Pular para o conteúdo principal

O iluminado (filme de 1980)

Li o homônimo de Stephen King (e no qual o filme se baseou) por volta dos 14 anos, e lembro-me de ter ficado bastante impressionada. Tanto que, ainda que mais de uma década tenha se passado dessa leitura, consegui identificar diferenças na adaptação para as telas em relação ao texto do livro.

Stephen King é um autor prolixo, por vezes entediante, mas que, principalmente em seus livros curtos, consegue conduzir uma narrativa que prende a atenção. Se, por um lado, não se trata de grandes feitos literários, por outro lado suas narrativas revelam um escritor consciente das técnicas de composição e dos efeitos que pretende causar em seu leitor.




No entanto, se a literariedade da obra de King pode ser discutida, é difícil colocar em xeque a praticamente inegável qualidade da produção de Kubrick. O diretor não seguiu à risca o original e nem sequer aceitou o roteiro produzido pelo próprio autor; no entanto, é justamente nas variações, nas alternativas buscadas que está o diferencial do longa.

A atuação de Jack Nicholson é assustadora - o protagonista, na sua pele, não só é alguém acometido subitamente por uma crise nos nervos, mas alguém que vive entre o delírio e a psicopatia. Não é o retrato de um vilão "malvado"; o que vemos nas telas é um homem fora de si e que tem prazer em assustar, agredir, violar.

Kubrick conduz o filme com lentidão, apostando em cenas arquitetadas com cuidado, sem, contudo, tirar o caráter de suspense e nem as cenas de perseguição. Mesmo nos momentos de maior ação, entretanto, há uma beleza, uma aposta estética que é fundamental para garantir verossimilhança e polissemia à história contada.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Armandinho 1, 2 e 3 (Alexandre Beck)

O personagem de cabelo azul já ganhou apelidos que o aproximam dos famosos Calvin e Mafalda. No entanto, o toque brasileiro é que faz a diferença e aproxima Armandinho de seus leitores. O garotinho, que não gosta muito da escola, mostra que a sabedoria vai muito além dos bancos da sala de aula. Desde questões políticas específicas - do Brasil ou de Santa Catarina - até piadas simples sobre assuntos cotidianos, a força das suas tirinhas reside também na versatilidade. O ponto de vista infantil nos serve de guia nesses quadrinhos, nos quais os adultos aparecem sempre retratados sob o viés da criança. Para comprovar esse fato, basta observar o traço: assim como na clássica animação dos Muppets, apenas as pernas dos personagens mais velhos são desenhadas. Se a semelhança com Mafalda está no aspecto irreverente (e nos cabelos que são marca registrada), com Calvin o parentesco vai além: em muitas das tirinhas, Armandinho aparece com seu bicho de estimação (um sapo que, inclusi...

Desolación (Gabriela Mistral)

Livro de estreia da poetisa Gabriela Mistral (que viria a ser a primeira latina a ganhar o prêmio Nobel) "Desolación" anuncia a que vem pelo título: é uma obra desoladora. É tamanha a falta de perspectiva que, ao final, há um posfácio curto da autora em que ela diz: "Deus me perdoe este livro amargo - e aqueles que sentem que a vida é doce, que me perdoem também". Com muitos elementos autobiográficos (tão típicos do gênero), há o reflexo, nos poemas, das muitas turbulências que a poeta enfrentou em seus anos de juventude. Apaixonada por um homem comprometido, viu o fim abrupto deste relacionamento quando seu par suicidou-se. Católica com ardor, enfrenta dilemas constantes entre suas crenças religiosas e as muitas desgraças que a vida lhe impõe. Ademais, escritora com sangue indígena, é vítima de preconceito tanto por sua cor quanto por sua condição de mulher. A obra é dividida em quatro partes: vida, dolor, escuela e naturaleza. As duas primeiras refletem m...

Cartas a um jovem poeta (Rainer Maria Rilke)

Esse é um daqueles livros que de tão recomendados, citados, comentados, já parecem ter sido lidos antes mesmo da primeira virada de página. Tinha uma visão consolidada de que o tema desta obra eram os conselhos que um escritor pode passar a outro - e não imaginava que, antes de tudo, essas cartas são uma espécie de manual para a vida. Tão necessário, aliás. Rilke se ancora na literatura, mas passeia por caminhos diversos: a solidão, a escolha da mulher, as amizades, os valores morais de cada um... Como um mestre frente a seu discípulo, o escritor o guia pela mão através do mundo. Nem sempre os seus ensinamentos são indiscutíveis. Há material que sobra, existem conselhos deixados de fora. Mas, superando seus pequenos deslizes como filósofo, Rilke se apoia na força das palavras. Seu discurso é uma torrente que nos leva, com um vigor romântico contagiante. Trechos: Uma única coisa é necessária: a solidão. A grande solidão interior. Ir dentro de si e não encontrar ninguém durante h...