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Mostrando postagens de março, 2016

Three cups of tea (Greg Mortenson)

Um livro que fala sobre viagens, sobre abrir mão de preconceitos e sobre doar-se totalmente ao outro, em nome da educação. Enfim, tudo para ser perfeito. E, confesso, nas primeiras 100 páginas me senti diante de um exemplo de vida que fez todo o meu trabalho voluntário até hoje parecer ridiculamente sem sentido: Mortenson diz que passou um ano dormindo no carro para juntar dinheiro e construir uma escola no Paquistão. Uma força de vontade tremenda, um caráter humano, uma história genial. No entanto, quando a esmola é demais, o santo desconfia. Conforme fui prosseguindo a leitura, a figura de Greg Mortenson foi parecendo cada vez mais inverossímil: afinal, como é possível um ser humano tão sem falhas? Atormentada pela dúvida, fui pesquisar onde e como anda Mortenson. Um dos eternos indicados ao Prêmio Nobel, atualmente ele tem evitado a imprensa. Por quê? O famoso jornalista Krakauer, que doou 75 mil dólares à sua organização, revelou o quanto foi enganado pelo ex-alpinista. Ainda q

Dedo (Justum)

Eu costumo gostar muito de mini e micro contos. Não tenho problemas com flexibilidades gramaticais com intenções literárias. E, por fim, aceito tranquilamente a presença do escatológico nas narrativas. No entanto, apesar de não ter barreiras para gostar do livro de Justum, ele não me cativou como leitora. Talvez tenha sido o horário da leitura, meu humor no dia, uma certa falta de paciência com uma série de histórias ruins que me tenha feito desprezar contos potencialmente bons... Ainda assim, não recomendaria. Um "Contos de amor rasgados", da Marina Colasanti, seria uma pedida muito melhor dentro do gênero.

Minhas tardes com Mar gueritte (filme de 2011)

Apesar de ser um filme que envolve literatura de uma forma quase professoral, não consegui me encantar pelo enredo simplista e nem pelas atuações previsíveis de Depardieu e dos demais personagens.  Pesquisando um pouco sobre a obra, descobri o elemento detrás de todos os aspectos que me incomodaram na produção: a tentativa do diretor Jean Becker é a de produzir cinema moralista, com fundo conservador. Assim, acompanhando o desejo de erudição do protagonista há o seu distanciamento natural dos imigrantes com quem convive. Aos poucos, o conhecimento de Germain construirá um muro de incomunicabilidade, quase uma metáfora da xenofobia. De resto, é um filmeco água-com-açúcar, bastante clichê. E as cenas sobre literatura dizem pouco.

A menina que roubava livros (filme de 2013)

Quando comecei a ler a obra de Markus Zusak, esperava algo divertido, envolvente, que dialogasse com a literatura. No entanto, o livro (até a parte em que aguentei) é bem mequetrefe. A ideia de colocar a Morte como narradora poderia até ser interessante, se não fosse tão óbvia a pretensão do autor de ter tido uma ideia genial. Por ser um escritor bem fraquinho, seu discurso como a inegável das gentes não convence. O filme, por sua vez, ganha pontos por não insistir muito na ideia da narração da Morte, que pouco ou nenhuma ligação tem com o restante do enredo. As boas atuações e a fotografia bela são fatores que fazem deste um dos raros filmes que são melhores do que o livro. No mais, é uma produção que fala sobre a importância da leitura em um contexto de privação e com protagonistas jovens. É bonitinho.

Virunga (2014)

Em uma época em que proliferam heróis e vingadores no cinema, é difícil acreditar que existam, de fato, atitudes heroicas que não envolvam poderes mágicos e que sejam praticadas por personagens comuns. E o que é mais incrível: heroísmo de quem busca a paz, apesar de ter todos os motivos para ter sede de vingança. Apesar do tom ameno do parágrafo acima, não acreditem que este documentário é um filme fácil; talvez tenha sido uma das obras mais dolorosas a que já assisti. Ao contrário de quando vejo uma produção sobre a beleza do Universo e acredito que exista uma razão ordenadora para tudo, esta é uma daquelas obras que me faz ter a certeza de que Deus não existe e de que a humanidade está irremediavelmente perdida. Apesar do heroísmo louvável de alguns personagens, o contexto que os cerca é devastador. Desde a sua rápida e certeira introdução, o documentário vai nos apontando todos os conflitos do Congo, majoritariamente originados da ganância capitalista. A empresa que tenta, a tod

