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Mostrando postagens de fevereiro, 2017

Lion (filme de 2016)

O mote de Lion , ainda que carregue algumas notas trágicas, é relativamente simples: a história de um menino adotado que, após adulto, decide reencontrar sua família biológica, da qual se perdeu quando criança. É preciso que o espectador tenha em mente, desde o começo, que não se trata de uma trama cheia de reviravoltas ou suspense; pelo contrário, o desenrolar da narrativa é bastante previsível, sem que isso seja, necessariamente, uma falha do filme. O início da trama, ambientado na Índia, é o grande atrativo da história, o que talvez gere grandes expectativas em quem a assiste. Por mais que Dev Patel seja um ator bastante completo, a interpretação das duas crianças no começo é o que mais emociona na obra. Ademais, o retrato social da Índia feito nesta parte do filme é, ainda que cruel, bastante cativante. O modo como o personagem usa a tecnologia do Google Earth para reencontrar suas origens, sendo baseado em uma história real, não deixa de ser curioso. Somado à atuação fenom

Armandinho 9 (Alexandre Beck)

Muitos dos quadrinhos deste volume referem-se diretamente às manifestações que levaram ao golpe - assim, o conteúdo crítico das tiras é intenso. Por outro lado, há um apelo constante à humanidade que ainda habita em nós - seja em prol do respeito das opiniões alheias, seja para salvar o meio ambiente ou para prestar solidariedade às muitas vítimas de uma sociedade cruel.

O tempo e o vento (séries de 1985 e 2013)

O tempo e o vento  é a obra da vida de Erico Verissimo - demorou mais de 20 anos para ser elaborada e é, também, um calhamaço de mais de 2000 páginas. Com uma infinidade de personagens, tramas e subenredos, é um texto difícil de ser adaptado para a linguagem televisiva - provavelmente um dos motivo que levou ambas séries globais a retratar um período relativamente curto da trama. A versão de 1985, se tenta ser fiel ao contexto histórico, não é nada agradável visualmente. Desde os cenários até os figurinos, tudo é muito pesado, distanciado de nossa realidade. O ponto forte desta produção é a interpretação de Tarcísio Meira como Capitão Rodrigo Cambará (mesmo que ele já fosse um tanto velho para o papel de galã). Bem mais elaborada, a série de 2013 traz não só um novo arco da história (a vida de Bolívar, filho do Capitão Rodrigo) como é mais palatável. A fotografia e a trilha sonora  são incrivelmente belas, aproximando o espectador da história. Ainda que alguns pontos sejam dis

Una última y nos vamos (filme de 2015)

As produções culturais mexicanas que chegam ao Brasil são carregadas de estereótipos, o que pode nos levar a mirar toda a sua cultura com um olhar de desconfiança. No entanto, nem só de novelas maquiavélicas e de seriados pastelões se compõe o seu repertório audiovisual; esta comédia despretensiosa é a prova disso. Ainda que com a participação de Héctor Bonilla, galã de Chaves , o gênero desta produção é bastante diferente. Há sim alguns clichês e idealizações (que, no entanto, enquanto inseridos em uma comédia não são exagerados), mas, no geral, o longa consegue surpreender em um ou outro aspecto. O ponto mais interessante talvez seja abordar o fim da cultura mariachi e o quanto ela é formativa da tradição mexicana. O final um pouco previsível não deixa de ser um apelo à valorização da cor local, e, assim, uma crítica à aceitação passiva dos produtos culturais estadunidenses.

As cariocas (Sérgio Porto) + série de 2010

Li muito Stanislaw Ponte Preta quando era adolescente - se não me engano, todos os livros da biblioteca da cidade que levavam o seu nome na capa foram parar nas minhas mãos, para uma leitura sem compromisso, mas com muito entretenimento. Não me lembro, no entanto, de ter tido contato com a obra do escritor assinada sem pseudônimo, ou seja, publicada como de autoria de Sérgio Porto. Já não sei avaliar se foi meu julgamento de leitora que mudou drasticamente ou se prefiro o Stanislaw, mas o fato é que As cariocas  é um livro extremamente fraco. Na introdução, Jorge Amado explica que Sérgio não estava habituado a escrever novelas, e que a transição do mundo da crônica foi bem realizada - opinião da qual discordo. Se fossem textos curtos, talvez essa reunião de histórias se salvasse. Mas, como foi elaborada, ficou um conjunto desigual, ora com predominância de um tom pedante, ora com ênfase em detalhes absolutamente dispensáveis. Não se trata de enredos ruins - pelo contrário, o p

