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Mostrando postagens de novembro, 2021

La tregua (Mario Benedetti)

Apesar do título, La tregua  é um livro que exige permanente luta do leitor (ainda mais quando estamos acostumados a reivindicar uma literatura que se faça sem estereótipos e preconceitos). O romance é quase um campo de batalha entre as nossas crenças e a perspectiva de mundo de um homem branco dos anos 1950, prestes a se aposentar. Machismo, homofobia, relações abusivas. Não faltam motivos para odiar o protagonista da trama. E, ainda assim, ela nos toca no pouco de humanidade que temos inegavelmente em comum. É pela perda que a narrativa nos conecta ao seu tão antiquado protagonista. Construído com entradas curtas (o livro mimetiza um diário), tive dificuldade em me envolver com as primeiras páginas da obra. No entanto, sem perceber, o livro reverberou em mim como um favorito. É um desafio gostar dessa obra; contudo, para que afinal a literatura serve, se não para nos colocar em contato com o extremo outro?  

Ensaio sobre a cegueira (José Saramago) + filme de 2008

Quando muitos anos me separam de uma leitura, geralmente retenho mais a sensação do encontro com a obra do que detalhes de enredo, aspectos da narração, personagens. Contudo, Ensaio sobre a cegueira  é um livro do qual ainda muito me recordava. Se algo estava mais oblíquo nas minhas memórias, provavelmente era o poder de escrita de Saramago. E o final de livro e filme, ao qual tinha atribuído uma solução ingênua, sem perceber a potente ambiguidade que carregam. Fui engolfada pelas palavras do escritor, ainda que recordasse de antemão boa parte dos acontecimentos da trama. Deparei-me com uma perspectiva mais crítica em relação ao romance (muitos questionam, por exemplo, um suposto discurso capacitista), mas a verdade é que pouco me incomoda profundamente no romance. Até alguns aspectos que esbarram no machismo (como o fato de a personagem principal ser apenas "a mulher do médico") podem ser lidos em um leque mais abrangente, em que essas disparidades do discurso são o reflexo ...

O jardim (Carlos Drummond de Andrade/Atak)

Há uma frase de Cícero (se não me engano) que afirma: aquele que tem uma biblioteca e um jardim não precisa de mais nada. Essa publicação da Companhia das Letrinhas é o objeto que incorpora essa máxima em toda a plenitude: além de passearmos pelas palavras de Drummond (trechos esparsos recortados de sua produção), pousamos o olhar nas flores e ervas que crescem pelas páginas. Cada virada de folha é uma semente nova que brota no jardim, criando inumeráveis possibilidades de palavra e ilustração. E que bonito é ver tudo crescer e ramificar em nós.

310 perguntas que nunca fiz ao meu avô (Fernando Bonassi/Luiz Maia)

Não há pontos finais neste livro infantojuvenil; do começo ao fim, somos engolfados em uma maré de perguntas. E, entretanto, a obra trata sobre aquilo que encerra todos os discursos, o ponto final definitivo: a morte de quem amamos. A relação do autor com seus avós passa longe de ser idílica (e justamente por isso mais nos toca). É justamente nos diálogos que não ocorreram, nos espaços em branco do pouco tempo de convivência, que o autor encaixa seus perspicazes questionamentos. 

Notas sobre o luto (Chimamanda Ngozie Adichie)

O canto de dor de Chimamanda ao narrar a morte de seu pai repercute em qualquer um de nós que já tenha vivenciado o luto. Mais do que o sentimento profundo da perda, o livro também compartilha a angústia de quem teve de acompanhar o velório de um ente amado pelo Zoom, em plena crise da covid-19. Há um tom de diário nesses textos sobre a experiência da morte – um desabafo, um desespero. A obra não está preocupada em oferecer consolo aos que ficam, tampouco se constitui somente de homenagens ao pai. Trata-se mais de insistir no direito a ficar triste, o deixar-se lamuriar sobre o papel. Não é uma obra para quem busca conforto. Entretanto, não é por isso que deixa de causar identificação – mesmo que seja entre lágrimas.

Sonhos em tempo de guerra (Ngugi wa Thiong'o)

Aprendi muito sobre a história do Quênia ao ler estas memórias de infância de um dos autores mais reconhecidos do país. Além do panorama histórico, os detalhes do próprio cotidiano são os que me mostraram, mais claramente, o enorme fosso que nos separa. Contudo, nem tudo é choque cultural nessa alteridade; a relação que o autor das memórias tem com o estudo e com a leitura criam uma identidade com o público-alvo da obra. Outro ponto que permite tecer costuras com elementos de minha própria realidade é o protagonismo da mãe do autor, uma das personagens mais interessantes da obra. Além de ser a grande força motora a incentivar os estudos de seus filhos, é uma mulher que teve a coragem de se desligar de um marido violento e retornar à casa dos pais. No caminho, deixou todas as posses que tinha e teve de recomeçar sem segurança, além de já ter os filhos sob sua responsabilidade. Mesmo que não se proponha como tal, as memórias de Ngugi não deixam de ser uma bela homenagem à sua progenitora...

El texto encuentra un cuerpo (Margo Glantz)

Tenho me apaixonado por tudo o que a Relicário Edições publica sob o selo Nosotras – foi esse o caminho que fiz para encontrar este livro singular de Margo Glantz, assim que ouvi seu nome anunciado como próximo lançamento da editora. Conjunto de ensaios literários que seguem, em geral, um fio condutor que passa pelo corpo e pela escrita das mulheres, o livro não me conquistou. Além de não estar a par de muitos dos nomes citados (que são bastante eurocêntricos, aliás), há algo na própria estrutura dos textos que me incomodou. Cada ensaio termina como um ponto sem nó, passando a ideia de inconcluso, esboço ao qual falta uma conclusão. O livro tem boas passagens e reflexões, mas elas não conseguem sustentar, sozinhas, o edifício da obra.

Space Jam (filme de 2021)

Tenho uma vaga lembrança do Space Jam original e da sensação de estranhamento divertido que causava ao misturar live action com animação. Das cenas de disputa de basquete, não me lembro de quase nada – e são mais ou menos essas sensações que guiaram minha experiência com o segundo filme. O pout-pourri de criações da Warner Bros. (desde Harry Potter até Batman) é um recurso a mais para tornar a obra bastante divertida. Ainda que não tenha me atentado muito às cenas do jogo em basquete em si, é um entretenimento divertido, principalmente para quem consegue perceber os easter eggs em meio à quadra.