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Reinações de Narizinho (Monteiro Lobato)

É difícil falar da obra infantil de Monteiro Lobato sem causar polêmica - e merecida. No primeiro volume das aventuras de Narizinho, Pedrinho, Emília e Visconde no sítio é possível caçar várias referências machistas e sexistas. Logo no terceiro parágrafo tia Nastácia já nos é apresentada como "negra de estimação", e são várias e várias as "piadas" feitas tendo como mote a sua cor e, associada a ela, a sua falta de instrução.

Não se trata, portanto, de uma obra a ser apresentada às crianças sem o mínimo de contextualização - escrita menos de 50 anos após a abolição da escravatura, reflete um preconceito muito mais potente na época do que agora. É preciso considerar também que Monteiro Lobato vinha de uma família de proprietários de terras, logo, ex-compradores de escravos, que provavelmente via como natural um homem ser subjugado pelo outro em função de sua etnia.

Apesar de todos esses aspectos muito questionáveis, ainda assim "Reinações de Narizinho" é sim um livro com qualidades positivas. Sobre o preconceito de Lobato, ainda temos que notar que esta figura emblemática das Letras brasileiras destacou-se sempre por suas opiniões polêmicas - mas que também soube reconhecer seus erros pouco a pouco, como em sua versão posterior do Jeca Tatu ou mesmo no reconhecimento do sofrimento negro no conto "Negrinha".

Somando todas as referências negativas no primeiro livro da saga do Sítio, mal consegue-se 1 página em uma obra de mais de 300. Assim, vale considerar que a maior parte do volume centra-se em histórias de fantasia infantil, criação de uma mitologia própria e apresentação de contos clássicos aos pequenos. 

Pioneiro ao pensar em literatura infantil brasileira, Monteiro Lobato cria em "Reinações de Narizinho" histórias encantadoras, nas quais é fácil mergulhar no mundo imaginário infantil uma vez mais. 









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