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Mostrando postagens de janeiro, 2018

Contos de amor do século XIX escolhidos por Alberto Manguel

Um dos aspectos mais interessantes na leitura de uma antologia ampla e variada de contos é o primeiro contato com diversos autores que ainda não tinham sido contemplados em listas habituais de livros por ler. Quando o organizador tem o calibre de Alberto Manguel (bibliotecário e grande conhecedor de livros), a tarefa se torna ainda mais prazerosa. Por meio desses contos de amor, tive ótimas primeiras impressões especialmente de Henry James, Nathaniel Hawthorne (de quem só havia lido uma impressionante adaptação de "A mão do macaco"), Pirandello e um atualíssimo Marquês de Sade. De toda a antologia, os contos desses quatro autores foram os que mais me surpreenderam - tanto pela minha estreia no universo literário de cada um quanto pela construção do conto em si. Digna do tema a que se propôs, a antologia conta com histórias bastante melosas, "romanções" típicos do XIX - é preciso estômago para tanto mel, mas, na maioria da vezes, vale a pena o esforço. Apenas dois

Expurgo - Sofi Oksanen

"Expurgo" é um livro que dificilmente entraria na minha lista habitual de leituras - e, se passou a fazer parte dela, foi em função do meu projeto "Escritoras do Mundo". Para dar voz a uma escritora finlandesa, apostei na obra (incentivada também por estimulantes  blurbs  e um projeto gráfico com capa intrigante).  Inicialmente, meu contato com a narrativa foi desestimulante. O início de "Expurgo" é lento, com citações pouco compreensíveis e muitas descrições, por vezes de viés escatológico. Se insisti na obra, foi em função do meu projeto - que, mais uma vez, mostrou ser uma ótima fonte para a descoberta de vozes literárias desconhecidas. A aparência de estranhamento da narrativa de Oksanen vai sendo mais compreensível ao longo da obra. É preciso um pouco de paciência para enfrentar as descrições iniciais, que vão levando, aos poucos, o leitor à frente de um quebra-cabeça magistral. A simulada desconexão entre partes da obra e o estilo de narrar são peç

O fabuloso destino de Amélie Poulain (filme de 2001)

Assisti a Amélie Poulain pela primeira vez quando tinha quase a idade da protagonista - e, ainda que houvesse amado a obra, o passar dos anos me fez desconfiar do quanto ela sobreviveria ao tempo. De todos os múltiplos elementos que compõem o longa, do que mais me lembrava era do aspecto de comédia romântica. Assim, passou a me incomodar a possibilidade de que, reassistida, a produção não sobrevivesse ao meu juízo crítico atual - mais exigente, chato, menos propenso à imaginação. Para a minha sorte, contudo, Amélie Poulain não só resistiu, mas cresceu como filme. Ao revê-lo cerca de dez anos depois, pude perceber muito mais de sua estética e do quanto ela foi inovadora e criou tendência no cinema do século XXI. Para além da forma, a narrativa também é ousada quanto a seu conteúdo; ainda que recorra a traços da comédia romântica, conta com uma protagonista forte e decidida - mesmo que extremamente tímida. O narrador é uma figura bastante interessante no desvelo da trama. Com efe

O livro de Henry (filme de 2017)

Mistura de drama e suspense, "O livro de Henry"consegue prender a atenção do espectador apelando a emoções diversas. Por um lado, a alternância de gênero é interessante e foge um pouco da previsibilidade; contudo, trabalhada de forma pouco orgânica, ela não consegue tornar a história primorosa. Sendo quase dual, a impressão que fica ao término da exibição é a decisão sobre qual parte gostamos mais - o thriller ou o drama. Articuladas de forma quase independente, essas partes diversas da história conversam pouco entre si, o que deixa ao menos uma delas um tanto inverossímil, pouco convincente. Prende a atenção, serve para passar o tempo, não é previsível... mas, ainda assim, não é um bom filme. Falta coesão.

As fantasias eletivas (Carlos Henrique Schroeder)

Autor desconhecido para mim, Carlos Henrique Schroeder me conquistou nas viradas de página em uma livraria. Recheado de  momentos poéticos, "As afinidades eletivas" é um livro que, aos poucos, vai ganhando o seu leitor. Nem tudo se sustenta ou convence durante a narrativa das pouco mais de 100 páginas da obra. No entanto, os aspectos positivos pesam mais na emissão de um juízo definitivo. Dentre eles, estão: o conhecimento de mundo do escritor (que teve a mesma profissão de seu protagonista e conhece as verdades ocultas por trás do cargo de recepcionista de hotel; a mistura de gêneros diversos (ABC de cordel, poesia, prosa poética, diário), o que confere agilidade ao ritmo; boas passagens descritivas; personagens de um submundo poucas vezes trazido à tona no campo da literatura. Se não está entre os mais bem acabados romances do mercado editorial de literatura brasileira contemporânea, também está longe de ser um livro falho ou de principiante. E, além de tudo, é uma obra

