Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de setembro, 2016

Sagarana (João Guimarães Rosa)

Virei leitora de Rosa antes ainda da obrigatoriedade de Sagarana no vestibular (livro que continua na lista, dez anos depois de ter prestado a prova). E, ao contrário de tantas obras lidas na adolescência que se tornaram mais claras para mim com o passar do tempo, os textos roseanos ainda são pequenos mistérios, carregados de possibilidades que ainda não desvendei. Lembro-me de, aos 16, 17 anos, ter gostado muito do conto "Conversa de bois", um dos últimos do livro. Ainda que pelo seu tom fabulesco e plot twist sensacional continue sendo uma das minhas narrativas preferidas, duas outras vieram somar-se à minha lista de idiossincrasias: "Sarapalha" e "A hora e a vez de Augusto Matraga". "Sarapalha", conto de pouca ação, é extremamente delicado ao lidar com o tema da morte, da solidão e da necessidade de perdoarmos uns aos outros. Para mim, talvez seja o conto mais triste e comovente do conjunto. "A hora e a vez..." é, como Gu

Relembramentos - João Guimarães Rosa, meu pai (Vilma G. Rosa)

O calhamaço de quase 600 páginas, ganhador de vários prêmios literários, tem seu valor. No entanto, há muito de egolatria também - mais em relação à autora (Vilma) do que ao biografado (o verdadeiro Rosa).  O livro reúne vários textos da filha sobre o pai - no entanto, eles são extremamente repetitivos e poderiam muito bem ser resumidos em um só artigo, muito mais sucinto. Afinal, mesmo que a autora pareça esquecer, quem adquire esta obra está interessada na escrita do seu pai - e não na dela. A segunda parte da obra, com cartas de Rosa dirigidas à sua família e a amigos, é o que faz valer a leitura (afinal, aqui sim temos acesso à escrita do autor). As cartas endereçadas ao pai, nas quais ele pede descrições do sertão para aproveitar em seus escritos, são especialmente interessantes. Outro p0nto que me incomodou bastante foi o endeusamento de Rosa, apresentado como figura sem defeitos. E uma certa infantilização da escritora, que continua chamando-o de "papai", me

Macanudo 7 (Liniers)

Algumas tiras (especialmente as do universo literário da Henriqueta) ainda são muito boas. No entanto, no geral me pareceu um livro mais fraco que os restantes do autor - muitas tiras sem assunto definido, ou subjetivas ao extremo. E algumas tiras sem nenhuma graça mesmo.

Esquadrão suicida (filme de 2016)

A trilha sonora é boa. De resto, é tudo tão previsível, tão cheio de clichês, tão óbvio ululante... que o suicídio é do bom gosto.

O rei de amarelo em quadrinhos

Inicialmente, acreditei que esta seria uma adaptação dos contos de Robert W. Chambers, autor estadunidense, que, a princípios do século XX, ajudou a consolidar a mitologia em torno ao rei de amarelo. No entanto, trata-se de 5 ou 6 histórias com roteiros levemente inspirados em símbolos presentes nas narrativas originais. Talvez por coincidência (ou não), as duas únicas boas histórias do conjunto (a primeira e a última) foram desenhadas e roteirizadas pela mesma pessoa. Nas demais, há um grupo de pessoas trabalhando em paralelo para ilustrar e para criar o enredo dos contos. A primeira história traça um paralelo interessantíssimo com os tempos atuais: a protagonista do conto é convidada a fazer parte de uma rede social chamada carcosa (um dos símbolos emblemáticos do rei de amarelo). Por meio de uma alegoria, podemos ver como as redes sociais são tão tenebrosas quanto o mais terrível conto de horror. A última história também traz a mitologia amarela para os nossos tempos, mas c

Para entender o doutor Jivago (Queiroz Junior)

Livrinho bem chinfrim, que ajuda mais a entender como o romance o Doutor Jivago causou polêmica do que a compreender o romance em si. O estudo foi feito por militantes de esquerda brasileiros na época da Guerra Fria - assim, é todo um libelo para provar que a obra-prima de Pasternak foi uma alegoria política sem valor literário. Ou seja, um projeto de livro que se baseia em uma premissa falsa.

