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Mostrando postagens de fevereiro, 2016

Sobre a escrita (Stephen King)

Apesar de ter sido um dos autores favoritos da minha adolescência, há muito tempo não leio nada de Stephen King (lembro de ter ficado apaixonada por "O iluminado" e "Angústia", impressionada com "A coisa" e ter desistido dele ao meio da leitura de "O saco de ossos"). Pela distância de mais de dez anos desde então, posso ter julgado mal "Sobre a escrita" - que talvez seja, acima de tudo, um livro para fãs. Boa parte da obra consiste não em teorias sobre o processo criativo, mas sim em histórias da vida de Stephen, que busca as origens de seu gosto pela leitura e pela escrita. E, como personagem principal de sua narrativa, o autor não é interessante. Sua biografia tem elementos marcantes - como a infância muito pobre, as diversas recusas de editoras -, mas o autor não consegue torná-los cativantes para o público. Pelo fato de ser um escritor de massas, chega a ser um pouco irritante ver Stephen se vangloriando de sua capacidade de pro

Os miseráveis (filme de 1978)

Terceira adaptação dos Miseráveis para as telas que vi em pouco tempo (além do musical de 2012 e da série francesa com Depardieu e John Malkovicth), e mais uma vez uma obra boa, porém bastante incompleta no processo de transpor os diversos episódios do romance. O começo do filme é muito interessante, pois se permite completar lacunas da vida anterior de Jean Valjean, justificando um pouco a sua posterior bondade e sua relação sempre conflituosa com Javert. Richard Jordan interpreta o ex-forçado com bastante verossimilhança, assim como a frieza de Javert é bem assimilada pelo ator Anthony Perkins. Se, no entanto, o início da trama se permite até acréscimos, do aparecimento de Cosette na história até o final o desenrolar é abrupto. Thénardier, por exemplo, aparece em apenas 1 cena do longa todo. Como a importância deste personagem é central, a consequência é uma narrativa cheia de buracos, com final confuso e muitas cenas inverossímeis na segunda metade na produção. Uma vez mantido

Pense como um artista (Will Gompertz)

Como classificar o livro de Will Gompertz? Pensador importante da atualidade e editor de artes da BBC, seria muito difícil rotular sua obra como autoajuda. Por outro lado, pela leveza da leitura e pela edição atual (que inclui até memes sobre arte), não dá para julgá-la como uma discussão teórica hermética. Talvez a etiqueta de "introdução ao mundo das artes" funcione bem aqui. O estudioso analisou várias entrevistas e biografias de artistas, que vão desde Caravaggio até Marina Abramovic, para identificar que elementos compõem o pensamento inovador e criativo. Apesar de muito do que é exposto poder ser sim aplicado em nossas rotinas, a grande virtude do livro está em apresentar-nos um pouco de arte e de histórias curiosas, além de motivadoras. Saber, por exemplo, que Michelangelo se recusou mais de uma vez a pintar a Capela Sistina por ser um escultor e não acreditar em suas habilidades no emprego das tintas, é, no mínimo, assombroso. É uma obra tão cativante qu

A tentação do impossível (Mario Vargas Llosa)

Compilação de um curso ministrado pelo autor peruano, "A tentação do impossível" traz uma interpretação bastante sensata da obra magistral de Victor Hugo. Apesar de ser, claramente, um grande fã das aventuras de Valjean e Javert, Llosa não deixa de registrar o que considera inverossimilhanças ou exageros no romance - bem como explica por que até eles podem ter sido empregados intencionalmente. Llosa analisa bastante a potência da voz do narrador na história - onipotente, onisciente, argumentativa, irrevogável. O poder de um deus sobre seus personagens cai como uma luva em um livro bastante católico, cujo prefácio, por exemplo (nunca terminado) tinha a intenção de provar a existência do divino. Marius é identificado como um personagem medíocre na história, assim como Cosette representa a futilidade - posições com as quais me identifiquei - em um contexto em que os personagens são quase todos sobre humanos, seja na miséria, seja na bondade. Os traços teatrais da obra t

Bisa Bia, Bisa Bel (Ana Maria Machado)

