Assisti a Amélie Poulain pela primeira vez quando tinha quase a idade da protagonista - e, ainda que houvesse amado a obra, o passar dos anos me fez desconfiar do quanto ela sobreviveria ao tempo. De todos os múltiplos elementos que compõem o longa, do que mais me lembrava era do aspecto de comédia romântica. Assim, passou a me incomodar a possibilidade de que, reassistida, a produção não sobrevivesse ao meu juízo crítico atual - mais exigente, chato, menos propenso à imaginação.
Para a minha sorte, contudo, Amélie Poulain não só resistiu, mas cresceu como filme. Ao revê-lo cerca de dez anos depois, pude perceber muito mais de sua estética e do quanto ela foi inovadora e criou tendência no cinema do século XXI. Para além da forma, a narrativa também é ousada quanto a seu conteúdo; ainda que recorra a traços da comédia romântica, conta com uma protagonista forte e decidida - mesmo que extremamente tímida.
O narrador é uma figura bastante interessante no desvelo da trama. Com efeitos de zoom in e zoom out, aproxima e distancia fatos, associações e objetos durante o seu contar. Assim, a narrativa segue um ritmo muito peculiar: constantemente acelerado, mas sem ignorar a importância do foco no detalhe.
A presença onisciente e onipotente da voz narrativa no conduzir da trama faz que personagens aparentemente banais - a hipocondríaca, o maníaco, o pai absolutamente "normal" - tornem-se instigantes para o espectador. A própria Amélie, despida do poder fabulativo, seria de pouco interesse. Entretanto, inserida em seu imaginativo mundo, é literalmente fabulosa.
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