a ser coeso. Ademais, quando considerada a obra na qual se inspira, é difícil evitar uma comparação maliciosa entre o estilo magnífico de Machado e o livrinho do chileno. Os personagens são bastante rasos, assim como a linguagem, que mistura estilos e registros diversos. Em meio a refe

Bis (Kevin Johansen/Liniers)

Como fã que sou do quadrinista argentino Liniers e do músico de múltiplas origens Kevin Johansen, me deliciei com este livro, que apresenta um pouco do trabalho que tem sido realizado em conjunto por ambos. Em um show  que mistura diversas linguagens, Kevin canta acompanhado de sua banda The Nada enquanto o desenhista faz intervenções plásticas baseadas nas músicas. A obra reúne entrevistas com Kevin e os membros da banda, ilustrações diversas de Liniers e todas as letras das canções do álbum Bis! É um livro voltado a um público muito específico, mas que gera suspiros de quem é duplamente fã.

Malala: a menina mais corajosa do mundo (Viviana Mazza)

Confesso que me senti um pouco enganada com esta publicação da Agir, que romanceia a vida de Malala ao invés de dar-lhe propriamente voz. Neste livro, todos os fatos passam pelo filtro da jornalista Viviana Mazza, que atribui inclusive pensamentos à paquistanesa. Ainda que haja uma pesquisa e uma entrevista que sustentem a obra, o resultado final não parece muito verossímil. Talvez como obra destinada à função de paradidático funcione bem; mas, como livro que valha per se , deixa a desejar.

Asterix y Obelix - 23 (Goscinny/Uderzo)

Nunca havia lido nada de Asterix e Obelix, e esperava um quadrinho bem pastelão, com piadas fáceis e sem muita reflexão. No entanto, meu julgamento pela capa se mostrou muito longe da realidade; ao menos no volume lido, pude me divertir com uma história cheia de trocadilhos linguísticos e uma mordaz ironia sobre como surgiram as relações capitalistas, além da crítica inerente aos poderosos da época romana, como Júlio César. 

A cabeça é a ilha (André Dahmer)

A experiência de leitura desta obra foi muito parecida à que tive com Minha vida , do Robert Crumb, ou seja, um desejo muito grande de abandonar o livro para sempre logo nas primeiras páginas, em função de uma escatologia que não consegui contextualizar ou justificar para torná-la aceitável. Como se trata de um livro de tirinhas, contudo, decidi inverter o sentido de leitura e conhecer as tiras da parte final, antes de desistir por vez da obra. Tive uma boa surpresa, mas que, por outro lado, mostrou-me um livro desigual, com reflexões e piadas que vão do típico mote da falta de assunto do quadrinista até pensamentos bem elaborados sobre temas tão amplos como o capitalismo e a existência. Por reunir vários personagens de Dahmer, não é de espantar um resultado tão oscilante em qualidade. Alguns núcleos temáticos são ótimos, enquanto outros são absolutamente descartáveis.

I never saw another butterfly

Saber que a educação, ainda que clandestina, se fez possível em campos de concentração foi uma das melhores informações a que tive acesso neste ano tão difícil no terreno do ensino. Em tempos de "escola sem partido" e do lema "professor não é educador", ver um trabalho como o desenvolvido por Friedl Dicker-Brandeis é uma renovação das nossas tão minguadas esperanças. O livro I never saw another butterfly  reúne desenhos realizados por muitos dos alunos de Friedl no campo de Terezín, além de ilustrações feitas pelas crianças do campo em outros momentos. Acompanhados de cada desenho estão poemas, também criação dos pequenos em situação concentracionária.  Ainda que as ilustrações sejam mais simples (até pela falta de material de pintura e papel), muitos poemas trazem uma maturidade e uma plasticidade quase inacreditáveis. Reler estes poemas, pautados por uma descrição pungente do sofrimento, é entrar em contato com uma humanidade despedaçada - e torcer para q

Armandinho 8 (Alexandre Beck)

Muitas das tiras são compostas com a mesma temática do volume anterior - respeito na política e educação -, mas as pautas ambientais também ganham importância nesta edição (o autor é graduado em Agronomia). O ponto mais interessante é a transformação da mãe de Armandinho, típica coxinha-reaça em alguém que, se não se abre totalmente às ideias alheias, ao menos aceita escutá-las. Afinal, o diálogo é competência necessária - mais do que nunca.  

