Michael Ende é o autor alemão de "Uma história sem fim", um enredo mágico que foi adaptado para os cinemas e ganhou uma grande legião de fãs nos anos 80 e 90. Vasculhando sua bibliografia, descobrimos que o sucesso da narrativa de Atreyu não é isolado: seu criador é um grande contador de histórias, daquelas que realmente não merecem ter fim.
A garota Momo, protagonista desta trama, é um ícone da inocência que não deve ser perdida na infância - ela sabe viver seu tempo, sem se submeter às regras dos adultos (sempre tão atarefados). Seus conhecimentos não vêm da escola, mas dos ensinamentos da comunidade e da natureza; seu grande atrativo é ter o dom de escutar em um mundo em que ninguém quer se ouvir. E é com essas qualidades, tão naturais e simples, que a menina enfrenta as tramoias elaboradas pelos ladrões do tempo.
Apesar do cenário fantástico e da linguagem acessível, o melhor interlocutor para esta narrativa é o adulto - principalmente aquele que já tem filhos. As críticas feitas ao modo como as crianças são educadas hoje constituem um material certeiro, instigador de reflexões profundas.
Com este livro, Michael Ende entrou definitivamente na minha lista de queridos autores infantojuvenis (e de autores para público adulto também - por que não?).
Trechos:
O que Momo sabia fazer melhor que ninguém era ouvir. Muitos leitores devem estar achando que isso não é nada de mais, que qualquer um sabe ouvir.
Mas é engano. Muito pouca gente sabe ouvir de verdade. E o jeito de Momo ouvir e entender era muito especial.
[...] Momo ouvia de um jeito que fazia os desesperados ou hesitantes de repente saberem o que queriam; ou os tímidos sentirem-se à vontade e confiantes; os infelizes e oprimidos sentirem-se felizes e cheios de esperança. Quando alguém achava que sua vida não tinha sentido, acreditando-se um fracassado, apenas um ser entre milhões, sem qualquer importância e tão fácil de ser substituído como um prato quebrado, ia procurar a menina. Então, à medida que contava suas desventuras, a pessoa ia percebendo que, fosse ela o que fosse, era uma pessoa única no mundo inteiro, e por isso mesmo era importante para todo mundo, por ser de seu próprio jeito.
Era assim que Momo ouvia.
***
Beppo, o varredor:
[...] Às vezes temos à nossa frente uma rua muito comprida. Achamos que ela é terrivelmente comprida e que nunca seremos capazes de chegar até o fim.
[...]
Então começamos a nos apressar. E nos apressamos cada vez mais. Cada vez que levantamos os olhos temos a impressão de que o trabalho que temos pela frente não diminuiu em nada. Nosso esforço aumenta, começamos a sentir medo, acabamos ficando sem fôlego e completamente esgotados. E a rua continua inteirinha na nossa frente, tão comprida quanto antes. Não é assim que se deve fazer.
[...]
Nunca devemos pensar na rua inteira de uma vez, está entendendo? Devemos pensar apenas no passo seguinte, na respiração seguinte, na varrida seguinte, e continuar sempre pensando só naquilo que vem a seguir.
[...] Fazendo assim, temos prazer. Isso é importante, e o trabalho sai bem-feito. Assim é que deve ser.
[...] De repente, verificamos que, passo a passo, chegamos ao fim da rua comprida, sem perceber e sem perder o fôlego.
***
Existe um mistério muito grande que, no entanto, faz parte do dia a dia. Todos os seres humanos participam dele, embora muitos poucos reflitam sobre ele. A maioria simplesmente o aceita, sem mais indagações. Esse mistério é o tempo.
Existem calendários e relógios que o medem, mas significam pouco, ou mesmo nada, porque todos nós sabemos que uma hora às vezes parece uma eternidade e, outras vezes, passa como um relâmpago, dependendo do que acontece nessa hora.
Tempo é vida. E a vida mora no coração.
***
De fato, os poupadores de tempo vestiam-se melhor do que as pessoas que moravam por perto do velho anfiteatro. Ganhavam mais dinheiro e, assim, podiam gastar mais. Mas tinham a fisionomia mal-humorada, cansada ou amargurada e o olhar hostil. Naturalmente, não conheciam a expressão: "Ora, vá falar com Momo!" Não tinham ninguém que os ouvisse de modo a torná-los lúcidos, conciliadores ou até felizes. Mas, ainda que tivessem acesso a uma pessoa assim, era pouco provável que a procurassem, a não ser que o assunto pudesse ser resolvido em menos de cinco minutos - senão achariam que era perda de tempo. Do ponto de vista dos poupadores, mesmo suas horas de folga precisavam ser aproveitadas ao máximo, fornecendo-lhes o mais depressa possível o máximo de diversão e prazer.
