Este é um romance do Zimbábue - uma região absolutamente desconhecida para o Ocidente, com sua cultura, literatura e necessidades. A escritora NoViolet Bulawayo preenche esse vazio ao publicar uma obra poderosa, traduzida para diversas línguas, inclusive o português.
"Precisamos de novos nomes" retrata aquela infância africana típica de comerciais de entidades filantrópicas - crianças com poucos bens materiais, muitas vezes com fome, criadas por famílias sem estrutura e desesperançadas. No entanto, conforme a protagonista do romance vai crescendo, sua visão rompe o clichê. É a vez de o Ocidente escutar o que uma menina do Zimbábue pensa sobre as supostas boas ações de ONGs e demais órgãos caritativos. O modo como a nossa pretensão de bondade atua - sempre distante, nunca se envolvendo de fato com os desfavorecidos - é uma farsa. O olhar sobre a imigração, o ser estrangeira em uma terra hostil, é outro dos pontos que dão vigor ao romance.
Inicialmente, é um livro que não conquista, talvez pela narração que não se ajusta ao foco infantil da narradora. Contudo, ela e o romance crescem simultaneamente, resultando em uma obra forte e surpreendente.
Trechos:
Todo mundo observa e a gente não sabe o que fazer, porque quando os mais velhos choram, não é como se a gente pudesse perguntar o que há de errado [...] não existem palavras para as lágrimas dos adultos.
Eu costumava ter muito medo de cemitérios e da morte e desse tipo de coisa, mas não tenho mais. Simplesmente não faz sentido ter medo quando você vive tão perto dos túmulos; seria como a língua ter medo dos dentes.
Mas por outro lado não teríamos comida suficiente, e é por isso que vou tolerar ficar na América aguentando a neve; tem comida para comer aqui, todos os tipos e mais tipos de comida. Mas tem horas em que não importa quanta comida eu coma, vejo que a comida não faz nada por mim, como se estivesse com fome pelo meu país e nada fosse resolver isso.
Na América vimos mais comida do que tínhamos visto em toda a nossa vida e ficamos tão felizes que vasculhamos as latas de lixo da nossa alma para recuperar os pedaços sujos e quebrados de Deus. Nós o havíamos atirado ali dentro quando ainda estávamos no nosso país, o arremessado ali em momentos de desespero [...] Mas quando chegamos à América e vimos toda aquela comida, prendemos a respiração e pensamos, Espere, deve haver um Deus. Tão felizes e gratos, encontramos suas peças descartadas e colamos com Super Bonder comprado na loja dos produtos até um dólar por apenas noventa e nove centavos e dissemos: Confiamos em Deus também, agora [....].
Como a América nos surpreendeu, de início! Se você não estava feliz com o seu corpo, você podia ir a um médico e dizer, por exemplo, Doutor, nasci no corpo errado, por favor me conserte; Doutor, não gosto deste nariz, destes seios, destes lábios. Observamos as pessoas enviando seus pais idosos para longe, para serem cuidados por estranhos. Observamos os pais não sendo autorizados a bater em seus próprios filhos. Observamos coisas estranhas como essas, coisas que nunca tínhamos visto em nossa vida, e dissemos: Que tipo de país é este, que tipo de país?
"Precisamos de novos nomes" retrata aquela infância africana típica de comerciais de entidades filantrópicas - crianças com poucos bens materiais, muitas vezes com fome, criadas por famílias sem estrutura e desesperançadas. No entanto, conforme a protagonista do romance vai crescendo, sua visão rompe o clichê. É a vez de o Ocidente escutar o que uma menina do Zimbábue pensa sobre as supostas boas ações de ONGs e demais órgãos caritativos. O modo como a nossa pretensão de bondade atua - sempre distante, nunca se envolvendo de fato com os desfavorecidos - é uma farsa. O olhar sobre a imigração, o ser estrangeira em uma terra hostil, é outro dos pontos que dão vigor ao romance.
Inicialmente, é um livro que não conquista, talvez pela narração que não se ajusta ao foco infantil da narradora. Contudo, ela e o romance crescem simultaneamente, resultando em uma obra forte e surpreendente.
Trechos:
Todo mundo observa e a gente não sabe o que fazer, porque quando os mais velhos choram, não é como se a gente pudesse perguntar o que há de errado [...] não existem palavras para as lágrimas dos adultos.
Eu costumava ter muito medo de cemitérios e da morte e desse tipo de coisa, mas não tenho mais. Simplesmente não faz sentido ter medo quando você vive tão perto dos túmulos; seria como a língua ter medo dos dentes.
Mas por outro lado não teríamos comida suficiente, e é por isso que vou tolerar ficar na América aguentando a neve; tem comida para comer aqui, todos os tipos e mais tipos de comida. Mas tem horas em que não importa quanta comida eu coma, vejo que a comida não faz nada por mim, como se estivesse com fome pelo meu país e nada fosse resolver isso.
Na América vimos mais comida do que tínhamos visto em toda a nossa vida e ficamos tão felizes que vasculhamos as latas de lixo da nossa alma para recuperar os pedaços sujos e quebrados de Deus. Nós o havíamos atirado ali dentro quando ainda estávamos no nosso país, o arremessado ali em momentos de desespero [...] Mas quando chegamos à América e vimos toda aquela comida, prendemos a respiração e pensamos, Espere, deve haver um Deus. Tão felizes e gratos, encontramos suas peças descartadas e colamos com Super Bonder comprado na loja dos produtos até um dólar por apenas noventa e nove centavos e dissemos: Confiamos em Deus também, agora [....].
Como a América nos surpreendeu, de início! Se você não estava feliz com o seu corpo, você podia ir a um médico e dizer, por exemplo, Doutor, nasci no corpo errado, por favor me conserte; Doutor, não gosto deste nariz, destes seios, destes lábios. Observamos as pessoas enviando seus pais idosos para longe, para serem cuidados por estranhos. Observamos os pais não sendo autorizados a bater em seus próprios filhos. Observamos coisas estranhas como essas, coisas que nunca tínhamos visto em nossa vida, e dissemos: Que tipo de país é este, que tipo de país?
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