A cruzada das crianças (Bertold Brecht)

Brecht narra, em um poema curto, a história verídica de 55 crianças órfãs de guerra que decidiram atravessar a Europa em busca de um lar. Ambientado durante a II Guerra, o livro problematiza fatos como o da criança de passado nazista que decidiu se juntar à marcha, e o do cachorro que, mesmo sendo uma boca mais a alimentar, acaba sendo adotado pelos pequenos. A edição da Pulo do Gato conta com ilustrações lindíssimas de Carme Solé, que criam um efeito de carvão sobre o papel (além do constante vermelho sangue em quase todos os desenhos). É uma história linda para aproximar os pequenos da história ocidental e dos desmandos da guerra.

Céu de Luiz (Tiago Santana e Audálio Dantas)

A edição da obra - feita em tamanho grande, capa dura, papel de luxo - dá relevância a três nomes de diferentes áreas, todos unidos em torno deste projeto: o livro se vale de uma pequena biografia do músico Luiz Gonzaga, escrita por Audálio Dantas (jornalista que organizou os diários de Carolina Maria de Jesus) e ilustrada com belas fotografias do sertão de Tiago Santana. É uma publicação refinada que destaca a biografia de um músico nascido em situação de pobreza e constantemente excluído de eventos sociais em função de sua cor ou de sua falta de status. Não se trata de uma tentativa de elitização do cantor, entretanto; sua presença em uma edição sofisticada demonstra o alcance amplo que suas composições atingiram. A combinação de texto e fotos é primorosa, e o resultado é um livro agradável aos olhos e com conteúdo de qualidade.

Minha vida (Robert Crumb)

Por muito pouco não desisti da leitura nas dez primeiras páginas; enquanto procurava o preço do livro na internet (para já tentar revendê-lo), encontrei também uma resenha esclarecedora, que me fez respirar fundo e ir até o final da obra.  Continua não sendo um livro de que goste, necessariamente - ainda assim, realmente há algumas narrativas dentro da obra que são mais interessantes. E, por mais que o personagem seja um porco chauvinista, o fato de nos identificarmos com seus pensamentos em alguns momentos serve como um alerta de que, no fim, estamos todos no mesmo barco. A história segue o mesmo curso independentemente de nossas idiossincrasias, e ser capaz de alguma identificação com o outro é um exercício que pode sim render bons frutos. As histórias coloridas dentro da edição são as melhores - até porque o traço de Crumb é bastante sujo, o que dificulta a leitura. Das narrativas em preto e branco, a que ocorre durante uma entrevista do autor a uma revista católica é a mais int

Bidu - Juntos (Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho)

Ilustrações belas e texto sucinto. A nova edição da coleção Graphic MSP não traz discussões muito profundas ou poéticas, ainda que aborde a temática do cuidado com os animais de forma madura. O destaque fica principalmente com a parte gráfica do livro: ilustrações muito bonitas, com uma linguagem dinâmica (similar ao uso de ícones e emoticons na internet) e uma pesquisa da gestualidade dos cachorrinhos bem aplicada aos desenhos. Há uma leve intertextualidade com o volume 1, que pode ajudar a expandir a trama.

Dom Quixote em quadrinhos vol. 2 (Caco Galhardo)

Já havia lido o primeiro volume da adaptação de Galhardo para o clássico cervantino há certo tempo, e tinha a lembrança nítida de não ter gostado do resultado. Ainda assim, resolvi insistir na HQ.  O uso da linguagem original do livro e a seleção de cenas cruciais do desenrolar da história são pontos que merecem ser valorizados na releitura. O que mais me incomoda, assim como ocorreu com o primeiro volume, é um aparente desleixo com a ilustração, que parece um rascunho muito mal elaborado. Com exceção de algumas cenas inspiradas nos desenhos de Gustave Doré, a parte gráfica do livro deixa muito a desejar.

Armandinho 7 (Alexandre Beck)

Com excelência na escolha das temáticas, este volume de Armandinho é só amor. O destaque maior, entretanto, fica com as tirinhas sobre educação e as que pregam a tão necessária paz na política.

