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My fair lady (filme de 1964)

A primeira questão que me surgiu à mente ao ler a peça Pygmalion, de George Bernard Shaw, foi: como é que saí de um curso de Letras sem ninguém me indicar este livro? Agora, ao assistir à adaptação para o cinema, a indignação/surpresa se manteve. Ainda que ambas as obras sejam calcadas em preconceitos linguísticos, o modo como este tema é abordado é absolutamente interessante.




Apesar de todos os estereótipos, consegui extrair muito tanto da versão literária quanto da filmada da história; afinal, com personagens complexos e mutáveis como são os protagonistas desta trama, é difícil chegar a um juízo único e limitador do enredo. Inclusive o professor responsável por tantos julgamentos linguísticos, o prof. Higgins, é, por sua vez, um personagem extremamente mal adaptado socialmente, que quebra inúmeras regras de convivência. Não sendo um modelo, suas críticas à linguagem alheia podem ser interpretadas de variadas maneiras, nem todas elas necessariamente preconceituosas (lembrando que há um potente tom irônico permeando toda a narrativa).

Os atores escolhidos para o longa-metragem se encaixaram perfeitamente nos papéis a que foram designados; e, ainda que seja clichê dizer, Audrey está incrível como sempre. Até para aqueles que não são fã de musicais (grupo no qual me incluo) o filme não perderá a graça, dado que se baseia em um ótimo enredo (sendo bastante fiel, em certa medida, ao original), bem interpretado, e com uma fotografia e escolhas de cenário/figurino estonteantes. A linguagem visual do filme é bastante vanguardista, criando uma fotografia linda e cenas poéticas, enriquecendo ainda mais uma história naturalmente encantadora.





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