O arquétipo do artista pobre, que só atinge fama e sucesso próximo à morte (ou depois dela) é bastante recorrente, seja na vida real ou na ficção. No entanto, por mais que falemos dessa miséria, poucas vezes entramos em contato com sua dimensão concreta. Não é isso o que ocorre neste livro de Orwell – aqui, entramos em contato com o lado mais carente, imundo, renegado daqueles que transitam à margem.
Em certos pontos, o relato do autor me lembrou um pouco dos livros escritos sobre os campos de concentração; a diferença maior é que nele é descrita uma catástrofe que não tem fim e nem está vinculada a um cataclismo histórico. O que é mais triste é a cotidianidade da miséria, as massas que atravessam os séculos sem nada mais que breves e ilusórios paliativos, quando muito.
Algumas das cenas me remeteram à construção social de 1984: não é difícil enxergar onde a distopia se apoia na vida moderna. Mesmo que grande parte do livro tenha o tom mais confessional de um diário, certos capítulos são bastante filosóficos e propõem uma análise social profunda, tal qual veremos nos romances posteriores de Orwell.
Perspicaz, sem dúvida. Mas esta publicação do autor não está entre as minhas preferidas; além da crueza do tema, há mais de uma cena exageradamente machista. Geralmente, as inserções chauvinistas ocorrem por meio das falas de outros personagens, que não o narrador; mesmo assim, é possível entrever sua concordância com os discursos furibundos que o cercam.
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