Roda-gigante (filme de 2017)

A conversa entre a linguagem teatral e a cinematográfica por vezes traz resultados surpreendentes. É o que vemos, por exemplo, em "Dogville", produção do dinamarquês Lars Von Trier que abre mão de cenários e paisagens para colocar seus atores em um palco nu, riscado a giz, sobre o qual toda a interpretação e capacidade de estimular a imaginação do espectador ficam a cargo dos atores. Não há subterfúgios, cortes ou mudanças de cena capazes de manter a verossimilhança caso a atuação não se sustente. De igual forma, no recente "Roda-gigante", de Woody Allen, tudo depende da escolha de casting . Não lidamos, nesta obra, com a ausência de elementos; como todo clássico filme do diretor, temos boas tomadas, cenários interessantes, uma fotografia lindíssima e a condução exímia do narrador da história. Ainda assim, por dialogar muito com o gênero teatral - inclusive com a citação de obras e autores diversos -, cria-se uma espécie de interseção entre os discursos do teatro

Você vai conhecer o homem dos seus sonhos (filme de 2010)

Um narrador interessante, que conduz e domina a história, casais desencontrados, cenas cotidianas com um toque de ironia - neste filme de Woody Allen, vemos uma soma da principais características do diretor, que não nos leva necessariamente a um ótimo resultado. No entanto, a obra não chega a ser um desperdício do tempo do espectador. Boas atuações, a escolha de um casting  excelente e um roteiro que se sustenta levam a um resultado interessante. Se não agrega muito, também não empobrece àquele que investe o seu tempo nela. Muito longe de ser o filme dos sonhos, é apenas uma opção razoável para passar o tempo.

Viva: a vida é uma festa (animação de 2017)

Quantos desenhos, animações, livros infantis que você conhece que trabalham com o tema da morte? Ao invés de habituarmos os pequenos a saberem lidar com a dor, com a perda - e, consequentemente, a saber dar valor a cada momento -, reduzimos seu universo cultural a uma redoma artificial, vazia, na qual nenhum tema tabu pode ser discutido. Ainda que tenha muitos pontos pelos quais possa ser louvado, de fato o grande mérito de "Viva: a vida é uma festa" é a escolha de seu mote. Ao optar por trabalhar com o Mundo dos Mortos e lidar com a mitologia mexicana, o filme não se exime de discutir assuntos dolorosos com o público infantil, mas sem perder a leveza. Os efeitos especiais, aplicados em cenas bem construídas (e nem sempre com muita ação), ajudam a tornar a obra mais contemplativa. Recheado de possibilidades, o longa leva o seu espectador a rir, chorar, apreciar. É puro deleite.

Lembranças (Lu Cafaggi e Vitor Cafaggi)

A trilogia lançada pelos irmãos Lu e Vitor Cafaggi dentro do selo Graphbic MSP foi uma das grandes homenagens realizadas não só aos personagens de Mauricio de Sousa, mas ao próprio conceito de infância vinculado a eles. A beleza dos títulos, sonoros e imagéticos, já desvela um pouco do cuidado com que foi concebida a coleção. Os laços, as lições e as lembranças são três nomes em uma sequência bastante imagética e nostálgica, nas quais os nossos tempos de criança são resgatados e tornam-se pauta para reflexão. Se o segundo volume (Lições) havia terminado com um fim em aberto, "Lembranças" vem não só tapando os possíveis buracos da história, mas ressignificando muitas das cenas e personagens. É, em suma, uma sequência de livrinhos singelos, que não têm a pretensão de narrar grandes histórias, mas que conseguem ser surpreendentemente belos.

Cora Coralina, todas as vidas (filme de 2017)

Não sou uma leitora habitual de Cora Coralina - e muito desse meu desconhecimento talvez possa ser atribuído ao modo como a figura da poeta foi construída entre nós. Com o meu olhar reduzido ao discurso do livro didático, tinha a concepção de que a sua poética era a de uma humilde dona de casa, vendedora de doces caseiros - versos feitos com açúcar e com afeto. O documentário "Cora Coralina - Todas as vidas" traz um contradiscurso que me pareceu fundamental para entender a escritora (ou, ao menos, para nos aproximar dela). Sempre à frente de seu tempo, questionando regras e desafiando padrões, Cora foge muito do estereótipo a que foi enclausurada. Se só deu-se a conhecer na velhice como autora, muito se deveu a uma vida agitada, sofrida, na qual sempre houve muito trabalho e pouco descanso. No entanto, a poeta foi uma assídua contribuinte em jornais diversos - sem corresponder, portanto, à imagem de escritora iniciante, que nunca havia publicado nada em vida até "ser d