A intérprete (filme de 2005)

Busquei o filme pela questão da linguagem, presente no título, e acabei atraída pelo suspense da narrativa. A trama é um tanto complexa, com muitos detalhes e reviravoltas que acabam captando a atenção plena do espectador, o qual, ao deixar escapar alguma cena, pode perder por completo o significado do enredo - assim como em uma tradução. A trama gira em torno das relações da intérprete da ONU, Silvia, com o país africano fictício Matobo. Além de ser uma das poucas tradutoras da língua oficial, o ku, a personagem tem uma história de amor e ódio muito grande com esta nação, na qual viveu boa parte de sua juventude. O enredo do filme tem sim as suas falhas e um tanto de inverossimilhança em alguns aspectos. No entanto, é tão raro ver uma produção estadunidense sobre a África que não torne os brancos os heróis da vez que esta obra acabou atraindo minha atenção. Apesar de ser um lugar fictício, Matobo apresenta muitos dos problemas de nações africanas, e o filme sabe expô-los sem roman

Três anos (A.P. Tchekhov)

Tchekhov foi o meu amor à primeira vista - aquele sentimento que nos leva a mergulhar fundo, sem entender direito o que estamos fazendo e aonde iremos chegar. Não compreendi muito das suas narrativas na primeira leitura - assim como até hoje o considero um escritor quase hermético - mas, ainda assim, sua influência na minha vida foi fundamental. Por causa dele encarei um ano de russo na faculdade, e devorei autores conterrâneos na busca de suas inspirações literárias. Depois de tanta pesquisa e certo aprofundamento na sua obra, até hoje Tchekhov é um autor que conversa mais com o meu coração. Mesmo acompanhada na leitura por obras críticas diversas, não consigo resumir suas curtas narrativas a um esquema arquetípico. Suas histórias vão ao encontro dos meus anseios. "Três anos" não narra nenhum fato extraordinário e nem conta com personagens marcantes. Contudo, o retrato que o escritor faz da melancolia, da tristeza e do nosso certeiro fracasso é impressionante. Difícil nã

Sem coleira (Rupert Fawcett)

O livro de cartoons sobre cães trabalha um pouco com a ideia de "piada interna": para quem não convive com esses bichinhos peludos e brincalhões, talvez seja um pouco mais difícil perceber a graça dos quadrinhos de Fawcett. No entanto, para quem é dono (aliás, tutor) de um ou mais cachorros, é difícil não soltar umas boas risadas com os desenhos. O autor trabalha com a ideia de que os cães não são tão ingênuos como parecem... e para quem já se viu desesperado com a bagunça canina, não deixa de ser engraçado imaginar que eles fazem toda a destruição de propósito. Com um traço bastante simples e histórias certeiras, o livro é uma boa indicação para quem ama seus bichinhos.

Love & Mercy (filme de 2015)

O filme conta a história de Brian Wilson, músico responsável pela composição de algumas das melhores músicas do grupo Beach Boys - que, ao início da carreira, obviamente, apenas fazia canções sobre surf. Ao trazer para o estúdio profissionais competentes, e agregar sons inusitados - como o de buzina - ele conseguiu criar um álbum que fez história além da própria banda: o Pet Sounds, aclamado pela crítica. Não só de louros foi feita a vida de Brian: antes dos 30 anos, começou a manifestar sinais de alguma doença mental. O filme retrata dois momentos simultaneamente, ambos relacionados à sua enfermidade: quando decide parar as turnês com o grupo por ter pânico de avião e investe na composição das canções; e quando, mais velho, encontra Melinda, mulher que o ajudará a se livrar de um psicólogo opressor e abusivo. Com, obviamente, uma ótima trilha sonora, o longa também acerta na escolha dos atores (em especial John Cusack, que está sensacional no papel de Brian) e nas temáticas, tão c

Deus da carnificina (filme de 2011)

Baseado em uma peça de teatro, o filme não esconde suas origens: quase toda a história se passa dentro de um apartamento, centrada na discussão de dois casais cujos filhos brigaram no parque. O único ponto de atenção da obra são as interpretações geniais dos quatro protagonistas - não há efeitos especiais, cenários diferentes, velocidade... apenas a vida como ela é. Ao início extremamente civilizados, aos poucos cada um dos pais vai mostrando não só o quanto está insatisfeito em relação ao desfecho da briga das crianças, mas também como não consegue lidar com o outro. Assim, o que era para ser o motivo central do encontro desses pais - a discussão dos filhos - toma uma proporção muito maior, com um debate ambientado no mundo adulto, cheio dos dilemas e contradições que lhe são próprios. Ninguém se salva. Todos os personagens, aparentemente cordiais e bem-sucedidos, de uma maneira ou outra, não conseguem manter as aparências. Vemos, assim, aos piores segredos das pessoas comuns: nen