Dr. Zhivago (série de 2002)

Por seu cunho poético e filosófico, o romance o Dr. Zhivago é de difícil adaptação para o cinema. Para tentar transpor um enredo complicado e longo, o filme de 1965 contou com quase 4 horas; as demais tentativas foram realizadas por meio de minisséries, como a de 2002. Ainda que tenham uma estrutura muito parecida, a obra mais recente me pareceu uma melhor adaptação do que o clássico dos anos 60. Foram tomadas algumas liberdades em relação ao enredo original; no entanto, a série sabe eleger os momentos mais impactantes para levar a emoção ao espectador. Outro aspecto interessante na obra são as metáforas visuais, que dialogam mais fortemente com o conteúdo do livro. Uma das cenas mais bonitas escritas por Pasternak é o momento em que, ao perceberem que serão capturados e mortos, Jivago e Lara decidem aproveitar com intensidade seus últimos momentos juntos. Na passagem para a linguagem cinematográfica, esta cena é alegorizada por meio de um acordo entre os protagonistas, que ac

A hora e a vez de Augusto Matraga (filme de 2012)

Muito se discute sobre a pretensa intraduzibilidade de Guimarães Rosa, ainda que algumas edições sejam famosas pelo trabalho de transposição do sertão mineiro a outras línguas e culturas. Se a transferência da palavra escrita para outro idioma já parece tarefa quase impossível, o que dizer da constante tentativa de levar a linguagem de Rosa para as telas do cinema? Aparentemente, os motivos para não tentar essa transferência são mais fortes: o desconhecimento da época retratada por Guimarães (uma vivência de boiadeiros que já não existe da mesma forma), a linguagem poética ao extremo, os regionalismos marcados, os personagens excêntricos. No entanto, apesar de todas essas dificuldades, são já várias as tentativas de filmar o sertão e suas veredas. "A hora e a vez de Augusto Matraga", produzido em 2012 por Roberto Santos, não só é a melhor adaptação que já vi de Rosa, como é uma das melhores leituras cinematográficas de autores brasileiros (e feita, igualmente, em ter

O dr. Jivago (livro de Boris Pasternak e filme de 1965)

Boris Pasternak foi o meu primeiro russo e me guiou pelas letras maravilhosas de Dostoiévski, Tolstói, Tchekhov, Anna Akhmatóva... e, por fim, culminou em 1 ano de habilitação em língua russa na faculdade, que não prossegui por motivos alheios à grande qualidade da literatura deste país. Tenho uma relação afetiva muito especial com esta obra. Ainda que não tivesse o hábito de fazer releituras no início das minhas incursões literárias, o dr. Jivago foi uma das poucas exceções. Extraí  pouco dele nas primeiras leituras (aos 14 e 16 anos), mas que sabia que estava cheio de significados a serem desvendados. Ainda hoje, 15 anos depois, sei que serão necessárias mais voltas à esta obra grandiosa, tão profunda e tão humana. Uma das minhas dificuldades foi a edição, cheia de erros e fruto de traduções parciais e indiretas, da Itatiaia. No entanto, como queria reler a obra tal como a conheci, optei por ainda não buscar uma versão mais fiel da obra original. Livro polêmico, com

Lisbela e o prisioneiro (livro de Osman Lins e filme de 2003)

Conheci Osman Lins por meio da obra Avalovara, que me impressionou bastante quando ainda começava a cursar Letras. O filme "Lisbela e o prisioneiro", baseado em obra homônima do autor, eu já tinha visto diversas vezes. Assim, esperava que o livro correspondente tivesse a mesma graça e lev eza de um Auto da Compadecida (que também foi adaptado às telas por Guel Arraes). Expectativa frustrada - este é um dos raros casos em que o filme é muito melhor do que o livro. O roteiro original de Osman Lins sustenta todo o seu (nulo) humor em pretensas piadas de conteúdo machista e intolerante. Ainda que a intenção seja boa - seguir o Movimento Armorial de Suassuna, com mescla de elementos regionais a uma história de abrangência universalista - o resultado é pífio. O personagem mais bem construído da obra (e o único ligeiramente engraçado) é o matador profissional Frederico, interpretado no cinema (e na série televisiva de 1993) por Marco Nanini. O filme, pouco preso ao roteiro d

Truman (filme de 2015)

Talvez este seja um dos meus filmes preferidos com o Ricardo Darín - o que é difícil de avaliar, tendo em vista um ator com carreira tão múltipla e papéis muito diversos entre si. No entanto, o tempo (que figura, de certa forma, como também personagem do enredo) agrega tal delicadeza e profundidade à interpretação que o resultado é primoroso. Esta é a história de um ator de teatro com câncer terminal, que decide interromper o tratamento ineficaz para viver com alguma qualidade seus últimos dias de vida. O grande dilema do protagonista - e que nomeia a obra - é com quem deixar seu cachorro Truman. Com um plot que gera tanta identificação (aos amantes da vida, dos cachorros e de Darín), o difícil seria a produção não dar certo. Algumas produções argentinas tendem a abusar de seu renomado astro, criando cenas em que Darín tem, com seu silêncio carregado de significados, de preencher todo o take. Não é o caso aqui - ainda que seja o protagonista, as interpretações são dosadas, cri