O livro, narrado por um gato, ironiza seus personagens humanos a cada página. Ao descrever os problemas nos quais se envolve seu amo, o felino apenas realça a hipocrisia e o tom patético desses seres ditos racionais.
É um romance bem escrito, com inúmeras referências intertextuais à cultura japonesa e ocidental e detalhes que dizem respeito à própria vida do autor. No entanto, por parecer mais interessado em desenvolver uma tese do que em cativar o seu leitor, a trama acaba se tornando um pouco maçante ao longo das cerca de 500 páginas.
Trechos:
Inexiste lei que conceda a alguém a propriedade sobre algo que não criou. Mesmo que essa propriedade seja determinada, isso não é motivo para impedir que outros entrem nela livremente. Levantar cercas ou piquetes em terras vastas, delimitando o espaço, é como dividir o firmamento: esta parte é minha, aquela é sua. Se a terra é dividida e se comercializam direitos de propriedade, nada mais natural do que dividirmos também o ar que respiramos e vendê-lo por unidades cúbicas. Se não podemos vender o ar e é improvável fracionar o céu, não seria a posse da superfície terrestre também uma irracionalidade?
[...] os prêmios recebidos pelos gregos em competições desportivas eram mais valiosos do que as capacidades desempenhadas. Os prêmios buscavam conceder uma distinção e serviam como incentivo. Porém, como seria no caso da capacidade intelectual? O que deveria ser concedido como recompensa ao intelecto que lhe fosse superior em valor? Haveria no mundo algum tesouro precioso que superasse o conhecimento humano? Obviamente a resposta é não. Conceder algo insignificante seria desvalorizar a força intelectual. Os gregos empilharam baús repletos de moedas de ouro em uma pilha tão alta como o Monte Olimpo, mas acabaram se dando conta de que não seriam capazes de conceder uma recompensa a altura, mesmo que esgotassem as riquezas do rei Cresus. Depois de muito matutarem, chegaram à conclusão de que o valor do conhecimento intelectual não tem par, decidindo por fim não oferecer absolutamente nada. Podemos entender bem através disto que não importa a cor do dinheiro, ele nunca rivalizará com o conhecimento.
Comparados conosco, os humanos são muito afeitos ao luxo. Cozinham, assam, fazem marinado ou colocam em pasta de soja o que poderia ser comido cru, deliciando-se com o trabalho inútil a que se entregam. O mesmo se pode dizer de suas roupas. Seria demais exigir de seres imperfeitos como eles que, como nós felinos, usassem a mesma vestimenta durante todo o ano, mas será que precisam realmente colocar tantos panos diferentes sobre a pele como costumam fazer? Posso afirmar sem dúvidas que seu luxo é resultado de sua incompetência, pois precisam criar transtornos para as ovelhas, dar trabalho aos bichos da seda e até mesmo aceitar a caridade dos campos de algodão. [...] Os humanos têm quatro patas, mas se dão ao luxo de utilizar apenas duas. Poderiam andar mais depressa se usassem todas, mas se contentam apenas com um par, deixando as restantes estupidamente penduradas como bacalhaus postos a secar. Vê-se que os humanos são muito mais desocupados que nós gatos e é possível entender a razão de se entregarem a tantas idiotices para preencher seu tempo. O mais curioso é que esses ociosos circulam por aí não apenas afirmando sempre estarem muito ocupados, mas com uma fisionomia que aparenta estarem atarefados, como se fossem ter uma estafa de tanto trabalhar. Ao me verem, alguns deles afirmam como seria agradável ter uma vida sem aporrinhações igual à minha. Por que então não buscam transformar as próprias vidas nesse sentido? Ninguém lhes exige que se ocupem de uma tal forma. Encher-se de afazeres para depois reclamar estar sofrendo por não dar conta do excesso de trabalho é o mesmo que acender uma fogueira para depois se lamentar do calor.
Os banqueiros, que lidam todos os dias com o dinheiro alheio, devem acabar achando que este lhes pertence. Os funcionários públicos estão a serviço do povo, assemelham-se a procuradores a quem foram delegados poderes para agir em nome dos cidadãos. Todavia, à medida que exercem suas funções diariamente acabam alucinados, passando a acreditar que a autoridade a eles atribuída na verdade lhes pertence, não sendo dado a ninguém o direito de externar qualquer palpite sobre ela.
