Quando muitos anos me separam de uma leitura, geralmente retenho mais a sensação do encontro com a obra do que detalhes de enredo, aspectos da narração, personagens. Contudo, Ensaio sobre a cegueira é um livro do qual ainda muito me recordava. Se algo estava mais oblíquo nas minhas memórias, provavelmente era o poder de escrita de Saramago. E o final de livro e filme, ao qual tinha atribuído uma solução ingênua, sem perceber a potente ambiguidade que carregam.
Fui engolfada pelas palavras do escritor, ainda que recordasse de antemão boa parte dos acontecimentos da trama. Deparei-me com uma perspectiva mais crítica em relação ao romance (muitos questionam, por exemplo, um suposto discurso capacitista), mas a verdade é que pouco me incomoda profundamente no romance. Até alguns aspectos que esbarram no machismo (como o fato de a personagem principal ser apenas "a mulher do médico") podem ser lidos em um leque mais abrangente, em que essas disparidades do discurso são o reflexo de uma sociedade desigual.
O filme de Fernando Meirelles também envelheceu bem. Alguns recursos de filmagem colocam em relevo inconsistências, como placas em inglês no cenário tão marcadamente brasileiro de São Paulo. Contudo, as atuações e a direção são tão potentes que o restante passa quase despercebido. Não é à toa que o próprio escritor se emocionou com a transposição de seu romance para as telas.
Comentários
Postar um comentário