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Martín Fierro (José Hernández)

Se analisar a obra de Monteiro Lobato, que está mais restrita ao âmbito da literatura infantil, já nos é doloroso, imagino quanto não deve ser problemática para os argentinos a figura de Martín Fierro. O herói gaucho não só é um dos símbolos da literatura nacional, mas do próprio conceito de pertencimento à terra.

Entre as muitas barbaridades de Fierro, estão violências contra a mulher, o negro e o indígena. Tudo é tingido com as cores da brutalidade, sem espaço para meios-termos. Exemplifico: uma das cenas mais lembradas do poema é o assassinato de um bebê e o uso das tripas para amarrar os braços da mãe. Ainda que Fierro chegue para salvar a personagem, os embates aos quais se propõe são igualmente banhados em sangue.

Contudo, não é preciso muito para entender o porquê de o livro ter se tornado clássico: o ritmo dos versos é hipnótico, quase como o dos nossos cordéis. Inclusive, um dos pontos altos da obra é uma disputa em versos ao final, semelhante a um desafio no repente ou de uma batalha de rap. Além disso, o questionamento às autoridades e ao poder segue repercutindo hoje.

Fierro também antecipa importantes discussões sobre a linguagem, trazendo fortes elementos da oralidade para seu poema. A palavra cabe na boca do gaucho, sem criar estereótipos rasos do homem do campo. E talvez aí haja alguma avaliação final do livro: é uma incursão profunda...seja pelos pampas, seja pelos ódios que propaga.




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