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Mostrando postagens de novembro, 2016

Coleção antiprincesas: Frida Kahlo e Clarice Lispector (Nadia Fiuk e Pitu Saá)

Com um projeto gráfico e ideológico incrível, a coleção Antiprincesas, da editora Chirimbote, é sim desconstrutora. A primeira página de cada um dos livros já mostra uma figura da Branca de Neve indo embora com a seguinte hashtag : #thauvouembora. Ainda não é o suficiente, dirão alguns. No entanto, a proposta da coleção não é salvar o mundo - é apenas oferecer, em um mercado editorial eminentemente voltado para a formação de meninas frágeis e sonhadoras, uma opção. É um produto com linguagem de internet, bastante voltado para a classe média a que atende - no entanto, uma classe média consciente e que não atrapalhe (quando não ajude) as lutas das minorias não é o que todos queremos? A naturalidade com que os livros falam sobre a bissexualidade de Frida ou o divórcio de Clarice é um tom de que precisamos. Entender as opções individuais, sem ditar regras ou parâmetros, pode sim ajudar a formar meninas e meninos mais compreensivos.

Eu amo livros/ Eu amo editoras/ Eu amo bibliotecas (Iris Borges)

A série "Eu amo", publicada pela editora Callis, busca aproximar as crianças do objeto livro. Assim, um pouco do universo livresco é apresentado aos pequenos por meio de belas ilustrações e um texto afetivo, na tentativa de ganhar o apreço do leitor. Desde a sua fabricação (Eu amo editoras) até seu armazenamento (Eu amo bibliotecas), várias etapas relacionadas à criação do livro são explicadas, de forma breve, porém ilustrativa. Desses três volumes que li (há ainda outros dois - sobre ilustradores e escritores), o livro sobre o livro é o mais interessante. Ao invés de apresentar um texto-resumo em fonte oito, pouco convidativo, ao final, substitui as últimas palavras por descrições dos quadros que lhe servem de ilustração. É uma bela maneira de fechar a obra e linkar as diferentes artes.

O livro do travesseiro (Sei Shônagon)

Na tentativa de ampliar minhas leituras para além do cânone - ou seja, literatura feita por homens brancos ocidentais - me propus a tentar descobrir autoras de outros países. Para representar o Japão, escolhi um livro de Sei Shônagon, que é uma das escritoras fundantes da literatura de sua nação. O livro do travesseiro  foi escrito no século XI e sua autora, uma dama da corte imperial, retrata em textos curtos (por vezes, de uma só linha) suas impressões sobre as relações da sociedade, as belezas da natureza, a perenidade da vida. Apesar de não ser meu primeiro contato com a literatura japonesa, confesso que foi uma obra diferente de tudo o que conhecia até então: absolutamente contemplativa, descritiva, a escrita de Shônagon vai em caminho radicalmente oposto à atual imediatez ocidental. Por suas muitas referências a clássicos da literatura da época ou a personalidades de seu tempo, é um livro com características muito específicas de linguagem, que demandaram cerca de 11 anos

A trégua (livro de Primo Levi e filme de 1997)

Sequência do já canônico É isto um homem , este livro de Primo Levi, ex-prisioneiro de Auschwitz, narra a saga dos sobreviventes dos campos de concentração de volta às suas casas. Ao contrário da difundida ideia hollywoodiana (de que os estadunidenses "salvaram" a todos e garantiram um final feliz à guerra), a situação de abuso, pobreza e abandono das vítimas do conflito demorou muito tempo a se extinguir, deixando inúmeras sequelas e cicatrizes. O percurso de Primo em busca da Itália, sua terra natal, é extremamente burocrático, sinuoso, à mercê da vontade e da disposição dos russos. Ainda que em melhor situação do que a concentracionária, as pessoas continuam sendo submetidas a desmandos, enquanto tentam resgatar a sua humanidade na medida do possível. O longo e arrastado caminho descrito pelo autor se reflete em uma escrita tortuosa, truncada, o que acaba tornando a narrativa mais verossímil, porém bastante aflitiva para o leitor. O filme, por sua vez, ainda que

Misery (livro de Stephen King e filme de 1990)

Misery foi um dos meus livros preferidos da adolescência - não só pela temática de terror, que então me fascinava, mas também pela ideia que serve como mote da trama. Na época, lembro de ter sentido inclusive certa empatia pela vilã - afinal, a ideia de sequestrar um escritor e obrigá-lo a escrever seu livro preferido deve ser, no fundo, o sonho sádico de qualquer leitor compulsivo... Dessa vez fiz o caminho inverso: primeiro assisti ao filme para depois retomar minha leitura. Por mais que a produção cinematográfica seja boa (e a atuação de Kathy Bates seja realmente assustadora), é mais um caso clássico em que a adaptação não supera o original. O filme é mais enxuto (a linguagem de Stephen King por vezes é excessiva, redundante) e altera alguns pontos importantes do roteiro para manter a coerência interna, mas perde em alguns aspectos importantes. Por ter como protagonista um escritor, King usa sua obra para discutir muitos aspectos de linguagem. Aos poucos, vamos percebendo que P

O iluminado (filme de 1980)

