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Mostrando postagens de dezembro, 2017

Quanto tempo o tempo tem (filme de 2015)

O documentário, brasileiro, parte de uma busca pessoal da diretora: como definir, como controlar, como aceitar o tempo? Para responder a esses e outros questionamentos, ela entrevista pessoas tão diversas quantos os seus locais de origem/trabalho, suas crenças e suas profissões. Há desde o depoimento de alegria serena da Monja Cohen até conversas com especialistas em prolongar a vida, tudo isso permeado por densas e complexas lições de filosofia. Cada entrevista abre uma nova perspectiva que enriquece e/ou confronta a anterior. O começo do longa é mais parado, mas, como o próprio tempo, vai adquirindo um ritmo mais acelerado. O final é quase frenético - não tanto pela velocidade quanto pelo choque das ideias apresentadas. Enfim, no todo, o filme é uma boa forma de gastar o tempo.

Com amor, Van Gogh (filme de 2017)

Alguns filmes (bem como livros, exposições, experiências culturais diversas) geram uma sensação de incompletude - sabemos que precisaremos retornar a eles em algum outro momento da vida, para compreender um pouco mais o seus significados.  Essa é a experiência que me ficou após o contato com a obra baseada na biografia do pintor holandês. Conhecendo rasamente sua vida e apenas a sua produção artística mais renomada, me senti deslocada durante boa parte do enredo. Aos poucos, fui acompanhando o fluxo da narrativa, mas já sabendo de antemão que a minha ignorância sobre o artista interferiria na minha apreciação do filme. Longe de ser uma produção didática, o longa oferece, ainda assim, um belo contato com a produção de Van Gogh. A reconstrução de muitas de suas pinturas, a vida que se dá às suas telas é um espetáculo à parte e vale mesmo para aqueles, que como eu, muito perdem por não o conhecer tão profundamente.

Star Wars:o último jedi (filme de 2017)

Com a abertura clássica  da saga, "Star Wars: o último jedi" sabe equilibrar elementos entre o velho e o novo, o filme de agora e seus antecessores dos anos 1970. Há uma boa dosagem de efeitos especiais, que não cansam o espectador (ao contrário de boa parte dos filmes de aventura mais modernos); além disso, alguns recursos um pouco mais roots  são resgatados de produções anteriores, tornando o longa talvez menos verossímil, mas com uma carga afetiva muito mais bem construída. Em quase 3 horas de duração, a obra mantém o fôlego; um dos elementos para obter esse efeito são os personagens complexos, que vão muito além do lado bom ou mau da força. Surpreendentes, os protagonistas instigam e comovem a quem assiste à saga. A fotografia é maravilhosamente boa. Outro ponto de destaque são alguns diálogos bastante interessantes entre o representante antigo dos jedis (Luke Skywalker) e a nova geração (Rey). O confronto de gerações é o grande tema da obra, e rende uma abordagem de

Poesia sem fim (filme de 2017)

O que 2017 me trouxe de bons filmes também me legou de estranhamento, certos choques e o abandono de minha zona de conforto enquanto espectadora. Algumas das melhores produções a que assisti neste ano tiveram esse efeito ainda mais intensificado, como foi o caso de "Poesia sem fim". Desabituada à linguagem surrealista do diretor Jodorowsky, durante a exibição da obra senti um incômodo muito maior do que o prazer estético. No entanto, foi um filme que ficou gravado dentro de mim, crescendo em significados e se expandindo em possibilidades. Ao fim de uma experiência de surpresa e rejeição, se transformou em uma referência afetiva. Não é um filme para desavisados, portanto. Todavia, se estivermos abertos à proposta que se oferece já no título - poesia sem fim, polissemia sem restrições - podemos ir, aos poucos, digerindo o longa chileno. E ao final, diante dos créditos, ao percebermos que são os próprios filhos do diretor que interpretam o papel de seu pai em diferentes fases

A praça do diamante (Mercè Rodoreda)