Assim, já não podiam comemorar direito os feriados, nem os alegres nem os sérios. Sonhar era quase um crime. Mas o que menos toleravam era o silêncio. Quando estava tudo quieto, ficavam apavorados, pois percebiam, na verdade, o que estava acontecendo com suas vidas. Por isso, sempre que sentiam a ameaça do silêncio, faziam barulho. Não era um barulho alegre, como se ouve num recreio de crianças; era um barulho irritado, agressivo, que se tornava cada dia mais alto na grande cidade.
Já não tinha importância alguém gostar de seu trabalho ou fazê-lo com prazer. Pelo contrário, isso acarretava perda de tempo. A única coisa importante era que cada um trabalhasse o mais possível no menor tempo possível.
Por isso, foram colocados letreiros nas fábricas e nos escritórios, dizendo:
O TEMPO É PRECIOSO - NÃO O PERCA!
ou O TEMPO É DINHEIRO - ECONOMIZE!
Avisos semelhantes foram afixados nas paredes atrás das mesas dos chefes, das cadeiras dos diretores, nos consultórios médicos, nas lojas, nos restaurantes, até nas escolas e jardins de infância. Ninguém escapou.
Por fim, a aparência da própria grande cidade foi mudando cada vez mais. Os bairros antigos foram demolidos e construíram-se novas casas, deixando-se de lado tudo o que fosse considerado supérfluo. Já não havia a preocupação de que as casas fossem adequadas às pessoas que morassem nelas, pois isso tornaria necessário construir muitas casas diferentes umas das outras. Era muito mais barato e, sobretudo, mais rápido construir todas as casas iguais.
No lado norte da grande cidade já se espalhavam imensos bairros residenciais novos. Prédios de apartamentos para alugar dispunham-se em fileiras intermináveis, tão iguais quanto um ovo é igual ao outro. E, como todas as casas se pareciam, também as ruas acabavam se parecendo. Essas ruas todas iguais cresciam cada vez mais, estendendo-se em linhas retas até o horizonte: um deserto ordenado! A vida das pessoas que moravam lá transcorria exatamente da mesma maneira, em linha reta até o horizonte. Tudo era calculado e planejado, cada centímetro e cada instante.
Ninguém parecia notar que, ao poupar tempo, na verdade estava se poupando de outra coisa. Ninguém queria admitir que sua vida estava se tornando cada vez mais pobre, mais monótona, mais fria. Quem mais sentia isso eram as crianças, pois ninguém mais tinha tempo para elas.
Mas tempo é vida. E a vida reside no coração.
E quanto mais as pessoas poupavam tempo menos tempo elas tinham.
***
Eram brinquedos muito caros, naturalmente. [...] Acima de tudo, aqueles brinquedos eram perfeitos nos mínimos detalhes, de modo que não sobrava nada para se imaginar. Muitas vezes as crianças ficavam horas olhando para uma coisa daquelas, que rodopiava, balançava ou andava em círculos. Elas ficavam fascinadas, mas ao mesmo tempo entediadas, pois não sabiam o que fazer com aquilo. Acabavam voltando às brincadeiras antigas, para as quais bastavam algumas caixas vazias, uma velha toalha de mesa, um montinho feito por alguma toupeira ou um punhado de pedrinhas. Era o suficiente para imaginar o que quer que fosse.
***
Criança:
[...] Meus pais gostam muito de mim. Eles não têm culpa de não terem tempo. As coisas são assim. Em compensação me deram este rádio, que custa muito caro. Isso é uma prova, não é?
***
O mundo todo é apenas uma grande história, e todos nós participamos dela.
***
Moram numa casa três parentes,
ou melhor, três irmãos diferentes.
Mas cada um se parece com os outros dois.
O primeiro não está, só vai chegar depois.
O segundo não está, já foi embora.
Só o terceiro está em casa agora.
Sem ele não haveria os outros no mundo.
E ele existe porque o primeiro vira o segundo.
Se você olhar bem não vai ver o terceiro,
só vai enxergar o segundo ou o primeiro.
Então me diga: serão os três apenas um?
Ou serão dois, ou até nenhum?
Esses senhores são os três governantes
de um mesmo reino, dos mais importantes,
e que é eles mesmos além do mais.
Dentro desse reino eles são iguais.
***
Todo o tempo que não é percebido pelo coração é tão desperdiçado quanto seriam as cores do arco-íris para um cego ou o canto de um pássaro para um surdo. Infelizmente, porém, existem alguns corações cegos e surdos, que nada percebem, apesar de baterem.
