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Vermelho amargo (Bartolomeu Campos de Queirós)

Com menos de 100 páginas, em uma edição pequenininha, pode parecer, à primeira vista, que "Vermelho amargo" é um daqueles livros que se leem de uma sentada só, em uma tarde de preguiça. Ledo engano. Como o próprio título anuncia, esta obra é de tom amargo, difícil de digerir, incorporar, assimilar. Pequena, mas poderosa.




O autor nos leva, por meio dos intrincados caminhos da narrativa de cunho autobiográfico, até a sua infância. Muito aquém de tardes fagueiras à sombra das bananeiras, enquanto criança o narrador passou por diversos traumas, violências não ditas, em um ambiente de pouco afeto. Assim, vai na contramão dos defensores da infância como época de felicidade plena.

As descrições fazem muito mais do que contextualizar o leitor; levam a reflexões, questionamentos, angústias. Em sua transição da infância para a adolescência, o narrador revela, por meio de metáforas intensas, o seu estranhamento no mundo e como parte de uma família problemática. 




A violência sofrida pelo narrador reflete-se na linguagem, de maneira igualmente velada. Nada é explicitado ou dito abertamente: são brutalidades que se enredam na trama do texto, tentando soar como naturais. Em suma, um livro que é um soco no estômago.

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