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Mostrando postagens de junho, 2019

A traição das elegantes (Rubem Braga)

A crônica que intitula esta reunião de escritos de Rubem Braga é uma das que menos gosto no livro; é um dos casos em que não consegui relegar a ideia de que o autor pertence ao século passado, com um discurso carregado das vozes de seu tempo. Por mais suave e enamorador que seja Braga, há certas nuances de desigualdade de gênero em sua obra - e é preciso saber considerá-las sem cair em um juízo anacrônico. Por difícil que seja distanciar a leitura dos nossos valores atuais, de nossa vontade de desconstruir vozes passadas, o fato é que Braga continua sendo um escritor de uma obra rica e variada - ainda que pincelada aqui e ali por algum preconceito de época. "A traição das elegantes" traz algumas das crônicas e passagens mais bonitas que li do autor até então. Neste livro, já homem maduro, o artista reflete sobre o tempo que passa e tão poucos rastros deixa. As críticas à ditadura e ao fascismo são igualmente interessantes, e ajudam a não deixar que o tempo transforme Brag...

O olho mais azul (Toni Morrison)

Primeira escritora negra a receber um Nobel de literatura, Toni Morrison tem um lugar de fala bastante definido dentro dos círculos literários. Sua potente voz denuncia não só o preconceito racial mais explícito, mas também as práticas centenares e mais sutis de exclusão. Seu primeiro romance, "O olho mais azul", trabalha um aspecto aparentemente menos dolorido da opressão: os padrões de beleza. No entanto, é a partir das minúcias, dos detalhes relegados como pautas menos importantes na discussão sobre o racismo, que Toni Morrison constrói a força de seu discurso. Ao eleger meninas negras para a maioria de suas protagonistas na obra, a autora contrapõe uma outra possibilidade ao romance de formação: não mais a história de homens brancos no século XIX, mas a de garotas permanentemente excluídas da mesma sociedade que escravizou seus antepassados. Toni Morrison é uma voz de levante, sem deixar de ser poética e nem de imerecer os prêmios que lhe são de direito.

Recuperação (Gustavo Borges)

Mais um volume da Graphic MSP, "Recuperação" estrela o personagem Cebolinha, dessa vez lidando com a falibilidade de seus planos na vida real.  O volume tem como ponto alto trazer para a discussão a temática do trabalho, mostrando o seu Cebola desempregado (e deprimido) e a dona Cebola na posição de provedora do lar.  Ainda que não tenha gostado tanto do traço do artista, o roteiro é construído com sensibilidade o suficiente para valer a leitura.

El cantar de mío Cid

Obra fundadora da literatura espanhola, "El cantar de mío Cid" traz características próprias de um poema épico: sendo um cantar civilizacional, erige as bases de uma nação ao mesmo tempo que consolida a língua pátria. Ler uma obra de quase 1000 anos é entrar em contato profundo com a sociedade de então. Para entender o contexto de expulsão dos mouros, poucos livros conseguem ser tão ilustrativos: em alguns trechos, chegam a ter um tom humorístico as situações inverossímeis nas quais mío Cid é retratado como alguém amado pelos muçulmanos. A mensagem é de que a bondade cristã é louvável mesmo quando conduz o extermínio de outros povos. Permeado de cenas de guerra, não deixa de ser curioso o fato de que os versos iniciais apresentem o herói da epopeia chorando. Ainda que a construção da obra tenha um viés absolutamente maniqueísta, é interessante observar que a figura do herói tinha não só coragem, mas também sensibilidade.

Um pé de milho (Rubem Braga)

Mais uma reunião das crônicas de Rubem Braga, "Um pé de milho" tergiversa sobre variadas temáticas. Ainda que seja difícil identificar uma unidade comum a todas as crônicas, tarefa menos complicada é localizar no conjunto pequeninas obras de arte - ainda que tão despretensiosas. O texto que abre a reunião de crônicas ("Eu e Bebu na hora neutra da madrugada") é uma releitura genial de "A Igreja do Diabo", de Machado de Assis, e só por ela já vale a leitura de todo o volume. Algumas crônicas sobre a passagem do tempo, como "A companhia dos amigos", trazem profundas reflexões do escritor, já mais maduro. Por fim, outro aspecto que se destaca no conjunto é a crítica política, que se manifesta em poucos textos - mas de forma bastante intensa. É interessante ver em Braga (o cronista das coisas belas do cotidiano) uma voz contra a opressão, a burguesia acomodada e a ditadura.

Polititica (Glauco Mattoso)

Glauco Mattoso é um poeta que me foi apresentado durante a faculdade - no entanto, uma apresentação parcial, em que o professor elogiava sua capacidade de metrificação sem ler nenhum de seus poemas. A censura não é sem explicação; com uma língua ferina e exaltação a práticas de bondage , é um poeta que não casa bem com as sensibilidades mais frágeis. "Polititica" é um livro especialmente interessante no contexto atual. Este é um (des)governo marcado por recriminação a práticas sexuais, reais ou inventadas: afinal, não era de se esperar de uma administração séria pautas como a discussão de um suposto kit gay ou indagação sobre os significados ocultos do golden shower . Assim, uma poética que exalte a linguagem sem pudores é também uma forma de escancarar outros melindres políticos. Nem todos os poemas versam necessariamente sobre a política; no entanto, os que o fazem são geniais. Neste livro, além da métrica rica, Mattoso revela sua aguda percepção de um panorama so...