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Mostrando postagens de outubro, 2018

Eu sei por que o pássaro canta na gaiola (Maya Angelou)

O que Maya Angelou conta não tem nome. Sua resistência, luta, superação, coragem vão muito além do que esperamos em nossa ilha de conforto e conformismo branco. Assim, só ela pode ter plena consciência sobre o porquê de narrar a própria história; só ela sabe por que o pássaro canta na gaiola. A autora, além das inúmeras outras profissões e cargos que exerceu ao longo da vida, se aventurou principalmente em dois campos literários: a poesia e a biografia. Esta obra, seu primeiro relato de memórias, é absurdamente impactante e passa longe dos erros que poderiam ser esperados em um livro de estreia. Se a existência de Maya já é o suficiente para gerar o interesse do leitor, ela não basta para a escritora. Não só somos presenteados com uma biografia potente, mas também com um estilo vigoroso, extremamente poético (não é à toa que a autora também se dedicou a esse gênero). Ora tocante, ora de revirar o estômago, é uma literatura que pode causar de tudo - menos indiferença.

Comunicação não violenta (Marshall Rosenberg)

Nos dias que correm, qualquer tipo de comunicação efetiva com o outro é válida - ainda mais se marcada pela aceitação, empatia, não violência. O livro de Marshall Rosenberg não foi particularmente revelador para mim, mas confesso que, enquanto o lia, pensava no quanto ele poderia ser de boa ajuda àqueles que precisam redescobrir sua humanidade. Há sim problemas, e vários. A obra é excessivamente autoelogiativa, e não se preocupa em apresentar as falhas e erros do método. Assim, sem uma visão crítica sobre o processo que propõe, o texto acaba ficando um tanto frágil.  No entanto, o simples fato de propor uma reflexão sobre a linguagem já pode levar a bons insights. Afinal, criar pontes comunicativas não é um processo natural. Para alcançá-lo, há que se ir além do instinto e da recusa do outro.

A menina do capuz vermelho e outras histórias de dar medo (Angela Carter)

Angela Carter foi uma questionadora escritora britânica,  que soube escrever desde versões empoderadoras dos contos de fada (que irritaram aos conservadores) até uma releitura feminista de Marquês de Sade (que irritou aos progressistas).  Como pesquisadora, Carter também foi polêmica, como o prova a reunião de contos da tradição oral em "A menina do capuz vermelho e outras histórias de dar medo". Desde inuítes até relatos da tradição afro-americana moderna, as narrativas coletadas pela britânica têm o comum o estranhamento, o choque e um universo trágico muito diferente do imaginado pela Disney. Ainda que sejam poucos, os contos do livro são o suficiente para mexer com o leitor. Mais chocantes do que as coletâneas originais de Perrault e dos Irmãos Grimm, essas narrativas contam com elementos inesperados no gênero, como piadas sujas e humor sarcástico, provando que os contos de fada são muito mais sombrios do que aparentam.

Uma noite na praia (Elena Ferrante)

Diante de tantos escândalos nas redes sociais relacionados a livros infantis, é de se imaginar como seria a recepção desta obra de Ferrante por aqueles que acreditam que literatura para crianças deve ser moralizante e extremamente literal, sem espaço para a imaginação. "Uma noite na praia" dialoga com o final da série Napolitana, que tornou a escritora italiana tão conhecida. Além da questão temática, até a linguagem utilizada se assemelha muito ao universo das personagens Lina e Lenu na infância (e talvez seja justamente esse recurso que cause o estranhamento). Em seu livro destinado às crianças, Ferrante diz o que elas querem escutar, sem passar panos quentes na violência que rege o universo infantil (inclusive a sexual). Assim, é uma produção que tem de tudo para agradar e provocar a imaginação dos pequenos - na mesma proporção em que pode irritar os pais por sua sinceridade desenfreada. 

Nuvens (Hilda Machado)

Este curto livro interessa tanto pela produção poética em si quanto pela história que levou até ele. Hilda Machado, pesquisadora de cinema, era uma poeta que não se assumia enquanto tal. Foi graças à contínua insistência de amigos que acabou por ceder um ou dois poemas para publicação em um jornal de pequena circulação - que acabou chegando ao também poeta Ricardo Domeneck. Assim, a obra publicada pela Editora 34 só foi possível pela paixão que 1 poema despertou. No belo prefácio, Domeneck conta o quanto demandou tempo descobrir quem era, de fato, Hilda Machado... e como suas esperanças foram frustradas ao saber que a inédita escritora havia se suicidado. Os poemas recolhidos na obra vieram envoltos pelo luto, símbolos de uma produção rara. Filho único da poeta, "Nuvens" é um presente para o leitor. Tal como Hilst, temos aqui outra Hilda sarcástica, poderosa e extremamente lírica. Ainda que o conjunto de poemas curtos que dá título ao livro não seja tão memorável, seus te