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O dr. Jivago (livro de Boris Pasternak e filme de 1965)

Boris Pasternak foi o meu primeiro russo e me guiou pelas letras maravilhosas de Dostoiévski, Tolstói, Tchekhov, Anna Akhmatóva... e, por fim, culminou em 1 ano de habilitação em língua russa na faculdade, que não prossegui por motivos alheios à grande qualidade da literatura deste país.

Tenho uma relação afetiva muito especial com esta obra. Ainda que não tivesse o hábito de fazer releituras no início das minhas incursões literárias, o dr. Jivago foi uma das poucas exceções. Extraí pouco dele nas primeiras leituras (aos 14 e 16 anos), mas que sabia que estava cheio de significados a serem desvendados.



Ainda hoje, 15 anos depois, sei que serão necessárias mais voltas à esta obra grandiosa, tão profunda e tão humana. Uma das minhas dificuldades foi a edição, cheia de erros e fruto de traduções parciais e indiretas, da Itatiaia. No entanto, como queria reler a obra tal como a conheci, optei por ainda não buscar uma versão mais fiel da obra original.

Livro polêmico, com críticas ácidas ao comunismo, levou o seu autor a ser questionado pelo merecimento do prêmio Nobel tanto na URSS (acabou renunciando a ele para poder permanecer em sua terra natal) quanto fora dela (por ser considerado ideologicamente importante em um contexto de Guerra Fria, sua qualidade literária foi bastante atacada). 

Independentemente do contexto em que foi produzida e das motivações do autor, o livro possui características únicas, como uma profunda reflexão sobre a vida; personagens cheios de falhas e, ainda assim, carismáticos; descrição da tragédia da guerra; linguagem lírica mesclada à narrativa (há um compêndio de poemas escritos pelo protagonista ao final).

O filme de 1965, muito bem avaliado no IMDB, tem a vantagem de se debruçar sobre a história: a película tem 3h30. A trilha sonora é muito boa, o elenco conta com atores renomados, como Omar Sharif e Geraldine Chaplin, e uma fotografia excelente. Mesmo com tantos pontos positivos, não há o mesmo lirismo da obra escrita em sua adaptação para as telas. Alguns personagens (talvez Lara, principalmente) acabam um pouco superficializados, sem a complexidade que apresentam na trama original. É, no fim, um bom filme, mas aqui ainda aplica-se a regra de que o livro é infinitamente melhor.




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