2017 me trouxe algumas das melhores leituras da vida, como David Copperfield e O sol é para todos . E agora, com o ano quase em seu fim, ainda consegui acrescentar uma obra na minha lista de grandes favoritos: o impressionante A praça do diamante , de Mercè Rodoreda. A escritora, nascida na Catalunha, usou sua escrita como bandeira de uma língua e nacionalidade. Em um ano em que a independência catalã foi tão discutida, o reencontro com sua obra faz-se mais do que nunca necessário. Dois aspectos me encantaram particularmente neste livro: o questionamento do papel da mulher e a descrição da passagem do tempo. Apesar de ser um retrato de Barcelona dos anos 30, a obra é muito à frente de sua época, com indagações de cunho feminista que até hoje soam chocantes - talvez pelo fato de o machismo seguir ocupando espaços e discursos com força, mesmo hoje, quase cem anos após a sua publicação. Mesmo sem se pautar na infância da protagonista, este pode ser considerado um romance de formaçã

O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação (Haruki Murakami)

Murakami é meu escritor-conforto, e talvez um pouco da minha guilty pleasure enquanto leitora. Sempre no limiar entre autor que vende muito e autor que escreve bem, parece não haver consenso em torno de sua literatura - o que talvez explique o eterno boato de sua indicação ao Nobel. Com uma produção vasta, não é de estranhar a ambiguidade em torno da sua obra. Afinal, dentre o muito que Murakami escreve, nem tudo se salva. Ainda assim, há um tom narrativo muito cativante em sua produção. Mesmo quando erra a mão, o literato japonês ainda consegue prender a atenção do leitor. Talvez com um dos meus títulos favoritos, este livro não entrou, contudo, para a minha lista de mais amados do autor. Alguns pontos e personagens na trama me pareceram um tanto deslocados, mal amarrados no conjunto.  Os aspectos mais interessantes desta obra são a construção do personagem principal, bastante coerente, e a ideia de como podemos nos amarrar ao passado. Não é, no todo, um livro impressionante, m

Quase memória (Carlos Heitor Cony)

De Carlos Heitor Cony, só havia lido alguns livros com abordagem mais infantojuvenil durante a minha adolescência. Minha impressão geral sobre o autor era a de uma escrita mais direta e facilitada - o que talvez justifique o meu distanciamento de sua obra durante muitos anos. Em "Quase memória" temos sim acesso a uma narrativa bastante simples, por vezes com uma estrutura um tanto repetitiva - mas, ainda assim, Cony consegue produzir não só um belo romance, mas uma história afetiva. Não é à toa que, quando saiu no clube literário da Tag Experiências Literárias, foi descrito como "um dos livros mais queridos da literatura brasileira". O tema da obra é comum à maioria de nós: a relação entre um pai e seu filho. O grande diferencial da narrativa, para evitar o clichê, é a composição do personagem principal, o pai do escritor: caracterizado por meio de um olhar ora amoroso, ora sarcástico, ele é um personagem complexo e instigante. O relacionamento com os pai

Dracula (Bram Stoker) + filme de 1992

O gênero é o terror, mas não exclusivamente. Escrito na forma de romance epistolar, o mais famoso livro do irlandês Bram Stoker mistura técnicas narrativas e recursos diversos para criar uma trama polifônica, irreverente e, ao mesmo tempo, com a cara de "romanção" de época. Poucos momentos na trama são de fato assustadores. Um dos pontos mais interessantes de usar cartas de diferentes personagens para compor a narrativa (além de recortes de jornal, trechos de diário, bilhetes...) é o aspecto de quebra-cabeça que a narrativa vai tomando. Diante de discursos variados, cabe ao leitor relacionar as diferentes vozes entre si e ir desvendando o mistério aos poucos. Assim, enquanto lemos, estamos sempre um pouco à frente das conclusões a que seus protagonistas chegarão. Mesmo sem grandes sustos, não deixa de ser um livro surpreendente. Não esperava me divertir tanto com a sagaz figura do Conde Drácula ou até mesmo torcer pela vampirada em vários momentos do romance.  Se o livr

Alguém viu a Mona Lisa? (Rick Gekoski)

