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Sob o solo (Bianca Pinheiro e Greg Stella)

Um dos aspectos cruciais da novela gráfica, como o próprio nome indica, é o traço do ilustrador. A narrativa se desenvolve em dois eixos simultâneos (visual e verbal), que devem se unir para contar uma história. Assim, é comum que em HQs não tão bem planejadas um aspecto se sobreponha ao outro ou que ambos não conversem muito entre si.

"Sob o solo" pode dar a impressão inicial de uma obra em que o verbal seja mais importante do que o traço – afinal, quase todos os quadros das cenas consistem em alguns bonequinhos-palitos dialogando. No entanto, é com muito trabalho que os autores chegaram à simplicidade proposta nas páginas.

Tal como muito fica oculto no desenho de um boneco-palito (os traços simples não dão conta das características e complexidades da personalidade retratada), também nas falas entrecortadas dos personagens muito não se diz. É nas entrelinhas da ilustração e das poucas falas que vamos construindo as possibilidades de interpretação dessa história, que são múltiplas. Em um contexto em que tão pouco é revelado, o título não poderia ser mais certeiro: é preciso ir muito além da superfície em "Sob o solo".


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