Pular para o conteúdo principal

Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade)

Escrito pouco após a Segunda Guerra Mundial, Claro Enigma é um livro soturno e melancólico. Em cada poema de Drummond há um profundo pesar em relação a vários dos aspectos da vida: o amor, as memórias de Minas, a morte, as reflexões sobre a sociedade... 

A primeira parte, "Entre lobo e cão", retrata um pouco da nossa condição humana (tão próxima ao instinto selvagem). O poema "Legado", que ironiza a clássica pedra no meio do caminho, e "Memória", estão entre meus escritos favoritos. 

A segunda parte, "Notícias amorosas", pode enganar em uma leitura mais superficial, mas é, na verdade, uma coleção de poemas sobre a nossa falta de amor. A terceira parte, "O menino e os homens", registra, além de conflitos de geração, uma breve homenagem aos Mários: Bandeira e Quintana.

A quarta parte, "Selo de Minas", retoma a terra natal de Drummond, assim como suas memórias de infância. A quinta parte, "Os lábios cerrados", é a mais triste (e bonita) e trata, como o título diz, da morte. O poeta questiona a relação que temos com nossos mortos e se não existimos apenas em função deles, de carregar suas memórias enquanto estivermos vivos. O poema "A mesa", no qual o eu lírico imagina uma reunião familiar para celebrar o aniversário do pai (já falecido) em uma reconciliação emocionante, é um dos mais bonitos do livro.

Por fim, a última parte, "A máquina do mundo", retrata um pouco da relação do eu lírico com seu momento histórico; apesar de toda a desolação, na última linha do último poema de todo o livro há uma indicação de esperança vaga, porém possível. 









Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

1984 (George Orwell)

Vulgarizado após a criação dos reality shows , o livro de George Orwell se tornou um daqueles clássicos que todos comentam e que ninguém leu. Qualquer um quer falar com propriedade do Grande Irmão, da sociedade vigiada, mas todos esses clichês não chegam perto do clima opressor que o autor impõe à sua narrativa. 1984 é uma obra provocativa e premonitória. Ainda que as ditaduras não tenham obtido o poder previsto pelo escritor (pois se travestiram de democracia), os cenários descritos são um retrato mordaz dos nossos tempos modernos. Um exemplo: para entreter a grande massa (os "proles"), o governo do Grande Irmão tem em seu poder máquinas que criam letras de músicas de amor aleatoriamente. Essas canções, desprovidas de essência humana, são entoadas pelo povo e logo se tornam o ritmo do momento. E assim se revela mais um dos inúmeros meios de controlar uma população que não pensa, não critica e não questiona. Quando foi escrito, 1984 era uma obra futurística. Lido h...

As três Marias (Rachel de Queiroz)

Protagonistas femininas para um romance escrito por uma mulher - uma mudança de perspectiva tão necessária em meio a esses nossos cânones machistas. Rachel de Queiroz é escritora de mão cheia, e não se deixa vender ao estereótipo de moça que escreve para relatar seus conflitos pessoais. Sua obra é social, intensa, mas sem diminuir o interesse psicológico de seus personagens. Trechos: "A gente pensa que a infância ignora os dramas da vida. E esquece que esses dramas não escolhem oportunidade nem observam discrição, exibem-se, nus e pavorosos, aos olhos dos adultos e aos dos infantes, indiferentemente." "-Conheça o teu lugar, minha filha.. (Isto é: 'Pense em quem é você, na mãe que lhe teve, mulher sem dono e sem lei, que lhe largou à toa, criada por caridade. A vida se mostra, à sua frente, bela, sedutora, iluminada. Mas, para você, é apenas uma vitrina: não estenda a mão, que bate no vidro; e não despedace o vidro; você sairá sangrando... Contente-se ...

Cartas a um jovem poeta (Rainer Maria Rilke)

Esse é um daqueles livros que de tão recomendados, citados, comentados, já parecem ter sido lidos antes mesmo da primeira virada de página. Tinha uma visão consolidada de que o tema desta obra eram os conselhos que um escritor pode passar a outro - e não imaginava que, antes de tudo, essas cartas são uma espécie de manual para a vida. Tão necessário, aliás. Rilke se ancora na literatura, mas passeia por caminhos diversos: a solidão, a escolha da mulher, as amizades, os valores morais de cada um... Como um mestre frente a seu discípulo, o escritor o guia pela mão através do mundo. Nem sempre os seus ensinamentos são indiscutíveis. Há material que sobra, existem conselhos deixados de fora. Mas, superando seus pequenos deslizes como filósofo, Rilke se apoia na força das palavras. Seu discurso é uma torrente que nos leva, com um vigor romântico contagiante. Trechos: Uma única coisa é necessária: a solidão. A grande solidão interior. Ir dentro de si e não encontrar ninguém durante h...