Diante de uma capa de best seller (algo como um Guia dos Curiosos sobre o desaparecimento de obras de arte), minhas expectativas eram de uma leitura de mero entretenimento. Entretanto, não contava com o currículo do autor: especializado em comercializar livros e obras raras, Rick Gekoski tem uma visão bastante apurada e crítica sobre o nosso consumo (por vezes, roubo) de arte. Assim, ainda que seja muito interessante saber alguns dados sobre o desaparecimento de alguns ícones neste universo (como a própria Mona Lisa), este não é o foco principal do livro. Ao longo de seus capítulos, que não precisam ser lidos em ordem sequencial, somos apresentados a vários questionamentos interessantes. Afinal, o que nos leva a consumir arte? A arte pode ser destruída por motivos políticos? Pode ser a representante de pessoas com moral duvidosa? Há separação entre a vida íntima e a obra produzida? Há um valor agregado em cada obra? Como comercializar o que é, em princípio, impagável? Nem sempre

A invenção de Hugo Cabret (Brian Selznick)

Ao terminar a leitura de "A invenção de Hugo Cabret", é fácil perceber por que a sua adaptação para as grandes telas foi tão natural e reconhecida. Afinal, a missão deste inovador livro infantojuvenil é ser uma homenagem à sétima arte. Esta mensagem é notável desde as primeiras páginas. A obra tem uma estrutura muito particular, que busca reproduzir em suas ilustrações o modo de narrar cinematográfico. Assim, entre novela gráfica e livro ilustrado, há um bom casamento da trama com suas imagens. Os efeitos de zoom , distanciamento, aceleração, cortes - todos estão presentes na composição da obra e talvez sejam o seu ponto alto. Sem eles, a história não deixaria de ser interessante, mas não teria nenhum elemento de destaque. É uma obra que só vale a pena vista em seu conjunto, com cada um de seus recursos em atuação.

O melhor que podíamos fazer (Thi Bui)

A ideia de que só quando nos tornamos pais é que passamos a rever nosso papel de filhos é uma máxima muito difundida. No entanto, trabalhar essa ideia com arte não é uma tarefa fácil e nem desprovida de dor, como nos mostra a vietnamita Thi Bui em uma novela gráfica carregada de memórias e revelações pessoais. Enquanto revê a história de sua família, a escritora vai resgatando também os laços com a sua nacionalidade vietnamita (ainda que viva hoje nos Estados Unidos). No fim das contas, se não fosse a guerra ou a exploração pela qual seu país passou, sua narrativa pessoal seria totalmente diferente. Carregada de tons alaranjados, terrosos (em uma referência tanto à questão da terra natal quanto, talvez, do agente laranja), a obra conta com uma trama primorosa. Sem seguir uma linha cronológica, a escritora vai traçando a memória entre idas e vindas, remoendo dores, desvelando impressões. É uma obra sensível, que nos coloca em contato com um Vietnã mais real e com o nosso próprio

La vida es sueño (Calderón de la Barca)

Uma das minhas melhores leituras neste ano, que já acaba, foi "David Copperfield", de Dickens. E ainda é muito vívida para mim a sensação de que, enquanto o lia, pensava: "Como é bem escrito!". Essa impressão de prazer com a linguagem, de deliciar-me com a escrita repete-se aqui nesta obra barroca, de poucas páginas e avassaladora. Contemporâneo a Shakespeare, o dramaturgo espanhol apresenta alguns elementos da poética que fizeram do bardo inglês tão atemporal: ambientação na corte, figuras nobres representando os grandes dilemas humanos, um texto em versos belamente redigido e máximas sobre a virtude, a coragem, o amor. "La vida es sueño", peça mais reconhecida de Calderón, traz à tona um tema caro aos barrocos: a fugacidade de nossa existência. E, em uma mistura do carpe diem  com a moral cristã, chega à conclusão de que, uma vez que a vida é breve, aproveitemos-la - com justiça, boas ações e inteireza. Cheia de reviravoltas, aforismos, aventura, e