Eloísa e os bichos (Jairo Buitrago/Rafael Yockteng)

Apesar de adorar literatura infantojuvenil, há um certo tempo não adquiria nenhuma obra nova do gênero (com exceção das que já havia lido quando criança e que fiz questão de ter na estante). No caso deste livrinho, contudo, não resisti às ilustrações intrigantes e belas. É uma obra voltada a um público recém-alfabetizado, com pouquíssimo texto, e que trabalha de maneira simples e poética a questão da empatia e da migração. Literatura de alta qualidade para os pequenos.

O cântico dos cânticos (Angela Lago)

Como obviamente o título diz, trata-se de uma releitura da famosa passagem da Bíblia. No entanto, o que não fica dito para quem "compra pela capa" é que este é um livro exclusivo de ilustrações. A luva da obra traz alguns textos informativos sobre a ilustradora, mas em uma edição tão caprichada faltou o texto original para cotejo. Se a referência é o Cântico dos Cânticos, de alguma forma esta passagem deveria ter sido igualmente ofertada ao leitor, para poder fazer uma melhor apreciação das ilustrações de Lago. Para uma edição tão bonita, foi um deslize acentuado.

Salon (Nick Bertozzi)

Um quadrinho que traz como personagens Gertrude Stein, Picasso, Braque, Alice B. Toklas, Apollinaire, dentre tantas outras figuras icônicas do século XX, prometia ser uma obra em quadrinhos minimamente interessante. Contudo, ao final da leitura tive a sensação de estar diante de uma obra com o mesmo senso estético de Orgulho e preconceito zumbis  ou algo que o valha. É um livro ao qual talvez dê outra chance no futuro - afinal, em muitos casos reconheço que me faltaram referências para compreender o fluxo da narrativa - mas acho muito improvável que minha opinião mude muito radicalmente sobre ela.

Monica(s)

Um dos pontapés iniciais para a coleção MSP Graphic, esta seleção de 50 trabalhos artísticos sobre a personagem Mônica é, em verdade, mais um artefato de colecionador. Há algumas ilustrações interessantes, além de homenagens de outros quadrinistas (como Liniers e Alexandre Beck), mas não passa de um livro gostoso de folhear. A sorte foi não ser um projeto isolado e ter dado origem a uma coleção de novelas gráficas tão bem realizada.

Coleção Photo Poche: Robert Capa e Man Ray

Iniciativa de uma editora francesa, adaptada para as terras brasileiras pela extinta Cosac&Naify, a coleção Photo Poche tem o objetivo de apresentar alguns dos grandes fotógrafos da história. O foco é direcionado majoritariamente para as fotografias em si, sem excesso de textos de apoio. Assim, os livrinhos de bolso trazem uma seleção acurada de alguns dos melhores trabalhos do artista selecionado. Os dados biográficos que acompanham cada volume são bastante sucintos, mas já oferecem alguma contextualização. Sem entender a ligação de Man Ray ao Surrealismo, por exemplo, muitas de suas fotos pareceriam exercícios frustrados de técnica - ao invés de um flerte com o onírico. O mesmo se dá com o belíssimo volume de Robert Capa, correspondente de guerra e retratista das batalhas e mortes que dela advém. São, enfim, livros que realmente se encaixam na etiqueta de literatura de bolso: fáceis de levar e de folhear.

Ligeiramente fora de foco (Robert Capa)

A excelência de Capa enquanto fotógrafo é largamente conhecida - ainda que, de tão divulgadas, suas obras tenham se tornado uma espécie de bem coletivo, ilustrando nosso imaginário com seus retratos precisos e poéticos acerca das cenas e dos significados das guerras. Ao contrário do homem atrás das câmeras, no entanto, a faceta de escritor de Robert Capa não é tão famosa, o que é uma pena, dada a alta qualidade de seu testemunho histórico aliada a uma veia poética vibrante. Ligeiramente fora de foco é o relato de como o múltiplo artista, húngaro e sem passaporte válido, conseguiu pular de emprego em emprego, constantemente enganando as autoridades, para poder continuar fotografando a II Guerra. Trata-se de uma obra escrita muito cedo (ainda que a vida de Capa seja realmente muito breve), composta antes de seus 30 anos. Se, por um lado, toda essa juventude aparece na ousadia de seu narrador (que chegou a pular de para-quedas sem nenhum treinamento em meio a um campo de batalha)

