Talvez uma metáfora gasta, mas que funciona com o livro de Melchor, é que ele nos atinge como um furacão. Tão diferente de boa parte da literatura que se produz hoje, passa longe dos terrenos férteis da autoficção, do texto repleto de frases memoráveis, da linguagem coloquial urbana e civilizada.
No princípio, a impressão é de que estamos diante de um original cru, com parágrafos enormes, excesso de repetições, gírias a lotar cada página. Conforme vamos sendo tragados para dentro do furacão, conseguimos entender a lógica que ordena o que parecia disforme, sem nexo. E, uma vez atingida essa compreensão, não conseguimos mais largar a obra, que nos devora enquanto abala a estrutura literária confortável e o destino dos personagens.
Não há heróis nem vilões nesta temporada. São todos filhos da pobreza extrema, da falta de perspectivas, do meio inescrutável (desse ponto de vista, lembra as personagens de Ana Paula Maia). Quando percebemos, estamos torcendo pelo garoto estuprador ou recriminando a senhorinha que morre pelo neto. E, em pouco tempo, desfazemos esses juízos para tecer outros — porque tudo dentro de um furacão se move.
Se o começo da obra pode demorar um pouco a fisgar leitores, o final é espetacular. Há um tom oracular que me lembrou muito o desfecho de "Cem anos de solidão". Afinal, estamos diante de mais de um desses romances que nasceu para ser clássico.
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