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Formas de voltar para casa (Alejandro Zambra)

Meu caso com Zambra foi amor à primeira vista - ou talvez amizade, já que suas obras são clássicas por retratarem paixões mal resolvidas, mal começadas, mal vividas. Não há muito espaço para o amor nas relações truncadas que são o foco do autor chileno.




Apesar de ter sido fisgada pelo começo abrupto de Bonsai ("Ao final ela morre e ele fica sozinho, ainda que tivesse ficado só vários anos antes da morte dela, de Emilia") e pelo retrato delicado de "A vida privada das árvores", foi em "Formas de voltar para casa" que o autor definitivamente me ganhou.

Não há grandes emoções ou reviravoltas no enredo (talvez apenas uma enorme melancolia). Ainda assim, na descrição de um cotidiano frustrado, o escritor consegue pinceladas de poesia em um cenário de crítica às nossas relações familiares.

O contexto, muito similar ao do Brasil atual, talvez tenha sido o meu elemento de forte identificação com a obra. Nela, o narrador conta sua infância em meio à ditadura e os embates atuais com o pai, que procura justificar seu conservadorismo afirmando que nem tudo na época de Pinochet era tão ruim. Ver alguém que amamos defender opiniões tão injustificáveis em nome dos "bons costumes" é o que nos leva a perceber que, dentre todas as formas de voltar para a casa e a família, nenhuma é pacífica ou indolor.





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