Este livro de Haruki Murakami, escritor japonês sempre alvo das especulações em torno ao Prêmio Nobel, é comparado, por alguns críticos, ao "O apanhador no campo de centeio", de J.D. Salinger. Começo minha resenha discordando veementemente de tal afirmação - e o que me leva a separar o joio do trigo é o fato de o livro de Murakami ser bom (ao contrário do romance estadunidense).
Enquanto a obra de Salinger apresenta o estereótipo do adolescente mimado e rebelde sem causa, em "Norwegian Wood" há personagens complexos, enigmáticos, sempre cercados pelo halo do desespero, da solidão e da morte. O contexto em que se desenvolve a trama é muito familiar à população japonesa: há, de fato, muitos suicídios de jovens orientais com desempenho escolar exemplar. Talvez a estrutura fortemente hierárquica da sociedade nipônica explique esse fato; talvez não. E o autor sabe abordar o tema, sem, em momento algum, tentar justificar o desejo de morte de alguns de seus personagens.
Além desse olhar social, o romance tem viés histórico e retrata o movimento juvenil em tempos de opressão (o que me lembrou um pouco o clima dos levantes organizados na época das ditaduras latinoamericanas).
Independentemente dos contextos em que se desenvolve a narrativa, o ponto mais forte do romance é a construção de seus personagens. Nem sempre eles são coerentes ou cativantes, mas, por sua característica enigmática, prendem a atenção do leitor, mesmo quando a história parece perder o fio da meada.
Trechos:
"Alguém que leu O Grande Gatsby três vezes provavelmente pode se tornar meu amigo - disse-me ele como se estivesse falando consigo mesmo. Depois disso, ficamos realmente amigos. Foi por volta de outubro. (...) Era um leitor ávido - eu não lhe chegava aos pés - que havia adotado para si o princípio de nunca ler obras de autores falecidos há menos de trinta anos. Dizia confiar apenas nesse tipo de livros: não quero dizer com isso que veja a Literatura contemporânea com desconfiança. Só não quero gastar meu precioso tempo com obras ainda não batizadas pelo tempo. A vida é curta."
"Que fascinante é a memória. Enquanto eu estava dentro dessa paisagem praticamente não prestei atenção nela. Não poderia sequer imaginar que dezoito anos mais tarde a relembraria em seus pormenores, apesar de nada ter visto nela de tão impressionante. Para ser sincero, na época a paisagem não me causou nenhum interesse em particular. Eu pensava apenas em mim, na linda garota caminhando ao meu lado, no nosso relacionamento e novamente em mim. Estava numa idade na qual não importa o que presenciasse, sentisse e pensasse, tudo no final voltava às minhas mãos como um bumerangue. Como se isso não bastasse, eu estava apaixonado. Uma paixão complicada. Não me sobrava tempo para prestar atenção à paisagem a meu redor."
"Não teriam todas as recordações fundamentais se acumulado num local obscuro de meu corpo, numa espécie de limbo, transformando-se em lama inconsistente? De qualquer forma, no momento isso é tudo que tenho. Aperto fortemente contra o peito as recordações imperfeitas que se dissiparam e continuam a se dissipar a cada novo segundo, escrevendo este livro como um homem faminto chupando ossos. Esse é o único modo de cumprir a promessa que fiz a Naoko."
"Às vezes eu me sinto transformado no zelador de um museu. Um museu sem visitantes e totalmente vazio, no qual eu cuido exclusivamente de mim."
"Cartas não passam de papel (...). Queime-as, mas o que tiver de permanecer no coração permanecerá; guarde-as, mas o que tiver de desaparecer, desaparecerá."
Enquanto a obra de Salinger apresenta o estereótipo do adolescente mimado e rebelde sem causa, em "Norwegian Wood" há personagens complexos, enigmáticos, sempre cercados pelo halo do desespero, da solidão e da morte. O contexto em que se desenvolve a trama é muito familiar à população japonesa: há, de fato, muitos suicídios de jovens orientais com desempenho escolar exemplar. Talvez a estrutura fortemente hierárquica da sociedade nipônica explique esse fato; talvez não. E o autor sabe abordar o tema, sem, em momento algum, tentar justificar o desejo de morte de alguns de seus personagens.
Além desse olhar social, o romance tem viés histórico e retrata o movimento juvenil em tempos de opressão (o que me lembrou um pouco o clima dos levantes organizados na época das ditaduras latinoamericanas).
Independentemente dos contextos em que se desenvolve a narrativa, o ponto mais forte do romance é a construção de seus personagens. Nem sempre eles são coerentes ou cativantes, mas, por sua característica enigmática, prendem a atenção do leitor, mesmo quando a história parece perder o fio da meada.
Trechos:
"Alguém que leu O Grande Gatsby três vezes provavelmente pode se tornar meu amigo - disse-me ele como se estivesse falando consigo mesmo. Depois disso, ficamos realmente amigos. Foi por volta de outubro. (...) Era um leitor ávido - eu não lhe chegava aos pés - que havia adotado para si o princípio de nunca ler obras de autores falecidos há menos de trinta anos. Dizia confiar apenas nesse tipo de livros: não quero dizer com isso que veja a Literatura contemporânea com desconfiança. Só não quero gastar meu precioso tempo com obras ainda não batizadas pelo tempo. A vida é curta."
"Que fascinante é a memória. Enquanto eu estava dentro dessa paisagem praticamente não prestei atenção nela. Não poderia sequer imaginar que dezoito anos mais tarde a relembraria em seus pormenores, apesar de nada ter visto nela de tão impressionante. Para ser sincero, na época a paisagem não me causou nenhum interesse em particular. Eu pensava apenas em mim, na linda garota caminhando ao meu lado, no nosso relacionamento e novamente em mim. Estava numa idade na qual não importa o que presenciasse, sentisse e pensasse, tudo no final voltava às minhas mãos como um bumerangue. Como se isso não bastasse, eu estava apaixonado. Uma paixão complicada. Não me sobrava tempo para prestar atenção à paisagem a meu redor."
"Não teriam todas as recordações fundamentais se acumulado num local obscuro de meu corpo, numa espécie de limbo, transformando-se em lama inconsistente? De qualquer forma, no momento isso é tudo que tenho. Aperto fortemente contra o peito as recordações imperfeitas que se dissiparam e continuam a se dissipar a cada novo segundo, escrevendo este livro como um homem faminto chupando ossos. Esse é o único modo de cumprir a promessa que fiz a Naoko."
"Às vezes eu me sinto transformado no zelador de um museu. Um museu sem visitantes e totalmente vazio, no qual eu cuido exclusivamente de mim."
"Cartas não passam de papel (...). Queime-as, mas o que tiver de permanecer no coração permanecerá; guarde-as, mas o que tiver de desaparecer, desaparecerá."
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