A novelinha de Ana Maria Machado foi muito premiada e conta com várias indicações na orelha desta edição, colorida e convidativa. São tantas as recomendações que nos fazem até desconfiar - será que é tudo isso mesmo? No entanto, avançando um pouco no enredo já descobrimos o que torna as histórias de Bisa Bia e de Bisa Bel empolgantes. O choque de gerações é o mote principal do enredo, levando as crianças a refletir sobre os motivos de nunca serem compreendidas pelos pais e vice-versa. No entanto, este é apenas o gatilho para trabalhar uma questão mais profunda e mais complexa: o feminismo. Sim, precisamos ser todas feministas. Desde pequenas. Desde pequenos. Ana Maria Machado mostra uma mãe que trabalha, uma dona de casa que não tem obsessão por limpeza, uma menina delicada que sobe em árvores para comer goiabas - com a naturalidade de provar que nada disso é uma contradição. Além disso, faz questionamentos muito pertinentes à idade dos leitores do livro, fazendo-os desconfiar do m

Transpatagônia (filme de 2014)

Já havia me interessado muito por este filme ao ler o relato do viajante Guilherme Cavallari pela Patagônia chilena e argentina. O livro homônimo - com o subtítulo "Pumas não comem ciclistas" - é extremamente delicado, profundo, pontuado de reflexões sobre o ato de viajar e como mochilões podem ser uma metáfora da nossa curta existência sobre a Terra. Para meu alívio (e de quem mais se apaixonou pelo livro), a produção fílmica é guiada por pensamentos e reflexões de Cavallari. O longa não segue uma ordem linear (adivinhamos o tempo do roteiro mais pela barba e cabelo crescido do que pelas indicações de datas), nem tenta retratar a aventura de modo épico. Sendo muito mais voltado para a captação de sentido no percurso (o viajante fala a todo momento que um dos seus objetivos era o autoconhecimento), é natural que as frases cheias de sabedoria de Cavallari nos guiem pela história. Quem leu o livro sabe que muitas histórias mais poderiam ter sido contadas - contanto, is

Para sempre Alice (filme de 2014)

Apesar de ser comumente associado à falta de atividade da mente, o Alzheimer pode atingir pessoas com alto grau de instrução, que cuidam constantemente da saúde do corpo e da alma. É esse o triste e delicado retrato que temos neste filme, da professora de Linguística Alice que, por uma questão genética, se vê portadora de Alzheimer precoce, aos 50 anos. Se a condenação a uma doença degenerativa, em si, já é um fardo, ele tem seu peso multiplicado ao poder ser transmitido às próximas gerações. Um dos pontos altos da produção é mostrar a preocupação de Alice, enquanto mãe, com a saúde de seus filhos, para que não sejam vítimas da mesma enfermidade que ela. A atuação de Juliane Moore é incrível, o que mais do que justificou seu Oscar. São vários os momentos em que nos emocionamos com a sua interpretação - o desejo de Alice de lutar contra essa doença irremediável é muito tocante. Apesar de não ser o tema principal da obra, a relação de uma professora de Comunicação com a falta

Maidentrip (filme de 2014)

O filme retrata a trajetória de uma menina de 14 anos que decidiu dar a volta ao mundo velejando, sem auxílio de adultos. Conforme a história vai se desenrolando, vemos o quanto isso seria desnecessário, pela maturidade demonstrada por Laura Dekker, além da experiência acumulada ao longo de toda infância na arte de velejar. O documentário mostra toda a batalha judicial enfrentada por sua família para que Laura pudesse realizar seu sonho (uma vez que ele implicava também o abandono da escola). A garota realiza todas as filmagens sozinha, registrando momentos difíceis, como contornar o Cabo da Boa Esperança em meio a fortes tempestades e enfrentar perigosos trechos de recifes e corais. Sem pressa, com um desejo grande de conhecer novos lugares e culturas, a menina leva 2 anos para completar sua empreitada, da qual volta com uma nova consciência em relação à sua identidade, aos seus laços familiares e à sua terra natal. É um documentário muito interessante para quem gosta do tema viag

Ismália (Alphonsus de Guimaraens)

Um dos poemas mais bonitos do Simbolismo brasileiro, Ismália ganhou uma versão de livro-objeto pelas mãos da editora Cosac e com as ilustrações de Odilon Moraes. O resultado é um livro primoroso, que reproduz nas páginas longilíneas a ideia da torre de Ismália. Todo o trabalho gráfico é muito bem pensado e se articula com a tragédia da personagem meio narcísica, meio desiludida de Alphonsus de Guimaraens.