O Sol é para todos (Harper Lee) + filme de 1962

Um livro completo: não consigo pensar em uma definição que se ajuste melhor ao incrível "O Sol é para todos", da estadunidense Harper Lee. Aliás, tão completo que esta foi sua única publicação durante a vida (ao menos, única inquestionável - há uma obra quase póstuma que entrou no mercado por puro interesse editorial, o que já é outra história). A narradora do romance, Scout, é uma garotinha totalmente irreverente e que tem a sorte de haver sido educada em uma casa de pensamento mais aberto; sem vontade nenhuma de tornar-se uma dama, nossa narradora desafia os rígidos códigos de conduta da sociedade do sul dos Estados Unidos dos anos 30. Ela não usa vestidos, briga com meninos no intervalo escolar e chega a salvar a vida do pai de valentões, por meio de um discurso verossímil, inocente e deliciosamente questionador. Se a narrativa gira em torno de Scout, isso não diminui o papel dos demais personagens, excelentemente construídos: Atticus (o pai), ainda que falho, é quase

Author: a True Story (Helen Lester)

Este curto livro infantojuvenil narra às crianças como alguém decide se tornar escritor. A autora parte de suas experiências para narrar, de forma bem-humorada, as agruras de quem vive no universo das palavras. É uma obra simples, despretensiosa, mas que rende uma leitura extremamente prazerosa. O senso de humor da autora é delicioso e nos aproxima, ainda mais, da aventura de ler.

Book: My Autobiography (John Agard)

Uma diagramação excelente e um projeto gráfico lindo vêm a calhar quando o tema da publicação é, justamente, um louvor aos livros.  "Book: My Autobiography" tem como narrador essa ilustre personagem, que nos acompanha em filas, na bolsa, durante o almoço e mesmo no banheiro: ele, o Livro. Para os bibliófilos de plantão, a leitura é deliciosa. Com um ar mais infantojuvenil, não há um aprofundamento exaustivo sobre os temas; trata-se mais de uma obra para satisfazer a curiosidade daqueles que querem saber como foram as primeiras encadernações, bibliotecas, sistemas de escrita... no entanto, recheado de ótimas citações e muito bem planejado, o livro é uma boa pedida para qualquer um que tenha paixão pelo mundo das palavras.

Transposição (Orides Fontela)

Meu primeiro contato com Orides Fontela, poeta que não conhecia, foi arrebatador. O grande diferencial de seus escritos é o versejar sobre conceitos; seus poemas extremamente breves colocam em xeque as ideias de signo, significante, significado, fala...  É filosófica, metalinguística, e é poeta. Não se trata apenas de adequar, em poucas linhas, uma reflexão profunda - a questão é o quanto essa transposição é feita com arte e beleza. Um dos motivos de Orides não ser tão renomada fora dos meios acadêmicos é a complexidade de sua poética; no entanto, uma vez quebrada essa barreira, seu conjunto de poemas causa a mais pura estesia. Descoberta por Davi Arriguci e laureada por Antonio Candido, a poeta preferiu o isolamento às aparições públicas. De personalidade mais reservada, desconstrói o mito da poesia feminina romântica, apaixonada - seus versos duros e conceituais criam uma nova imagem da poesia de autoria feminina. E, justamente por isso, é uma poeta que precisa de reconhecimento,

Vaga música (Cecília Meireles)

Segundo livro de poemas lançado por Cecília Meireles, "Vaga música" é uma obra longa e que passeia por diversas temáticas, sem necessariamente seguir uma linha de topos . Há um vai e vem constante entre os assuntos, as formas, as escolhas da poeta; é muito mais colcha de retalhos do que trama industrial. Dentre as ideias poéticas que ajudam a tecer a linda colcha de sonhos, estão: a solidão, a despedida, as viagens, o professorado, a infância, os elementos da natureza (água, lua, névoa)... e a vaga música do entorno. Alguns poemas icônicos da autora estão inseridos neste livro, tais como "Reinvenção" e "Despedida". Mesmo com essas presenças ilustres, o fato é que a obra não é tão reconhecida quanto sua publicação de estreia, "Viagem". No entanto, é muito interessante observar as experimentações poéticas de Cecília nesta sua coletânea talvez não tão divulgada. Desde temas sociais até a angústia suprema do eu lírico, o leque de abordagens de

