Pigmaleão é uma narrativa mítica, recontada por Ovídio, que centra-se na história de um escultor apaixonado pela própria obra. Assim como o seu contraponto romano, o professor Higgins, um dos protagonistas da peça de George Bernard Shaw, se encanta pela conversão que realiza: transformar uma humilde vendedora de flores, com uma linguagem cheia de jargões, em uma dama da alta sociedade.
Escrita em 1913, a obra tem claramente um viés de preconceito linguístico e social forte. Contudo, além de precisarmos ter em mente o contexto em que foi escrita, uma leitura atenta das entrelinhas revela o senso crítico do autor, diante do qual todos os valores da sociedade convencional se desmoronam.
Realmente me encantei com este curto livro. Ademais do humor leve (e por vezes até um pouco pastelão, sempre muito divertido), ele enseja reflexões interessantes. Como professora, meu questionamento imediato foi: até que ponto um educador tenta transformar seu aluno no que deseja, ao invés de respeitar e preservar sua individualidade?
Outro aspecto curioso é que o professor Higgins foi inspirado em um dos primeiros criadores de sistema fonético, no início do século XX. É uma experiência rica ver como, a princípio, a fonologia foi usada para segregar e tentar promover a ideia de uma língua univocamente correta. Ainda bem que o tempo passou e a sociolinguística foi criando novos significados para as variantes de linguagem de cada um.
Eliza Doolittle é uma personagem cativante, e não é sem motivo que serviu de referência a tantas obras posteriores: desde o episódio da vendedora de flores do Chapolim até o filme My fair lady, passando por novelinha da Globo de 2 anos atrás. A trama da pessoa que é "consertada" para se encaixar na sociedade é, afinal, um pouco da vida da maioria de nós - desajustados, isolados, problemáticos. E também personagens muito mais interessantes e complexos dentro de nossas próprias histórias.
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