Peanuts 1953-1954 (Charles Schulz)

A edição do segundo volume das tirinhas completas de Peanuts novamente traz bons textos de apoio (ou textos introdutórios à obra de Schulz). Eles permitem conhecer um pouco da obra do quadrinista e entrar no universo de Charlie Brown com maior conhecimento de causa. As tirinhas, por sua vez, trazem um humor mais afim com o nosso tempo do que as primeiras publicadas por Schulz. Apesar de uma distância temporal de mais de 50 anos, é difícil não se encantar com as estripulias de Snoopy (que começa a verbalizar seus pensamentos neste volume) e o tom desiludido de um Charlie Brown. Um personagem que surge nesta coletânea é o sujo Chiqueirinho, talvez uma inspiração para o Cascão da Turma da Mônica. E os demais continuam, seja intensificando seus traços característicos (como a implicância de Lucy) ou desenvolvendo novas habilidades (como Linus crescendo e se apegando ao cobertorzinho).

Homens sem mulheres (Haruki Murakami)

Livro de contos excelentes, do autor japonês que é mais cotado para o Nobel que o Di Caprio para o Oscar. Nem todas as tramas têm a mesma qualidade, mas, no geral, são todas muito envolventes. Ainda que mais de uma história tenha final aberto (o que pode deixar o leitor meio "perdido", a princípio), todas as tramas são tão bem amarradas que é difícil se decepcionar com a leitura. Drive my car - conto sobre um ator de teatro que precisa de um motorista particular. Ao contratar uma mulher para o cargo, se vê diante de uma confidente e potencial amiga. Ainda que pouca coisa aconteça de fato na trama (a la Tchekhov), nós, como leitores, também nos tornamos aqueles dispostos a ouvir os segredos do protagonista. Yesterday - o amigo do narrador lhe faz um pedido especial: que saia com a sua namorada para que, assim, possa saber com quem ela o trai. O desfecho da história só vai ocorrer muitos anos depois, com os personagens ainda tentando entender o que aconteceu com eles no pas

Karmatopia (Karla Monteiro)

Se já não morro de paixões por beatniks e sua atitude de rebeldes sem causa, ainda mais tenho a criticar quando esse comportamento se transmite para o nosso tempo. A jornalista Karla Monteiro, autora da obra e mochileira por 6 meses na Índia, compra as passagens por impulso na esperança de fumar o melhor haxixe enquanto vaga sem objetivo no país. O país em si, suas tradições, e os indianos que Karla consegue entrevistar garantem a melhor parte dessa obra. É difícil um livro sobre a Índia nos deixar impunes, com a quantidade de informação cultural tão radicalmente diferente do Ocidente que esta nação aporta. O relato que se refere à vida pessoal da jornalista - o que ela fez por lá - é bobo, infantil, imaturo ao extremo. A autora se dedica a vários retiros de yoga sem compromisso (por que então passar o tempo neles?), está sempre buscando novas formas de se drogar e novas aventuras sexuais. E fica a pergunta: para encontrar coisas tão triviais, era preciso atravessar meio mundo?

Reinações de Narizinho (Monteiro Lobato)

É difícil falar da obra infantil de Monteiro Lobato sem causar polêmica - e merecida. No primeiro volume das aventuras de Narizinho, Pedrinho, Emília e Visconde no sítio é possível caçar várias referências machistas e sexistas. Logo no terceiro parágrafo tia Nastácia já nos é apresentada como "negra de estimação", e são várias e várias as "piadas" feitas tendo como mote a sua cor e, associada a ela, a sua falta de instrução. Não se trata, portanto, de uma obra a ser apresentada às crianças sem o mínimo de contextualização - escrita menos de 50 anos após a abolição da escravatura, reflete um preconceito muito mais potente na época do que agora. É preciso considerar também que Monteiro Lobato vinha de uma família de proprietários de terras, logo, ex-compradores de escravos, que provavelmente via como natural um homem ser subjugado pelo outro em função de sua etnia. Apesar de todos esses aspectos muito questionáveis, ainda assim "Reinações de Narizinho" é

