Comecei 2014 com a proposta de ler e adquirir mais livros fora do cânone ocidental-branco-católico-masculino. E que surpresa boa ando tendo com as escritoras de outras culturas, idiomas e modos de pensar!
Thrity Umrigar é uma autora indiana já bastante reconhecida, com boa parte de sua obra traduzida ao português. Sua biografia "A primeira luz da manhã" é um retrato das diversas facetas do quase-continente Índia. A pluralidade de regiões, pessoas, meios de vida é descrita de forma bastante interessante, atraindo o leitor para o seu país natal.
As referências culturais de Umrigar são bastante destacadas ao longo da obra, permitindo uma compreensão maior do seu conjunto literário. Ainda que sejam raras as biografias boas de autores jovens, este é um caso em que se pode apostar.
Trechos:
Pela primeira vez, entendo vagamente o vínculo entre amor e responsabilidade. Somos responsáveis por aqueles momentos que amamos, percebo, e, se abdicamos dessa responsabilidade, não podemos afirmar que amamos.
Por último, sei que o mundo ainda é dos adultos e embora, em sua generosidade e misericórdia, eles finjam compartilhá-lo conosco, no final das contas o mundo continua a ser deles.
***
Com relutância, num sussurro hesitante a princípio e depois mais alto, uma voz me chama a atenção para o fato de que a nossa visão utópica daquilo que o mundo deveria ser não combina com a personalidade dos indivíduos que tentam construir este mundo. Quero ignorar esse descompasso, essa lacuna que espreita entre a pureza dos nossos sonhos e a tacanhez do nosso cotidiano. Já perdi tanta coisa - minha fé na religião, o escapismo que as minhas amigas entorpecidas um dia me ofereceram, minha crença na capacidade de consertar as coisas entre meus pais - que abri mão da minha fé na política me soa como uma perda insuportável.
***
Invariavelmente acordo desses sonhos com uma curiosa sensação de euforia porque acredito ter encontrado a solução do problema mais incurável da Índia - a pobreza. Todos os meus livros de educação cívica começam com a frase: 'A Índia é um país rico com habitantes pobres.' Ora, não precisa mais ser assim. Basta juntar toda noite em algum lugar a população da rua e alimentá-las com leite, sanduíches de frango e Coca-Cola. Não entendo por que os adultos não fazem senão balançar a cabeça com desânimo e declarar que sempre haverá pobres.
***
Todas as coisas que eu achava que me salvariam - a música, os livros, a política - me fizeram companhia durante algum tempo, mas, no final das contas, eu precisava voltar e encarar a mim mesma.
***
Isso, porém, é o que significa ser uma nativa de Bombaim, explico a mim mesma - pegar os lados contraditórios da própria vida e transformá-los num único todo; saber que se é um mestiço cultural, o filho bastardo da História, e aprender a considerar o fato interessante e até mesmo digno de orgulho.
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Thrity Umrigar é uma autora indiana já bastante reconhecida, com boa parte de sua obra traduzida ao português. Sua biografia "A primeira luz da manhã" é um retrato das diversas facetas do quase-continente Índia. A pluralidade de regiões, pessoas, meios de vida é descrita de forma bastante interessante, atraindo o leitor para o seu país natal.
As referências culturais de Umrigar são bastante destacadas ao longo da obra, permitindo uma compreensão maior do seu conjunto literário. Ainda que sejam raras as biografias boas de autores jovens, este é um caso em que se pode apostar.
Trechos:
Pela primeira vez, entendo vagamente o vínculo entre amor e responsabilidade. Somos responsáveis por aqueles momentos que amamos, percebo, e, se abdicamos dessa responsabilidade, não podemos afirmar que amamos.
Por último, sei que o mundo ainda é dos adultos e embora, em sua generosidade e misericórdia, eles finjam compartilhá-lo conosco, no final das contas o mundo continua a ser deles.
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Com relutância, num sussurro hesitante a princípio e depois mais alto, uma voz me chama a atenção para o fato de que a nossa visão utópica daquilo que o mundo deveria ser não combina com a personalidade dos indivíduos que tentam construir este mundo. Quero ignorar esse descompasso, essa lacuna que espreita entre a pureza dos nossos sonhos e a tacanhez do nosso cotidiano. Já perdi tanta coisa - minha fé na religião, o escapismo que as minhas amigas entorpecidas um dia me ofereceram, minha crença na capacidade de consertar as coisas entre meus pais - que abri mão da minha fé na política me soa como uma perda insuportável.
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Invariavelmente acordo desses sonhos com uma curiosa sensação de euforia porque acredito ter encontrado a solução do problema mais incurável da Índia - a pobreza. Todos os meus livros de educação cívica começam com a frase: 'A Índia é um país rico com habitantes pobres.' Ora, não precisa mais ser assim. Basta juntar toda noite em algum lugar a população da rua e alimentá-las com leite, sanduíches de frango e Coca-Cola. Não entendo por que os adultos não fazem senão balançar a cabeça com desânimo e declarar que sempre haverá pobres.
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Todas as coisas que eu achava que me salvariam - a música, os livros, a política - me fizeram companhia durante algum tempo, mas, no final das contas, eu precisava voltar e encarar a mim mesma.
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Isso, porém, é o que significa ser uma nativa de Bombaim, explico a mim mesma - pegar os lados contraditórios da própria vida e transformá-los num único todo; saber que se é um mestiço cultural, o filho bastardo da História, e aprender a considerar o fato interessante e até mesmo digno de orgulho.
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