Pular para o conteúdo principal

Cem melhores crônicas (Mario Prata)

Sem nunca ter, de fato, ocupado um lugar de primazia dentre meus cronistas preferidos, Mario Prata já me trouxe algumas leituras leves, descompromissadas, pautadas por um tom informal, de bate-papo com o leitor; dentre elas, por exemplo, está o divertido "Diário de um magro", que relata as travessuras do narrador dentro de um spa.

O que sempre me incomodou na escrita do autor não foi propriamente o seu estilo, mas a sua excessiva liberdade; a título de ilustração, vale comentar seu livro mais conhecido, "Mas será o Benedito?", que cria falsas etimologias para várias palavras da língua portuguesa. Um leitor mais desavisado, que "compre" as histórias oferecidas pelo escritor, sairá deliciado da experiência, mas igualmente repleto de informações equivocadas.

Nas 100 crônicas (que, na verdade, são 129), não há este aspecto megalomaníaco de Prata, o que torna a leitura mais crível - e prazerosa. Nem sempre o tom empregado pelo autor está desprovido de algum preconceito (como quando descreve um personagem negro ou uma mulher estereotipada), mas, no geral, os textos são interessantes. Por não se deter muito em aspectos políticos ou sociais (ainda bem, pois nota-se a sua coxinhazisse), preferindo analisar detalhes do cotidiano, o autor compõe textos despretensiosos, mas que valem a leitura. Não chega a ser a prata da casa, mas é um bom ouro de tolo.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

1984 (George Orwell)

Vulgarizado após a criação dos reality shows , o livro de George Orwell se tornou um daqueles clássicos que todos comentam e que ninguém leu. Qualquer um quer falar com propriedade do Grande Irmão, da sociedade vigiada, mas todos esses clichês não chegam perto do clima opressor que o autor impõe à sua narrativa. 1984 é uma obra provocativa e premonitória. Ainda que as ditaduras não tenham obtido o poder previsto pelo escritor (pois se travestiram de democracia), os cenários descritos são um retrato mordaz dos nossos tempos modernos. Um exemplo: para entreter a grande massa (os "proles"), o governo do Grande Irmão tem em seu poder máquinas que criam letras de músicas de amor aleatoriamente. Essas canções, desprovidas de essência humana, são entoadas pelo povo e logo se tornam o ritmo do momento. E assim se revela mais um dos inúmeros meios de controlar uma população que não pensa, não critica e não questiona. Quando foi escrito, 1984 era uma obra futurística. Lido h...

As três Marias (Rachel de Queiroz)

Protagonistas femininas para um romance escrito por uma mulher - uma mudança de perspectiva tão necessária em meio a esses nossos cânones machistas. Rachel de Queiroz é escritora de mão cheia, e não se deixa vender ao estereótipo de moça que escreve para relatar seus conflitos pessoais. Sua obra é social, intensa, mas sem diminuir o interesse psicológico de seus personagens. Trechos: "A gente pensa que a infância ignora os dramas da vida. E esquece que esses dramas não escolhem oportunidade nem observam discrição, exibem-se, nus e pavorosos, aos olhos dos adultos e aos dos infantes, indiferentemente." "-Conheça o teu lugar, minha filha.. (Isto é: 'Pense em quem é você, na mãe que lhe teve, mulher sem dono e sem lei, que lhe largou à toa, criada por caridade. A vida se mostra, à sua frente, bela, sedutora, iluminada. Mas, para você, é apenas uma vitrina: não estenda a mão, que bate no vidro; e não despedace o vidro; você sairá sangrando... Contente-se ...

Cartas a um jovem poeta (Rainer Maria Rilke)

Esse é um daqueles livros que de tão recomendados, citados, comentados, já parecem ter sido lidos antes mesmo da primeira virada de página. Tinha uma visão consolidada de que o tema desta obra eram os conselhos que um escritor pode passar a outro - e não imaginava que, antes de tudo, essas cartas são uma espécie de manual para a vida. Tão necessário, aliás. Rilke se ancora na literatura, mas passeia por caminhos diversos: a solidão, a escolha da mulher, as amizades, os valores morais de cada um... Como um mestre frente a seu discípulo, o escritor o guia pela mão através do mundo. Nem sempre os seus ensinamentos são indiscutíveis. Há material que sobra, existem conselhos deixados de fora. Mas, superando seus pequenos deslizes como filósofo, Rilke se apoia na força das palavras. Seu discurso é uma torrente que nos leva, com um vigor romântico contagiante. Trechos: Uma única coisa é necessária: a solidão. A grande solidão interior. Ir dentro de si e não encontrar ninguém durante h...