- E quando meu coração parar de bater? - perguntou Momo.
- Então - respondeu Mestre Hora -, o tempo terminará para você, minha menina. Podemos dizer também que é você quem volta através do tempo, através de todos os seus dias e noites, meses e anos. Você caminha de volta através da sua vida, até chegar ao grande portão redondo de prata, pelo qual certo dia você entrou. Então você volta a sair.
- E o que há do outro lado?
- Você estará no lugar de onde vem a música que já ouviu algumas vezes, bem baixinho. Mas então você fará parte dela, será um som dela.
***
Se as pessoas soubessem o que é a morte, não teriam medo dela. E se não tivessem medo da morte, ninguém mais poderia roubar o seu tempo de vida.
***
Instalaram-se os então chamados "depósitos de crianças" em todos os bairros. Eram grandes casas, onde os pais deixavam as crianças, quando não tinham condições de cuidar delas, e iam buscá-las quando fosse possível. As crianças foram terminantemente proibidas de brincar nas ruas, nos parques ou em qualquer outra parte. Quando alguma criança era vista brincando em lugar público, era levada imediatamente ao depósito mais próximo e os pais pagavam uma multa.
[...] Naturalmente, não lhes era permitido inventar brincadeiras a seu gosto. Um supervisor determinava seus brinquedos, com os quais as crianças deveriam sempre aprender algo de útil. Ao mesmo tempo, com certeza, desaprendiam a capacidade de serem felizes, de se empolgarem e de sonhar.
***
Vou lhe dizer uma coisa, Momo: a coisa mais perigosa na vida são os sonhos realizados. Pelo menos quando acontece como aconteceu comigo. Não tenho mais com o que sonhar.
***
Há muitas formas de solidão. A de Momo era um tipo de solidão que poucas pessoas conhecem, menos ainda com tanta intensidade. Sentia-se como aprisionada numa gruta cheia de tesouros de inestimável valor, que cresciam continuamente, ameaçando sufocá-la. E não havia saída. Ninguém conseguia chegar até ela e, por outro lado, ela não conseguia se fazer notar por ninguém, profundamente enterrada sob uma montanha de tempo.
[...]
Momo descobrira que há tesouros que nos arruínam quando não podemos compartilhá-los com os outros.
[...]
Apenas alguns meses se passaram assim, mas era o tempo mais longo que Momo já vivera. Pois o tempo verdadeiro não é o que se mede por relógios ou calendários.
A garota Momo, protagonista desta trama, é um ícone da inocência que não deve ser perdida na infância - ela sabe viver seu tempo, sem se submeter às regras dos adultos (sempre tão atarefados). Seus conhecimentos não vêm da escola, mas dos ensinamentos da comunidade e da natureza; seu grande atrativo é ter o dom de escutar em um mundo em que ninguém quer se ouvir. E é com essas qualidades, tão naturais e simples, que a menina enfrenta as tramoias elaboradas pelos ladrões do tempo.
Apesar do cenário fantástico e da linguagem acessível, o melhor interlocutor para esta narrativa é o adulto - principalmente aquele que já tem filhos. As críticas feitas ao modo como as crianças são educadas hoje constituem um material certeiro, instigador de reflexões profundas.
Com este livro, Michael Ende entrou definitivamente na minha lista de queridos autores infantojuvenis (e de autores para público adulto também - por que não?).
Trechos:
O que Momo sabia fazer melhor que ninguém era ouvir. Muitos leitores devem estar achando que isso não é nada de mais, que qualquer um sabe ouvir.
Mas é engano. Muito pouca gente sabe ouvir de verdade. E o jeito de Momo ouvir e entender era muito especial.
[...] Momo ouvia de um jeito que fazia os desesperados ou hesitantes de repente saberem o que queriam; ou os tímidos sentirem-se à vontade e confiantes; os infelizes e oprimidos sentirem-se felizes e cheios de esperança. Quando alguém achava que sua vida não tinha sentido, acreditando-se um fracassado, apenas um ser entre milhões, sem qualquer importância e tão fácil de ser substituído como um prato quebrado, ia procurar a menina. Então, à medida que contava suas desventuras, a pessoa ia percebendo que, fosse ela o que fosse, era uma pessoa única no mundo inteiro, e por isso mesmo era importante para todo mundo, por ser de seu próprio jeito.
Era assim que Momo ouvia.
***
Beppo, o varredor:
[...] Às vezes temos à nossa frente uma rua muito comprida. Achamos que ela é terrivelmente comprida e que nunca seremos capazes de chegar até o fim.
[...]