Vidas muito boas (J. K. Rowling)

Bons discursos de formatura têm sido lançados nos últimos tempos - ainda que este seja um gênero no qual seja tão difícil escapar dos clichês, dos conselhos e do toque de autoajuda. A solução da autora de Harry Potter para tecer um discurso inovador e emocionante foi relacioná-lo com sua própria vida (afinal, foi por causa de seus feitos que recebeu o convite para ser a oradora das turmas de Harvard). Com um casamento fracassado e vivendo de bolsas governamentais, J. K. fracassou muito antes de alcançar o sucesso - e é relembrando a importância de suas desventuras que encontra uma importante lição para repassar. Retomar as agruras da vida não faz desse discurso algo meloso ou falsamente otimista. Pelo contrário: trata-se de um texto simples, coeso, elegante. E que, ainda que não se reduza a isso, não deixa de oferecer bons conselhos.

Um, dois e já (Inés Bortagaray)

A curta novela da escritora uruguaia Inés Bortagaray retrata um contexto afetivo bastante específico, que cativa mais o leitor que passou por experiências semelhantes: uma viagem de carro, durante a infância, com toda a família. Centrada apenas no deslocamento (uma road trip bastante específica), a obra retrata desde os detalhes mais prosaicos (como a vontade que a protagonista tem de vomitar nesses passeios) até questões mais amplas, que ficam um pouco subentendidas.  Pelo fato de a narradora ser criança, não se explica muito; é o leitor que infere que a viagem, por exemplo, pode ser uma fuga (afinal, estamos falando do Uruguai ditatorial).  Não foi uma obra que me encantou - talvez por pouco ter viajado durante a infância, talvez por algumas inverossimilhanças narrativas. A protagonista menina alterna fluxos de consciência infantis com um vocabulário, por vezes, muito adulto - o que me incomodou e acabou corrompendo um pouco o clima da narrativa.

Sermões de quarta-feira de cinza (Antonio Vieira)

Antonio Vieira foi uma das figuras mais interessantes da nossa história colonial - com discursos polêmicos, chegou a ser encarcerado pela Inquisição; foi queridinho de uma parte da monarquia europeia e odiado pela outra; fez várias viagens por longas distâncias em uma época em que essas travessias eram bastante arriscadas; foi padre, conselheiro, envolveu-se com política e até fez profecias. Talvez a vida tão agitada venha de uma certeza vieiriana que é dita magistralmente nos três discursos da quarta-feira de cinza: nossa existência é breve; do pó viemos e ao pó retornaremos. Com uma capacidade de oratória exemplar, Vieira foi um pregador ousado; em um dos sermões listados nesta pequena obra, inicia lembrando aos seus espectadores que o tempo que passa nos aproxima cada vez mais da morte. Assim, aquele que assiste pela segunda vez ao sermão da quarta-feira de cinza não é alguém necessariamente mais sábio; é apenas alguém 1 ano mais próximo do fim. Quase quatrocentos anos depois,

Historias de cronopios y de famas (Julio Cortázar)

Li pouco Julio Cortázar, mas as curtas narrativas dentro de "Historias de cronopios y de famas" constituem o que talvez seja o meu livro de contos preferido. Imerso no realismo mágico (esse gênero tão nosso, latino-americanos), Cortázar sabe ir além do estranhamento para criar afetividade; principalmente a parte final da obra, com foco nos cronópios, nas famas e nas esperanças, é tão deliciosamente construída que chega a ter um pouco da aura da boa literatura infantil. Sabendo recorrer ao amor que uma boa história desperta, esta não é, contudo, uma obra infantiloide. Cada pequeno conto está imerso em uma trama de sentimentos e reflexões profundos, como a vida, a morte, o papel da literatura, a memória...  Bastante curtos, os contos não se aferram a uma estrutura só; talvez, pela sua pequena extensão, sejam mais abertos a experimentações com a linguagem. Nesta obra encontramos desde instruções para atos banais (como dar corda a um relógio, como subir uma escada