Brejo das Almas (Carlos Drummond de Andrade)

Segundo livro da extensa obra drummondiana, Brejo das Almas  já deixa as primeiras marcas da voz de um poeta sem preocupações formais explícitas (como o tom modernista e satírico de sua estreia com Alguma poesia ).  A reunião traz alguns dos poemas e versos mais conhecidos do mineiro ("O amor bate na porta/ o amor bate na aorta,/ fui abrir e me constipei"; "Perdi o bonde e a esperança. / Volto pálido para casa."; "Carlos, sossegue, o amor / é isso que você está vendo: / hoje beija, amanhã não beija, / depois de amanhã é domingo/ e segunda-feira ninguém sabe / o que será"). Ainda assim, é um livro que fica obscurecido pela importância dos que lhe seguem, como Sentimento do mundo , A rosa do povo e Claro enigma . Não há, de fato, um projeto temático claramente identificado nos versos, que discorrem sobre assuntos diversos: o amor, a política, a desesperança, o desejo... No entanto, de modo geral boa parte dos poemas deixa latente a questão do c

Viagem (Cecília Meireles)

Primeira mulher a conseguir espaço no panteão de poetas nacionais, Cecília Meireles ainda é uma escritora pouco conhecida e muito rotulada. Apesar do tom onírico e quase simbolista de seus versos, uma leitura atenta é o suficiente para nos desvincular da ideia de poetisa meramente delicada e elegante, tão corrente na crítica literária despreparada. A preocupação com a rima resulta em uma construção poética apurada. Ademais, já o livro de estreia aborda temas bastante soturnos, como a morte, a desistência dos sonhos e  os amores infelizes. Somados todos esses fatores, é preciso avaliar a figura biográfica de Cecília como a de uma mulher extremamente engajada e dona de uma voz poética intensa e forte. Plena em construções líricas apuradas, a obra inicial de Meireles, se peca em algo, talvez seja em uma repetição leve de alguns temas e formas. No entanto, considerados no contexto, podemos ver esses poemas mais simples como sketches do que há de melhor em sua produção.

Érico Veríssimo: o romance da história

O livro contém artigos dos acadêmicos Sandra Jatahy Pesavento, Jacques Leenhart, Ligia Chiappini e Flávio Aguiar sobre cada uma das partes da saga O tempo e o vento , além de um texto para a obra como um todo. Além disso, há uma entrevista e um ensaio inéditos de Antonio Candido sobre a trilogia do escritor gaúcho. Os textos de Candido iniciam o volume e são bastante interessantes (talvez de uma época em que o professor não fosse tão reverenciado, endeusado), provocadores. Ele fala abertamente contra a ditadura e prova por que Érico é um escritor a favor da democracia (na época, a publicação deste texto foi proibida pela censura). Apesar de já conhecer mais a obra de Ligia Chiappini e de ter apreciado mais seus artigos (inclusive uma crítica à leitura de FHC da obra), no geral o livro ampliou o meu leque de reflexões sobre O tempo e o vento . Alguns questionamentos que, para mim, só surgiram após a leitura deste livro de apoio foram: - o fato de o Sobrado ser um personagem da obr

Capitão Fantástico (filme de 2016)

O plot  da obra parte de dois questionamentos fundamentais na vida de quem lida, de alguma forma, com o ensino: qual é a função da escola e quais são os objetivos da educação? Somos apresentados, enquanto espectadores, a uma família que decidiu rever seus conceitos sobre o tema, educando os filhos em casa. Ao contrário do que se poderia esperar, no entanto, o projeto "político-pedagógico" dos pais é extremamente abrangente, e tem em seu "currículo" desde a caça de animais selvagens até o aprendizado de línguas diversas. O grande problema que essa modalidade de ensino traz (ao menos de acordo com a visão do diretor/roteirista do longa) é a perda de contato com o outro. Reclusas a conviver basicamente com a família, as crianças perdem habilidades sociais básicas, como a de entabular uma conversa - além de serem extremamente ingênuas. Sem reverberar maniqueísmos, a trama sabe contrapor este modelo de educação alternativo ao método convencional, levando a concl

