Pular para o conteúdo principal

Outros jeitos de usar a boca (Rupi Kaur)

Poesia pode ser best-seller? O livro da poeta canadense (de família indiana) Rupi Kaur demonstra que sim - afinal, foram mais de 40 semanas na lista dos mais vendidos, e isso apenas no EUA. No entanto, dado o inusitado da situação, fica a pergunta: o que fez este conjunto de poemas tão diferente de seus pares, a ponto de atingir tal popularidade?

Em uma análise breve, poderíamos considerar a globalidade do discurso de Kaur: entre indiana e canadense, Ocidente e Oriente, elitizada e popular. Com braços de polvo, que englobam diferentes culturas, discursos, apelos, sua poesia dá voz a muitos - ao contrário, talvez, da poesia tradicional, centrada na voz de um eu lírico que nem sempre compartilha seu discurso com o leitor (muitas vezes, apenas o quer como espectador).

Outro ponto que torna os poemas mais acessíveis é a linguagem, que carrega a síntese e a intensidade do gênero poesia mesclados a algo novo. Não se trata apenas do coloquialismo; é um despojamento pleno, que, muitas vezes, recorda memes de internet. Assim, nem sempre a qualidade se mantém ao longo dos versos - alguns poemas são triviais demais, de fraco impacto. No entanto, de forma geral, o que Rupi Kaur consegue elaborar com poucos elementos, se não é perfeito, é surpreendente.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

1984 (George Orwell)

Vulgarizado após a criação dos reality shows , o livro de George Orwell se tornou um daqueles clássicos que todos comentam e que ninguém leu. Qualquer um quer falar com propriedade do Grande Irmão, da sociedade vigiada, mas todos esses clichês não chegam perto do clima opressor que o autor impõe à sua narrativa. 1984 é uma obra provocativa e premonitória. Ainda que as ditaduras não tenham obtido o poder previsto pelo escritor (pois se travestiram de democracia), os cenários descritos são um retrato mordaz dos nossos tempos modernos. Um exemplo: para entreter a grande massa (os "proles"), o governo do Grande Irmão tem em seu poder máquinas que criam letras de músicas de amor aleatoriamente. Essas canções, desprovidas de essência humana, são entoadas pelo povo e logo se tornam o ritmo do momento. E assim se revela mais um dos inúmeros meios de controlar uma população que não pensa, não critica e não questiona. Quando foi escrito, 1984 era uma obra futurística. Lido h...

As três Marias (Rachel de Queiroz)

Protagonistas femininas para um romance escrito por uma mulher - uma mudança de perspectiva tão necessária em meio a esses nossos cânones machistas. Rachel de Queiroz é escritora de mão cheia, e não se deixa vender ao estereótipo de moça que escreve para relatar seus conflitos pessoais. Sua obra é social, intensa, mas sem diminuir o interesse psicológico de seus personagens. Trechos: "A gente pensa que a infância ignora os dramas da vida. E esquece que esses dramas não escolhem oportunidade nem observam discrição, exibem-se, nus e pavorosos, aos olhos dos adultos e aos dos infantes, indiferentemente." "-Conheça o teu lugar, minha filha.. (Isto é: 'Pense em quem é você, na mãe que lhe teve, mulher sem dono e sem lei, que lhe largou à toa, criada por caridade. A vida se mostra, à sua frente, bela, sedutora, iluminada. Mas, para você, é apenas uma vitrina: não estenda a mão, que bate no vidro; e não despedace o vidro; você sairá sangrando... Contente-se ...

Cartas a um jovem poeta (Rainer Maria Rilke)

Esse é um daqueles livros que de tão recomendados, citados, comentados, já parecem ter sido lidos antes mesmo da primeira virada de página. Tinha uma visão consolidada de que o tema desta obra eram os conselhos que um escritor pode passar a outro - e não imaginava que, antes de tudo, essas cartas são uma espécie de manual para a vida. Tão necessário, aliás. Rilke se ancora na literatura, mas passeia por caminhos diversos: a solidão, a escolha da mulher, as amizades, os valores morais de cada um... Como um mestre frente a seu discípulo, o escritor o guia pela mão através do mundo. Nem sempre os seus ensinamentos são indiscutíveis. Há material que sobra, existem conselhos deixados de fora. Mas, superando seus pequenos deslizes como filósofo, Rilke se apoia na força das palavras. Seu discurso é uma torrente que nos leva, com um vigor romântico contagiante. Trechos: Uma única coisa é necessária: a solidão. A grande solidão interior. Ir dentro de si e não encontrar ninguém durante h...