Aqui (Richard McGuire)

Lançado em uma edição de luxo da Cia. das Letras aqui no Brasil, à primeira vista a novela gráfica de Richard McGuire não surpreende. Desde a capa quase minimalista, o traço não é o grande atrativo deste autor - e nem a sua única especialidade.  Roteirista, diretor, baixista e criador de uma loja de brinquedos, esta é a primeira incursão do artista no mundo dos quadrinhos. Ainda assim, não é uma incursão recente - "Aqui" teve sua ideia original lançada nos anos 80 e foi aperfeiçoado em uma publicação que só ocorreu em 2014. Se o desenho não é o carro-chefe deste livro, o mesmo não se pode dizer da criatividade. A ideia, extremamente simples, é retratar como um único ambiente da terra se transforma- desde a lava primordial, passando pelas pequenas vicissitudes dentro de uma casa secular até chegar a um futuro próximo, de esquecimento e reinvenção. É uma obra que trabalha com a transformação e com a nossa tão temida mortalidade - não por acaso, parece dialogar diretamente

Tempos modernos (filme de 1936)

A arte do cinema é banalizada constantemente pelo excesso de tecnologias, recursos gráficos, atores da moda com um discurso vazio e diretores totalmente vendidos ao mercado e às fórmulas para produzir algo que venda. Assim, ter a oportunidade de assistir a um filme de mais de 80 anos em uma sessão de cinema e ver que ele ainda convence (inclusive aos pequenos) me fez perceber com mais clareza a beleza o trabalho de Chaplin. Com movimentos absolutamente articulados, observar o famoso ator do cinema mudo em cena é como assistir a uma dança: há espaço para o improviso sem perder a noção do conjunto. Além disso, ainda que seja uma comédia pastelão, está recheada de críticas sociais fortes e contundentes. Especialmente na primeira parte da obra, é muito visível o desagrado com o contexto econômico dos Estados Unidos (afinal, o crash  da Bolsa era ainda muito recente) e com um sistema de produção no qual o trabalhador é alienado do que faz.  Em suma: um filme para fazer rir e fazer pen

Bingo, o rei das manhãs (filme de 2017)

Não costumo ser grande fã dos estereótipos ao que o cinema brasileiro tão firmemente se agarra: muita nudez, palavrões, drogas e alguns palavrões mais. O filme "Bingo", que não se desvia dos clichês tão tipicamente nossos, não me incomodou tanto no uso desses aspectos - ainda que tenha me incomodado (e bastante) em outro ponto. Vladimir Brichta conduz a produção basicamente sozinho e, com uma atuação que é muito boa, consegue ganhar o espectador. Não há uma grande história por trás do palhaço Bingo, mas com uma boa direção e atuação, o filme convence... ...até quase o final. Ao descobrir que Bingo regenerou-se e começou a se apresentar em igrejas, não pude deixar de ter a sensação de ter assistido a um longa com uma moral muito clara. Ao oferecer uma "lição da história", a obra acaba presa a um discurso muito simplista e mais forçado que todos os seus anteriores clichês.

A montanha entre nós (filme de 2017)

Com este título e um pôster no qual Idris Elba e Kate Winslet estão de lados opostos, cada um com o olhar virado em uma determinada direção, era de se esperar um filme que discutisse o racismo em um relacionamento amoroso entre uma mulher branca e um homem negro. No entanto, não é isto o que acontece no enredo - o que talvez seja bom. As cenas de aventura do longa, se não satisfazem aos espectadores mais ansiosos por ação, são suficientes, no entanto, para prender a atenção de quem o assiste. Bem produzidas, contam com uma verossímil queda de avião monomotor e ambientes congelantes que causam uma forte impressão. Em meio a este contexto, com uma dose de aventura bem narrada, se desenvolve o enredo da produção - basicamente, uma história de amor. A oposição entre os protagonistas (que, logicamente, acabam se apaixonando) é marcada por uma personagem feminina representando a emoção e o masculino, a razão. Bastante estereotipada, essa caracterização ao menos consegue garantir alguns d