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Poesia traduzida (Carlos Drummond de Andrade)

O volume de poesia traduzida por Carlos Drummond de Andrade, publicado pela extinta Cosac Naify, é um exemplo do trabalho criterioso que tanto nos faz sentir falta dessa editora. Não só há uma pesquisa intensa para recuperar os poemas traduzidos por Drummond em publicações esparsas e sob pseudônimos, como há notas contextualizadoras de cada um dos autores que passaram pelas mãos do itabirano no seu processo de encontrar correspondências poéticas entre as línguas.

Considerando o quão recentes são os estudos de tradução (que começaram a se consolidar apenas na década de 1970), é admirável o instinto que o nosso poeta, tradutor amador de poesia, tinha para o trabalho. Ainda guiado pela linha teórica francesa, que admitia verdadeiras recriações literárias pelo tradutor, o trabalho de Drummond na área tem a qualidade de não ignorar a forma.

Para cada um dos poemas traduzidos (seja do francês, do inglês, do espanhol ou de outras línguas, por meio de traduções indiretas), há uma escolha de termos criteriosa, que visa retomar um pouco do efeito que o poema original causa. Assim, não temos aqui uma visão conteudística, tão comum em tradutores iniciantes. Pelo contrário: em alguns casos, a recriação poética é tão grande que vemos mais um poema de Drummond que da fonte original. De qualquer forma, é uma interessante opção para quem deseja conhecer o outro lado de nosso escritor gauche na vida e, de quebra, ler uma ótima seleção de poesia.



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