Sempre desconfio de prosadores que se enveredam pelos caminhos da poesia – mas Conceição Evaristo faz questão de mostrar que ocupa o lugar que quiser, com toda a potência de sua voz.
O livro é dividido em seis partes, não nomeadas. Como temas centrais de cada uma delas, vemos a autora discorrer sobre a ancestralidade, o feminino, a esperança, o amor, a metalinguagem e a morte/o medo. Assim, a obra traça quase o percurso de uma vida, que começa com aqueles que vieram antes de nós e culmina na troca, no diálogo… na convivência que antecede o fim.
É incrível como Conceição tece seus textos, puxando na linha o fio de outros escritores: no verso do bordado, temos Drummond, os trovadores medievais, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, Fernando Pessoa. Uma das mais potentes intertextualidades é o confronto de Clarice Lispector e Carolina Maria de Jesus, que relembrou muito minha impressão ao visitar exposições sobre ambas as escritoras no IMS.
A conversa de Clarice e Carolina começa aqui, mas vai longe.
Carolina na hora da estrela
No meio da noite Carolina corta a hora da estrela.
Nos laços de sua família um nó
– a fome.
José Carlos masca chicletes.
No aniversário, Vera Eunice desiste
do par de sapatos,
quer um par de óculos escuros.
João José na via-crúcis do corpo,
um sopro de vida no instante-quase
a extinguir seus jovens dias.
E lá se vai Carolina
com os olhos fundos,
macabeando todas as dores do mundo…
Na hora da estrela, Clarice nem sabe
que uma mulher cata letras e escreve
“ De dia tenho sono e de noite poesia”
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