Confetes na eira (Franca Treur)

A narrativa centra-se na vida de Katelijne, menina que vive com os pais e os seis irmãos em uma região do interior da Holanda. Ao começo, é um livro que apresenta certa dificuldade - tanto pela idade da personagem (uma pré-adolescente) quanto pelo cenário (tão distante da ideia que temos da Holanda contemporânea). No entanto, aos poucos, vamos sendo atraídos pela simplicidade pungente da trama. A relação que os personagens têm com a religião é quase que um personagem a mais na história. Membros da Igreja Calvinista, todos do povoado obedecem a rígidas regras de conduta, como ir às missas até mais que três vezes por dia. De modo sutil, a autora mostra como o excesso de moral e de crenças torna a vida da família insípida. No meio de um contexto que não favorece seu desenvolvimento, Katelijne se vê inventando histórias para tornar a vida mais interessante. Uma de suas pequenas mentiras fantasiadas leva ao final da obra que, de certa forma, é denso, trágico. E que condiz tão bem com to

As virgens suicidas (Jeffrey Eugenides) - livro / filme de 1999 (Sofia Coppola)

O livro parte de um mote simples, mas que gera curiosidade e conduz o leitor por uma narrativa com certo suspense e muitas metáforas. Desde o início, sabemos o que nos espera: as cinco jovens filhas do casal Lisbon irão suicidar-se. Com uma notícia forte desta logo nas primeiras páginas, como leitores nos vemos fisgados pela narrativa. A trama é contada por rapazes que estudaram com as meninas e que nunca puderam esquecer sua breve existência. Não há uma voz narrativa definida - trata-se mais de um grupo de narradores, de idades semelhantes e experiências compartilhadas, que conduz a história. Também não há, ao longo da obra, uma explicação clara para o suicídio das garotas. E, afinal, como justificar objetivamente o que nos leva a desistir da vida? Da mesma forma, não há explicação para o que mantém a existência de "gente de bem" de seus pais, sufocados tanto pelas crenças religiosas quanto pela dolorosa perda das meninas. No filme, as ótimas interpretações, aliadas a

5 centímetros por segundo (Makoto Shinkai)

Apesar de ser um dos meus filmes de anime preferidos, o mangá de "5 centímetros por segundo" não me surpreendeu. Talvez um dos elementos presentes na obra para o cinema que mais encante seja justamente o que tanto faça falta nestes quadrinhos: a cor. Na animação, não apenas o traço é belo, como a composição com as cores é superdelicada, criando imagens poéticas, memórias visuais de jovens realizando suas primeiras descobertas amorosas. O modo não linear de narrativa, que tão bem é desenvolvido nas telas, fica um pouco confuso para uma obra em mangá relativamente curta (2 volumes). Falta coesão entre os elementos da história, e quem não tenha assistido ao filme pode ficar um tanto perdido na leitura.  Ainda que nem sempre a relação entre os personagens e a localização temporal das narrativas sejam claras é, apesar de tudo, um mangá com qualidade acima da usual. Talvez lançar a história totalmente colorida ou com algumas páginas a mais, para evitar buracos no enredo

Para Roma com amor (filme de 2012)

Woody Allen produziu, recentemente, filmes em que o ambiente conta, por si só, como um personagem de grande relevo para a história. Depois de assistir a Vicky, Cristina, Barcelona (que tem tiradas engraçadas) e a Meia-noite em Paris (no qual o que vale são as intertextualidades propostas), não me decepcionei com a ida do diretor à Itália.  Além do mais, o filme traz o plus de colocar Allen como ator, o que sempre é divertidíssimo.  A obra é, no geral, uma comédia bem articulada, com personagens distintos guiando a história. O narrador de todos esses pequenos dramas humanos é um típico guarda de rua italiano, que afirma conhecer muito bem a vida que se desenrola todos os dias à sua frente. Os núcleos temáticos são: um casal que se apaixona e decide casar, levando os pais americanos da noiva (o que inclui Allen) à Itália; recém-casados que se perdem comicamente pelas ruas da cidade; um arquiteto que reencontra a si próprio durante a juventude; um homem comum que, repentinamente, se t