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Orgulho e preconceito (Jane Austen) + série de 1995 + filme de 2005

Faz tempo que Jane Austen estava na minha lista de autores a conhecer – mas, ao mesmo tempo, provavelmente o motivo de ter adiado tanto esse primeiro encontro seja a aura açucarada que parece acompanhar toda a sua escrita.

Sem pesquisar um pouco do contexto, "Orgulho e preconceito" realmente dá a impressão de amorzinho fofo. Mas não é por ter escrito algo similar a uma coleção "Sabrina" do século XIX que a autora se fez reconhecida; há muito mais que a história de casamentos na estrutura da narrativa.

Além da crítica à divisão da herança (que ficava restrita aos filhos homens de uma família), Austen mostra a mesquinhez de relações que são movidas unicamente pelo dinheiro. O pano de fundo das guerras napoleônicas, o surgimento da Revolução Industrial e uma maior maleabilidade entre as classes sociais (apenas as mais confortáveis em seu status, como novos ricos e aristocracia) também dão as caras no romance.

A série de 1995: para quem gosta de uma adaptação fiel, é uma opção ideal... ou talvez não. Afinal, mesmo que siga quase linha a linha a ideia do romance original, há a visão do diretor na escolha dos atores e no tom da interpretação.

Como em Anna Karenina (série de 1985), que também foi dirigida por Simon Lagnton, domina um certo tom hiperbólico e excessivamente dramático em algumas cenas. E, por outro lado, certas tomadas parecem a representação estereotipada do céu cristão: todos vestidos de branco e caminhando por um prado florido pela eternidade.

O filme de 2005: mais uma vez a história de Anna Kariênina reverbera aqui – não só o diretor do filme também é Joe Wright, como a protagonista é novamente interpretada por Keira Knightley (e o tom de heroína imperfeita e meio bonachona combina com ela).

Em vez da pasmaceira que domina a série televisiva, aqui o ritmo é rápido, com uma fotografia linda. A escolha dos atores, no geral, me pareceu acertada – a beleza física (ou a ausência dela) é um ponto importante na história e impacta diretamente sua verossimilhança.

Os personagens da mãe Bennet e de Mr. Collins, bem mais pés no chão que caricatos nesta adaptação, fazem a crítica às suas personalidades soar mais aguda.









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