Então começamos a nos apressar. E nos apressamos cada vez mais. Cada vez que levantamos os olhos temos a impressão de que o trabalho que temos pela frente não diminuiu em nada. Nosso esforço aumenta, começamos a sentir medo, acabamos ficando sem fôlego e completamente esgotados. E a rua continua inteirinha na nossa frente, tão comprida quanto antes. Não é assim que se deve fazer.
[...]
Nunca devemos pensar na rua inteira de uma vez, está entendendo? Devemos pensar apenas no passo seguinte, na respiração seguinte, na varrida seguinte, e continuar sempre pensando só naquilo que vem a seguir.
[...] Fazendo assim, temos prazer. Isso é importante, e o trabalho sai bem-feito. Assim é que deve ser.
[...] De repente, verificamos que, passo a passo, chegamos ao fim da rua comprida, sem perceber e sem perder o fôlego.
***
Existe um mistério muito grande que, no entanto, faz parte do dia a dia. Todos os seres humanos participam dele, embora muitos poucos reflitam sobre ele. A maioria simplesmente o aceita, sem mais indagações. Esse mistério é o tempo.
Existem calendários e relógios que o medem, mas significam pouco, ou mesmo nada, porque todos nós sabemos que uma hora às vezes parece uma eternidade e, outras vezes, passa como um relâmpago, dependendo do que acontece nessa hora.
Tempo é vida. E a vida mora no coração.
***
De fato, os poupadores de tempo vestiam-se melhor do que as pessoas que moravam por perto do velho anfiteatro. Ganhavam mais dinheiro e, assim, podiam gastar mais. Mas tinham a fisionomia mal-humorada, cansada ou amargurada e o olhar hostil. Naturalmente, não conheciam a expressão: "Ora, vá falar com Momo!" Não tinham ninguém que os ouvisse de modo a torná-los lúcidos, conciliadores ou até felizes. Mas, ainda que tivessem acesso a uma pessoa assim, era pouco provável que a procurassem, a não ser que o assunto pudesse ser resolvido em menos de cinco minutos - senão achariam que era perda de tempo. Do ponto de vista dos poupadores, mesmo suas horas de folga precisavam ser aproveitadas ao máximo, fornecendo-lhes o mais depressa possível o máximo de diversão e prazer.
Assim, já não podiam comemorar direito os feriados, nem os alegres nem os sérios. Sonhar era quase um crime. Mas o que menos toleravam era o silêncio. Quando estava tudo quieto, ficavam apavorados, pois percebiam, na verdade, o que estava acontecendo com suas vidas. Por isso, sempre que sentiam a ameaça do silêncio, faziam barulho. Não era um barulho alegre, como se ouve num recreio de crianças; era um barulho irritado, agressivo, que se tornava cada dia mais alto na grande cidade.
Já não tinha importância alguém gostar de seu trabalho ou fazê-lo com prazer. Pelo contrário, isso acarretava perda de tempo. A única coisa importante era que cada um trabalhasse o mais possível no menor tempo possível.
Por isso, foram colocados letreiros nas fábricas e nos escritórios, dizendo:
O TEMPO É PRECIOSO - NÃO O PERCA!
ou O TEMPO É DINHEIRO - ECONOMIZE!
Avisos semelhantes foram afixados nas paredes atrás das mesas dos chefes, das cadeiras dos diretores, nos consultórios médicos, nas lojas, nos restaurantes, até nas escolas e jardins de infância. Ninguém escapou.
Por fim, a aparência da própria grande cidade foi mudando cada vez mais. Os bairros antigos foram demolidos e construíram-se novas casas, deixando-se de lado tudo o que fosse considerado supérfluo. Já não havia a preocupação de que as casas fossem adequadas às pessoas que morassem nelas, pois isso tornaria necessário construir muitas casas diferentes umas das outras. Era muito mais barato e, sobretudo, mais rápido construir todas as casas iguais.
No lado norte da grande cidade já se espalhavam imensos bairros residenciais novos. Prédios de apartamentos para alugar dispunham-se em fileiras intermináveis, tão iguais quanto um ovo é igual ao outro. E, como todas as casas se pareciam, também as ruas acabavam se parecendo. Essas ruas todas iguais cresciam cada vez mais, estendendo-se em linhas retas até o horizonte: um deserto ordenado! A vida das pessoas que moravam lá transcorria exatamente da mesma maneira, em linha reta até o horizonte. Tudo era calculado e planejado, cada centímetro e cada instante.
Ninguém parecia notar que, ao poupar tempo, na verdade estava se poupando de outra coisa. Ninguém queria admitir que sua vida estava se tornando cada vez mais pobre, mais monótona, mais fria. Quem mais sentia isso eram as crianças, pois ninguém mais tinha tempo para elas.