Os miseráveis (série de 2000)

Contar a quase epopeia proposta por Victor Hugo em seu romance "Os miseráveis" exige um tempo de produção mais flexível, como o de uma série, para dar uma atenção maior às muitas tramas e reviravoltas criadas pelo autor francês. E, ainda assim, com 4 episódios de mais de 1 hora, a obra audiovisual deixa escapar muitos detalhes da criação original (ou reformula-os para conseguir amarrar a história). De maneira geral, a série é muito mais fidedigna ao romance do que os diversos filmes feitos em torno ao mesmo mote (por ter mais tempo para desenvolver os diversos aspectos do enredo). Ver os personagens falando francês é quase um alívio de verossimilhança; além disso, os cenários, efeitos especiais, trilha sonora são muito bem realizados. Sobre as atuações, merecem destaque a da atriz responsável pelo papel de Cosette adulta (que, mesmo com certa frivolidade inerente ao papel, consegue encantar o espectador) e do avô de Marius, apesar de sua breve participação na trama. As gr

Jogos vorazes (filme de 2012)

A sequência de livros de Suzanne Collins tem problemas de plágio (ou, ao menos, de ideias muito similares) com a obra japonesa Battle Royale e até mesmo com distopias mais clássicas, como 1984. Afinal, aqui também temos um contexto em que os protagonistas são observados a todo momento em uma espécie de reality show da morte, no qual apenas 1 participante pode sair vivo. No primeiro filme da sequência, ignorando as origens controversas da trama, é possível se envolver com o drama de Katniss, personagem de um distrito pobre que se oferece no lugar da irmã para concorrer aos Jogos Vorazes. O pressuposto do enredo, claro, envolve muito sangue e cenas de ação. No entanto, um quê de crítica social fica evidente na história, ainda que apareça de forma muito diluída. Outro ponto interessante é a dubiedade dos sentimentos da protagonista em relação aos seus pares amorosos, compondo um personagem mais complexo e dando margem para o desenvolvimento dos próximos filmes.

Quando Marnie estava lá (filme de 2014)

Obras direcionadas às crianças devem ter consciência de que podem ser importantes fatores no seu processo de formação. No entanto, algumas criações levam esta ideia muito a sério, subestimando a inteligência dos pequenos para forçar uma lição de moral e bons valores (que, por sua vez, pode ser extremamente superficial). Nesse contexto, "Quando Marnie estava lá" ganha credibilidade por conhecer o público a que se destina, não subjugando sua capacidade de compreensão e nem se esquivando a trabalhar assuntos mais complexos. O drama de uma garotinha que tem dificuldades de relacionamento e de aceitar o fato de ter sido adotada é o que dá o mote da história. Com problemas de saúde e encaminhada para a casa de parentes no campo, a menina aos poucos entra em contato com personagens que revelarão um pouco de suas origens. Apesar de bastante interessante para crianças, não há nada de excepcional na obra - o roteiro é razoável, os traços da animação bonitinhos, a trilha sonora ok.

O regresso (filme de 2015)

"O regresso" é um filme guiado pelo senso estético do começo ao fim: os trabalhos de fotografia, atuação, trilha sonora são realizados para criar cenas pautadas pela beleza, pela poesia da imagem. Até nos momentos em que predomina a crueldade humana e rolam litros de sangue há muita beleza plástica no registro da miséria e da morte. O desejo de fazer uma obra notória por sua estética (ou seja, por sua forma) desvia a atenção do espectador do conteúdo. E como os protagonistas retratados são homens frios, sanguinários, ou pertencentes a uma cultura da qual pouco entendemos (no caso dos indígenas), é difícil criar laços afetivos com os personagens. Assistimos ao desenrolar de sua história sem nos comovermos com ela. Apesar da beleza inegável do filme, algumas cenas são trabalhadas de forma repetitiva, como os vários takes dos homens diminutos sob árvores enormes e longilíneas (metáfora da nossa pequenez na natureza). No entanto, diante de uma fotografia absurda e de