Coleção antiprincesas: Frida Kahlo e Clarice Lispector (Nadia Fiuk e Pitu Saá)

Com um projeto gráfico e ideológico incrível, a coleção Antiprincesas, da editora Chirimbote, é sim desconstrutora. A primeira página de cada um dos livros já mostra uma figura da Branca de Neve indo embora com a seguinte hashtag : #thauvouembora. Ainda não é o suficiente, dirão alguns. No entanto, a proposta da coleção não é salvar o mundo - é apenas oferecer, em um mercado editorial eminentemente voltado para a formação de meninas frágeis e sonhadoras, uma opção. É um produto com linguagem de internet, bastante voltado para a classe média a que atende - no entanto, uma classe média consciente e que não atrapalhe (quando não ajude) as lutas das minorias não é o que todos queremos? A naturalidade com que os livros falam sobre a bissexualidade de Frida ou o divórcio de Clarice é um tom de que precisamos. Entender as opções individuais, sem ditar regras ou parâmetros, pode sim ajudar a formar meninas e meninos mais compreensivos.

Eu amo livros/ Eu amo editoras/ Eu amo bibliotecas (Iris Borges)

A série "Eu amo", publicada pela editora Callis, busca aproximar as crianças do objeto livro. Assim, um pouco do universo livresco é apresentado aos pequenos por meio de belas ilustrações e um texto afetivo, na tentativa de ganhar o apreço do leitor. Desde a sua fabricação (Eu amo editoras) até seu armazenamento (Eu amo bibliotecas), várias etapas relacionadas à criação do livro são explicadas, de forma breve, porém ilustrativa. Desses três volumes que li (há ainda outros dois - sobre ilustradores e escritores), o livro sobre o livro é o mais interessante. Ao invés de apresentar um texto-resumo em fonte oito, pouco convidativo, ao final, substitui as últimas palavras por descrições dos quadros que lhe servem de ilustração. É uma bela maneira de fechar a obra e linkar as diferentes artes.

O livro do travesseiro (Sei Shônagon)

Na tentativa de ampliar minhas leituras para além do cânone - ou seja, literatura feita por homens brancos ocidentais - me propus a tentar descobrir autoras de outros países. Para representar o Japão, escolhi um livro de Sei Shônagon, que é uma das escritoras fundantes da literatura de sua nação. O livro do travesseiro  foi escrito no século XI e sua autora, uma dama da corte imperial, retrata em textos curtos (por vezes, de uma só linha) suas impressões sobre as relações da sociedade, as belezas da natureza, a perenidade da vida. Apesar de não ser meu primeiro contato com a literatura japonesa, confesso que foi uma obra diferente de tudo o que conhecia até então: absolutamente contemplativa, descritiva, a escrita de Shônagon vai em caminho radicalmente oposto à atual imediatez ocidental. Por suas muitas referências a clássicos da literatura da época ou a personalidades de seu tempo, é um livro com características muito específicas de linguagem, que demandaram cerca de 11 anos

A trégua (livro de Primo Levi e filme de 1997)

Sequência do já canônico É isto um homem , este livro de Primo Levi, ex-prisioneiro de Auschwitz, narra a saga dos sobreviventes dos campos de concentração de volta às suas casas. Ao contrário da difundida ideia hollywoodiana (de que os estadunidenses "salvaram" a todos e garantiram um final feliz à guerra), a situação de abuso, pobreza e abandono das vítimas do conflito demorou muito tempo a se extinguir, deixando inúmeras sequelas e cicatrizes. O percurso de Primo em busca da Itália, sua terra natal, é extremamente burocrático, sinuoso, à mercê da vontade e da disposição dos russos. Ainda que em melhor situação do que a concentracionária, as pessoas continuam sendo submetidas a desmandos, enquanto tentam resgatar a sua humanidade na medida do possível. O longo e arrastado caminho descrito pelo autor se reflete em uma escrita tortuosa, truncada, o que acaba tornando a narrativa mais verossímil, porém bastante aflitiva para o leitor. O filme, por sua vez, ainda que