Mas tempo é vida. E a vida reside no coração.
E quanto mais as pessoas poupavam tempo menos tempo elas tinham.
***
Eram brinquedos muito caros, naturalmente. [...] Acima de tudo, aqueles brinquedos eram perfeitos nos mínimos detalhes, de modo que não sobrava nada para se imaginar. Muitas vezes as crianças ficavam horas olhando para uma coisa daquelas, que rodopiava, balançava ou andava em círculos. Elas ficavam fascinadas, mas ao mesmo tempo entediadas, pois não sabiam o que fazer com aquilo. Acabavam voltando às brincadeiras antigas, para as quais bastavam algumas caixas vazias, uma velha toalha de mesa, um montinho feito por alguma toupeira ou um punhado de pedrinhas. Era o suficiente para imaginar o que quer que fosse.
***
Criança:
[...] Meus pais gostam muito de mim. Eles não têm culpa de não terem tempo. As coisas são assim. Em compensação me deram este rádio, que custa muito caro. Isso é uma prova, não é?
***
O mundo todo é apenas uma grande história, e todos nós participamos dela.
***
Moram numa casa três parentes,
ou melhor, três irmãos diferentes.
Mas cada um se parece com os outros dois.
O primeiro não está, só vai chegar depois.
O segundo não está, já foi embora.
Só o terceiro está em casa agora.
Sem ele não haveria os outros no mundo.
E ele existe porque o primeiro vira o segundo.
Se você olhar bem não vai ver o terceiro,
só vai enxergar o segundo ou o primeiro.
Então me diga: serão os três apenas um?
Ou serão dois, ou até nenhum?
Esses senhores são os três governantes
de um mesmo reino, dos mais importantes,
e que é eles mesmos além do mais.
Dentro desse reino eles são iguais.
***
Todo o tempo que não é percebido pelo coração é tão desperdiçado quanto seriam as cores do arco-íris para um cego ou o canto de um pássaro para um surdo. Infelizmente, porém, existem alguns corações cegos e surdos, que nada percebem, apesar de baterem.
- E quando meu coração parar de bater? - perguntou Momo.
- Então - respondeu Mestre Hora -, o tempo terminará para você, minha menina. Podemos dizer também que é você quem volta através do tempo, através de todos os seus dias e noites, meses e anos. Você caminha de volta através da sua vida, até chegar ao grande portão redondo de prata, pelo qual certo dia você entrou. Então você volta a sair.
- E o que há do outro lado?
- Você estará no lugar de onde vem a música que já ouviu algumas vezes, bem baixinho. Mas então você fará parte dela, será um som dela.
***
Se as pessoas soubessem o que é a morte, não teriam medo dela. E se não tivessem medo da morte, ninguém mais poderia roubar o seu tempo de vida.
***
Instalaram-se os então chamados "depósitos de crianças" em todos os bairros. Eram grandes casas, onde os pais deixavam as crianças, quando não tinham condições de cuidar delas, e iam buscá-las quando fosse possível. As crianças foram terminantemente proibidas de brincar nas ruas, nos parques ou em qualquer outra parte. Quando alguma criança era vista brincando em lugar público, era levada imediatamente ao depósito mais próximo e os pais pagavam uma multa.
[...] Naturalmente, não lhes era permitido inventar brincadeiras a seu gosto. Um supervisor determinava seus brinquedos, com os quais as crianças deveriam sempre aprender algo de útil. Ao mesmo tempo, com certeza, desaprendiam a capacidade de serem felizes, de se empolgarem e de sonhar.
***
Vou lhe dizer uma coisa, Momo: a coisa mais perigosa na vida são os sonhos realizados. Pelo menos quando acontece como aconteceu comigo. Não tenho mais com o que sonhar.
***
Há muitas formas de solidão. A de Momo era um tipo de solidão que poucas pessoas conhecem, menos ainda com tanta intensidade. Sentia-se como aprisionada numa gruta cheia de tesouros de inestimável valor, que cresciam continuamente, ameaçando sufocá-la. E não havia saída. Ninguém conseguia chegar até ela e, por outro lado, ela não conseguia se fazer notar por ninguém, profundamente enterrada sob uma montanha de tempo.
[...]
Momo descobrira que há tesouros que nos arruínam quando não podemos compartilhá-los com os outros.
[...]
Apenas alguns meses se passaram assim, mas era o tempo mais longo que Momo já vivera. Pois o tempo verdadeiro não é o que se mede por relógios ou calendários.
Comentários
Postar um comentário