Meu primeiro encontro com "Manuelzão e Miguilim" foi durante a faculdade de Letras. Na época, ainda que a leitura tenha me marcado, situava-me no entrelugar: sem ter a inocência plena de Miguilim e nem a onisciência do narrador. Mais de uma década depois, começo talvez a vislumbrar a potência da linguagem roseana - poucas vezes me envolvi e me doeei tanto quanto nesta releitura.
Em "Campo geral", a história do menino Miguilim, defrontei-me com esse narrador que sabe tão bem ser ambíguo e indevassável. Sem entregar o jogo, expõe a simplicidade das formulações infantis ao mesmo tempo que enriquece as entrelinhas com o subtexto poderoso. Em uma das primeiras cenas, quando o Tio Terêz é obrigado a deixar a casa da família, Miguilim tudo nos revela, mesmo sem saber o porquê da mudança: a oposição de um tio amoroso ao pai bruto das crianças, a beleza e jovialidade da mãe, a vingança prestes a se desenrolar. Pela percepção do olhar infantil, o leitor adulto consegue decifrar o mundo que Miguilim ainda não está apto a ler. Dessa forma, temos uma compreensão mais ampliada do que a do personagem, mesmo contando com um narrador que tão pouco nos entrega.
Em um ritmo mais pausado, a história de Manuelzão nos traz a outra ponta da vida. Na "Estória de amor", temos um retrato não apenas da velhice, mas de todo um mundo em degradação. O cenário com boiadeiros, uma agricultura não mecanizada, histórias contadas à beira da fogueira - é esse um presente que Guimarães Rosa nos entrega, quase como o registro de trabalho de um cronista oficial. Nesse contexto, a última frase do conto - anunciando que a boiada já vai sair - é um grito conclamando à união mesmo quando prenuncia o fim.
Comentários
Postar um comentário