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La multitud errante (Laura Restrepo)

Primeiro livro que li desta autora colombiana e que só veio reforçar a minha teoria de que há muita literatura feminina pelo mundo sim - que merece ser conhecida e entrar para os cânones. 




Laura Restrepo, além de literata, tem uma participação política e um engajamento como ativista que foram decisivos para alguns acordos entre seu país e as guerrilhas. E a mulher coloca toda essa sua força e recusa à passividade em um livro que, apesar de curto, é uma deliciosa obra de arte.




"La multitud errante" conta a história de um pária que busca abrigo em uma instituição religiosa especializada em acolher os filhos da guerra. Apaixonada por este personagem sem nome que vaga pelo país procurando a sua mãe, a narradora vai tecendo seu relato de amor.




Há muita poesia em cada página, com uma linguagem repleta de metáforas que passeia pelo campo da poesia (mas sem perder a acessibilidade, sem tornar-se hermética). O calcanhar-de-Aquiles do livro é justamente a sua síntese. Por ter personagens tão fortes, pelo relato astuto que faz da realidade social de seu país, pela trama complexa havia espaço para um desenrolar ainda mais intenso da trama. É uma obra curta que poderia ter rendido muito mais.

Trecho:

Escribo "fuera de sí" y me pregunto por qué será que Occidente carga negativamente esa expresión, como si implicara la desintegración o la locura, cuando estar fuera de sí es lo que permite estar en el otro, entrar en los demás, ser los demás.

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