Children in the Holocaust and World War II (Laurel Holliday )

Com reedições frequentes, tradução em mais de 30 línguas, filmes, séries e diversas outras publicações inspiradas nela, a obra de Anne Frank parece ser representativa de uma das figuras mais expressivas do Holocausto judeu durante a Segunda Grande Guerra. Sua dor e morte nos campos de extermínio não deve, de fato, ser banalizada; no entanto, não seria o caso de nos perguntarmos por que, dentre tantos relatos traumáticos de crianças vítimas do conflito, apenas o seu sobreviveu ao tempo? Como aponta brilhantemente Laurel Holliday na introdução de seu livro - uma coletânea de diários de jovens e crianças escritos no período - Anne Frank não teve a oportunidade de relatar em seus escritos a parte mais cruel da perseguição aos judeus - "she did not experience life in the streets, the ghettos, the concentration camps, as it was lived by millions of children throughout Europe". Os relatos apresentados por Holliday foram escritos por 23 crianças e jovens, entre 10 e 18 anos,

Star Wars: a ameaça fantasma (filme de 2000)

Resgatar o passado de Darth Vader talvez seja o ponto mais interessante deste filme, com excesso de efeitos especiais, cenas de luta e plot twists um tanto previsíveis. Nenhum aspecto, fora esse, merece ser destacado: trata-se de uma obra regular, feita para conquistar, na época, uma nova geração de apaixonados pelo mundo de Star Wars. No entanto, as brincadeiras com a tecnologia da época para criar as cenas tornam o filme demasiado datado, sem criar vínculos com o público de hoje.

O mestre dos gênios (filme de 2016)

Com uma abordagem focada no processo editorial, o filme consegue matizar a biografia do escritor estadunidense Thomas Wolfe, revelando os meandros do seu processo criativo. Ademais, o papel do editor (verdadeiro protagonista do filme) ganha seu devido reconhecimento - já que se trata de uma profissão tão anônima, destinada a interferir no texto sem deixar suas marcas. Se a temática é interessante, contudo, os recursos técnicos não ajudam a compor uma obra bem acabada. A atuação de Jude Law como Wolfe é convincente, mas Colin Firth está inexpressivo como sempre. Com um protagonista sem carisma, é difícil manter o interesse pelo filme, apesar de sua curta duração. Outros pontos negativos são a fotografia (trata-se de uma obra demasiado escura, sombria, sem motivos aparentes para esta escolha), a falta de uma trilha sonora e um excesso de clichês no enredo. E, ironicamente, para um filme sobre edição faltou o trabalho de um bom editor de conteúdo e de arte.

O tempo e o vento (Erico Verissimo)

Durante muito tempo, a crítica literária preciosista me afastou de Erico Verissimo, que, assim como Jorge Amado, é rotulado como autor de best sellers  rasos em trabalho linguístico. Se já havia me libertado deste estereótipo em relação ao escritor baiano - afinal, A morte e a morte de Quincas Berro d´Água, assim como tantos outros escritos, provam o contrário - ainda me mantinha reticente em relação ao gaúcho. E ano passado, ao entrar em contato pela primeira vez com a sua obra (pela via dos Caminhos Cruzados ), a surpresa foi grande - e deliciosa. Talvez Erico incomode tanto a engessada crítica por ser um autor prolífico, de grandes vendas e, sobretudo, gostoso de ler. Ainda que seus enredos e sua linguagem sejam aparentemente simples, creio que é nesta aparente falta de recursos que reside seu grande truque de mestre. Personagens como o capitão Rodrigo e Rodrigo Cambará Terra seriam, se reais, pessoas detestáveis - mas fisgam como personagens. A capacidade de cativar o leitor e t