Misery (livro de Stephen King e filme de 1990)

Misery foi um dos meus livros preferidos da adolescência - não só pela temática de terror, que então me fascinava, mas também pela ideia que serve como mote da trama. Na época, lembro de ter sentido inclusive certa empatia pela vilã - afinal, a ideia de sequestrar um escritor e obrigá-lo a escrever seu livro preferido deve ser, no fundo, o sonho sádico de qualquer leitor compulsivo... Dessa vez fiz o caminho inverso: primeiro assisti ao filme para depois retomar minha leitura. Por mais que a produção cinematográfica seja boa (e a atuação de Kathy Bates seja realmente assustadora), é mais um caso clássico em que a adaptação não supera o original. O filme é mais enxuto (a linguagem de Stephen King por vezes é excessiva, redundante) e altera alguns pontos importantes do roteiro para manter a coerência interna, mas perde em alguns aspectos importantes. Por ter como protagonista um escritor, King usa sua obra para discutir muitos aspectos de linguagem. Aos poucos, vamos percebendo que P

O iluminado (filme de 1980)

Li o homônimo de Stephen King (e no qual o filme se baseou) por volta dos 14 anos, e lembro-me de ter ficado bastante impressionada. Tanto que, ainda que mais de uma década tenha se passado dessa leitura, consegui identificar diferenças na adaptação para as telas em relação ao texto do livro. Stephen King é um autor prolixo, por vezes entediante, mas que, principalmente em seus livros curtos, consegue conduzir uma narrativa que prende a atenção. Se, por um lado, não se trata de grandes feitos literários, por outro lado suas narrativas revelam um escritor consciente das técnicas de composição e dos efeitos que pretende causar em seu leitor. No entanto, se a literariedade da obra de King pode ser discutida, é difícil colocar em xeque a praticamente inegável qualidade da produção de Kubrick. O diretor não seguiu à risca o original e nem sequer aceitou o roteiro produzido pelo próprio autor; no entanto, é justamente nas variações, nas alternativas buscadas que está o diferencial d

Klezmer (filme de 2015)

O Holocausto, com o passar do tempo, virou um tema de produção cultural estadunidense; por sua vez, para muitos consumidores exclusivos do american way of life , as únicas versões possíveis sobre o genocídio são retiradas de filmes geralmente comerciais, como A menina que roubava livros  ou o menino do pijama listrado . É preciso resgatar continuamente a história dos grandes crimes da humanidade, para que não se repitam; no entanto, é preciso discutir também a forma como essas tragédias são retratadas e incorporadas. No caso do extermínio judeu, não estaríamos diante de mais um caso de apropriação cultural? Klezmer  é um filme polonês que se passa durante a Segunda Guerra, mas, apesar de seu foco central ser a temática do Holocausto, ele consegue evitar todas as imagens consagradas associadas ao assunto: não há filmagens em campos de concentração, ou em ambientes de guerra, ou mesmo um único prisioneiro com a roupa listrada. Todo o enredo se passa em uma floresta, no período de um

O diário de Helga (Helga Weiss)

O diário de Anne Frank , cujas vendas foram reacesas recentemente em função do  best-seller   A culpa é das estrelas , muitas vezes é tratado como a única obra de registro do Holocausto - sendo que Anne só pode escrever enquanto vivia escondida no porão da casa de amigos. Sua história é uma dentre milhões - seis milhões de assassinados nos campos de concentração, dos quais a maioria era composta de idosos, mulheres e crianças. Assim, urge resgatar as publicações e registros de tantas pessoas que sofreram na pele os desmandos de Hitler. Assim como Anne, Helga era uma criança quando foi enviada aos campos de concentração. Inicialmente transportada a Terezín, viveu durante algum tempo em um campo voltado principalmente para crianças, que eram aproveitadas como força de trabalho. Este lugar foi "maquiado" durante algum tempo pelo governo nazista, de modo a enganar a Cruz Vermelha e as autoridades internacionais, que já tinham ouvido falar dos campos de extermínio. No entan