Li o homônimo de Stephen King (e no qual o filme se baseou) por volta dos 14 anos, e lembro-me de ter ficado bastante impressionada. Tanto que, ainda que mais de uma década tenha se passado dessa leitura, consegui identificar diferenças na adaptação para as telas em relação ao texto do livro. Stephen King é um autor prolixo, por vezes entediante, mas que, principalmente em seus livros curtos, consegue conduzir uma narrativa que prende a atenção. Se, por um lado, não se trata de grandes feitos literários, por outro lado suas narrativas revelam um escritor consciente das técnicas de composição e dos efeitos que pretende causar em seu leitor. No entanto, se a literariedade da obra de King pode ser discutida, é difícil colocar em xeque a praticamente inegável qualidade da produção de Kubrick. O diretor não seguiu à risca o original e nem sequer aceitou o roteiro produzido pelo próprio autor; no entanto, é justamente nas variações, nas alternativas buscadas que está o diferencial d

Klezmer (filme de 2015)

O Holocausto, com o passar do tempo, virou um tema de produção cultural estadunidense; por sua vez, para muitos consumidores exclusivos do american way of life , as únicas versões possíveis sobre o genocídio são retiradas de filmes geralmente comerciais, como A menina que roubava livros  ou o menino do pijama listrado . É preciso resgatar continuamente a história dos grandes crimes da humanidade, para que não se repitam; no entanto, é preciso discutir também a forma como essas tragédias são retratadas e incorporadas. No caso do extermínio judeu, não estaríamos diante de mais um caso de apropriação cultural? Klezmer  é um filme polonês que se passa durante a Segunda Guerra, mas, apesar de seu foco central ser a temática do Holocausto, ele consegue evitar todas as imagens consagradas associadas ao assunto: não há filmagens em campos de concentração, ou em ambientes de guerra, ou mesmo um único prisioneiro com a roupa listrada. Todo o enredo se passa em uma floresta, no período de um

O diário de Helga (Helga Weiss)

O diário de Anne Frank , cujas vendas foram reacesas recentemente em função do  best-seller   A culpa é das estrelas , muitas vezes é tratado como a única obra de registro do Holocausto - sendo que Anne só pode escrever enquanto vivia escondida no porão da casa de amigos. Sua história é uma dentre milhões - seis milhões de assassinados nos campos de concentração, dos quais a maioria era composta de idosos, mulheres e crianças. Assim, urge resgatar as publicações e registros de tantas pessoas que sofreram na pele os desmandos de Hitler. Assim como Anne, Helga era uma criança quando foi enviada aos campos de concentração. Inicialmente transportada a Terezín, viveu durante algum tempo em um campo voltado principalmente para crianças, que eram aproveitadas como força de trabalho. Este lugar foi "maquiado" durante algum tempo pelo governo nazista, de modo a enganar a Cruz Vermelha e as autoridades internacionais, que já tinham ouvido falar dos campos de extermínio. No entan

Darth Vader e filho (Jeffrey Brown)

Até para quem só assistiu a um filme da saga (como é o meu caso), não é difícil entender como se constrói a graça das ilustrações de Jeffrey Brown - afinal, Star Wars já é um referente cultural amplamente compartilhado, inclusive por quem pouco ou quase nada sabe dos detalhes do enredo. O autor imagina uma relação de afeto entre Darth Vader e Luke, quando ele ainda é pequenino. Ver frases famosas como "Luke, eu sou seu pai" e que "A força esteja com você" em situações familiares cotidianas, com a figura de um Darth Vader carinhoso, é de rolar de rir, por mais que seja um humor bobo e ingênuo.

Ou isto ou aquilo (Cecília Meireles)

Costumo dizer que só me tornei uma leitora de poesia após entrar no curso de Letras - entretanto, ainda que o meu amor pelo gênero tenha se desenvolvido somente após eu obter as ferramentas certas para compreendê-lo, há algumas exceções na minha vida literária até então. Uma delas - talvez a maior - é o excepcional "Ou isto ou aquilo". Cecília Meireles, além de uma poeta de força (ao contrário do que julgam tantos críticos machistas, que só sabem ler delicadezas em seus versos), foi uma educadora à frente de seu tempo. A poeta-professora possui várias crônicas em que reflete sobre educação, e chegou a trocar figurinhas sobre o tema com a também poeta-professora Gabriela Mistral, uma figura latina de renome em ambas as áreas. Ao reler a obra que tanto marcou minha infância, pude reconhecer, agora, recursos pedagógicos incríveis nos poemas. Ora Cecília brinca com a soletração das palavras, ora cria trava-línguas, ora põe a criança em contato com assuntos profundos

Charlie Brown, você é o nosso herói!

O livro faz parte de uma coleção dos anos 1970, publicada em bancas de jornal, com roteiro inspirado nos filmes dos personagens. Assim, de certa forma, é uma transposição tripla de linguagens: dos quadrinhos para o cinema e dos longa-metragens para a linguagem em prosa.  Se a passagem de uma forma de linguagem para outra assemelha-se a uma tradução, pode-se concluir que este livrinho de Charlie Brown tem a aura de uma tradução indireta: lacunas no texto, trechos lacônicos ou excessivos, além de erros de revisão em boa quantidade... Contudo, apesar disso, as figuras enormes, coloridas, e o tom adoravelmente pessimista do personagem principal tornam a obra fofinha.