É um romance bem escrito, com inúmeras referências intertextuais à cultura japonesa e ocidental e detalhes que dizem respeito à própria vida do autor. No entanto, por parecer mais interessado em desenvolver uma tese do que em cativar o seu leitor, a trama acaba se tornando um pouco maçante ao longo das cerca de 500 páginas.
Trechos:
Inexiste lei que conceda a alguém a propriedade sobre algo que não criou. Mesmo que essa propriedade seja determinada, isso não é motivo para impedir que outros entrem nela livremente. Levantar cercas ou piquetes em terras vastas, delimitando o espaço, é como dividir o firmamento: esta parte é minha, aquela é sua. Se a terra é dividida e se comercializam direitos de propriedade, nada mais natural do que dividirmos também o ar que respiramos e vendê-lo por unidades cúbicas. Se não podemos vender o ar e é improvável fracionar o céu, não seria a posse da superfície terrestre também uma irracionalidade?
[...] os prêmios recebidos pelos gregos em competições desportivas eram mais valiosos do que as capacidades desempenhadas. Os prêmios buscavam conceder uma distinção e serviam como incentivo. Porém, como seria no caso da capacidade intelectual? O que deveria ser concedido como recompensa ao intelecto que lhe fosse superior em valor? Haveria no mundo algum tesouro precioso que superasse o conhecimento humano? Obviamente a resposta é não. Conceder algo insignificante seria desvalorizar a força intelectual. Os gregos empilharam baús repletos de moedas de ouro em uma pilha tão alta como o Monte Olimpo, mas acabaram se dando conta de que não seriam capazes de conceder uma recompensa a altura, mesmo que esgotassem as riquezas do rei Cresus. Depois de muito matutarem, chegaram à conclusão de que o valor do conhecimento intelectual não tem par, decidindo por fim não oferecer absolutamente nada. Podemos entender bem através disto que não importa a cor do dinheiro, ele nunca rivalizará com o conhecimento.
Natsume Soseki |
Comparados conosco, os humanos são muito afeitos ao luxo. Cozinham, assam, fazem marinado ou colocam em pasta de soja o que poderia ser comido cru, deliciando-se com o trabalho inútil a que se entregam. O mesmo se pode dizer de suas roupas. Seria demais exigir de seres imperfeitos como eles que, como nós felinos, usassem a mesma vestimenta durante todo o ano, mas será que precisam realmente colocar tantos panos diferentes sobre a pele como costumam fazer? Posso afirmar sem dúvidas que seu luxo é resultado de sua incompetência, pois precisam criar transtornos para as ovelhas, dar trabalho aos bichos da seda e até mesmo aceitar a caridade dos campos de algodão. [...] Os humanos têm quatro patas, mas se dão ao luxo de utilizar apenas duas. Poderiam andar mais depressa se usassem todas, mas se contentam apenas com um par, deixando as restantes estupidamente penduradas como bacalhaus postos a secar. Vê-se que os humanos são muito mais desocupados que nós gatos e é possível entender a razão de se entregarem a tantas idiotices para preencher seu tempo. O mais curioso é que esses ociosos circulam por aí não apenas afirmando sempre estarem muito ocupados, mas com uma fisionomia que aparenta estarem atarefados, como se fossem ter uma estafa de tanto trabalhar. Ao me verem, alguns deles afirmam como seria agradável ter uma vida sem aporrinhações igual à minha. Por que então não buscam transformar as próprias vidas nesse sentido? Ninguém lhes exige que se ocupem de uma tal forma. Encher-se de afazeres para depois reclamar estar sofrendo por não dar conta do excesso de trabalho é o mesmo que acender uma fogueira para depois se lamentar do calor.
Os banqueiros, que lidam todos os dias com o dinheiro alheio, devem acabar achando que este lhes pertence. Os funcionários públicos estão a serviço do povo, assemelham-se a procuradores a quem foram delegados poderes para agir em nome dos cidadãos. Todavia, à medida que exercem suas funções diariamente acabam alucinados, passando a acreditar que a autoridade a eles atribuída na verdade lhes pertence, não sendo dado a ninguém o direito de externar qualquer palpite sobre ela.
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