Com uma forte veia memorialista, Graciliano é um daqueles autores que se conhece e se reconhece aos poucos - cada nova leitura proporciona uma inédita abordagem de sua obra. Ainda que esta afirmação seja extremamente genérica, não deixa de ser válida (ao menos nas minhas próprias experiências de retomada dos romances do alagoano).
"Vidas secas", narrado em terceira pessoa, é uma exceção no conjunto da obra do autor, voltada para elementos da própria biografia. No entanto, após conhecer "Memórias do Cárcere", identifiquei algumas das experiências de Ramos metamorfoseadas nas vivências da família de Fabiano. Como não associar, por exemplo, a fragilidade do protagonista frente ao soldado amarelo com a prisão injustificada do autor durante a ditadura de Getúlio?
As camadas de significados do romance são outra boa surpresa que só a releitura pode proporcionar. Mestre dos cortes e da concisão, ao escolher cada vocábulo para compor as vidas secas, Graciliano tece todo um leque de significados, nem sempre acessível ao leitor menos atento. Conforme vamos mergulhando reiteradamente no livro, o processo de extrair esses sentidos se torna talvez mais fácil, com certeza mais enriquecedor.
O filme homônimo de 1963 é uma excelente produção, que só perde quando comparada à obra original. Alguns elementos fundamentais no romance não aparecem na tela do cinema: o aspecto inovador da estrutura da obra, "romance desmontável"; o olhar do narrador que sempre segue o de seus personagens; a linguagem mínima dos protagonistas. No entanto, considerado em si, o longa apresenta uma série de qualidades: boas cenas (como a tomada do menino mais novo e a da morte de Baleia), atores excelentes, fotografia tocante. Não é um substituto, mas sim uma excelente releitura.
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