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Mostrando postagens de fevereiro, 2021

Voyage à Marseille (Sylvie Lainé)

Mais um graded reader de Sylvie Lainé, mais um livrinho centrado nas desventuras do casal Melba e Louis. A cada obra da coleção, gosto um pouquinho mais da escrita de Lainé. Ainda que não dê para fazer milagre com o vocabulário restrito do francês, é um bom incentivo para continuar lendo e estudando o idioma.

Temporada de huracanes (Fernanda Melchor)

Talvez uma metáfora gasta, mas que funciona com o livro de Melchor, é que ele nos atinge como um furacão. Tão diferente de boa parte da literatura que se produz hoje, passa longe dos terrenos férteis da autoficção, do texto repleto de frases memoráveis, da linguagem coloquial urbana e civilizada.  No princípio, a impressão é de que estamos diante de um original cru, com parágrafos enormes, excesso de repetições, gírias a lotar cada página. Conforme vamos sendo tragados para dentro do furacão, conseguimos entender a lógica que ordena o que parecia disforme, sem nexo. E, uma vez atingida essa compreensão, não conseguimos mais largar a obra, que nos devora enquanto abala a estrutura literária confortável e o destino dos personagens. Não há heróis nem vilões nesta temporada. São todos filhos da pobreza extrema, da falta de perspectivas, do meio inescrutável (desse ponto de vista, lembra as personagens de Ana Paula Maia). Quando percebemos, estamos torcendo pelo garoto estuprador ou recrimi

Meu corpo minha casa (Rupi Kaur)

Rupi Kaur é muito criticada pela academia — e, por vezes, pelos  resenhistas do BookTube (que, por sua vez, também são repelidos pelos especialistas enclausurados no próprio ego). De certa forma, eles têm razão: há algo de coloquialidade na poesia de Kaur que vai pouco além de frases estampadas em camisetas, posts prontos, verdades de porta de banheiro.  Talvez incomode o fato de que, de certo ponto de vista, a poesia de Kaur corresponde ao que se espera dela. Assim, acaba sendo um texto útil, contra toda a ideia de que a literatura não deve ter um fim prático. Mesmo assim, a obra da canadense instagramável não se reduz a isso. Aborto, estupro, menstruação. Se, por um lado, a escrita da jovem canadense/indiana agrada por ser de fácil entendimento, por outro lado traz para a poesia temas que são frequentemente banidos da literatura. Qual foi o último grande poema da alta literatura que você leu sobre menstruação? Caso não venha nenhum à mente, talvez seja o caso de refrear as críticas a

Rosalie Lightning: memórias gráficas (Tom Hart)

Quando se falam em grandes quadrinhos, talvez nos venham à mente, imediatamente, histórias como as de "Persépolis" e "Maus". Isso é um bom sinal, já que mostra que há muito drama histórico escrito no gênero — o que ampliou o espectro das HQs para muito além do humor e da aventura. Entretanto, com a autoficção lotando as prateleiras das livrarias (ainda que virtuais), não é de se estranhar que hoje tenhamos muitos dramas pessoais contados magistralmente em HQ. E Rosalie Lightning é um desses casos. No livro, o autor expõe a curta vida da filha, que faleceu com menos de 2 anos. Na tentativa de viver e entender seu processo de luto, aos poucos o autor entra em contato com outros relatos, diversos, de quem passou por experiências parecidas. Assim, por mais que a sua dor seja enorme — e absolutamente justificável —, a maior beleza do livro talvez seja nos mostrarmos que não estamos sós. Mesmo com as perdas que carregamos. Sem uma linha cronológica definida, o livro resga

Charada (filme de 1963)

Costumo gostar bastante dos filmes com Audrey Hepburn — geralmente garantem, no mínimo, alguma boa diversão. Ainda que por vezes ela pareça estar interpretando sempre a mesma personagem (diversas recontextualizações das caras e bocas da Bonequinha de Luxo), há um traço de irreverência em sua atuação que é muito bem-vindo (especialmente considerando-se a época das produções). Talvez a figura inquieta das personagens de Audrey tenha ajudado a desmitificar a ideia da mulher ideal e esposa perfeita, já no início dos anos 1960. Mesmo que não dê para vê-la carregando faixas com dizeres sufragistas, o rompimento do estereótipo já é um bom começo. Como o próprio título sugere, "Charada" é um filme que coloca o espectador na posição de detetive. Cheio de reviravoltas rocambolescas, o enredo nos leva a desconfiar o tempo todo da maioria dos personagens, tentando resolver o mistério que emoldura a narrativa. Fora a trama romântica, que não convence (afinal, trata-se de uma mulher de 30

Aulas de literatura: Berkeley, 1980 (Julio Cortázar)

Transcrição das aulas de Cortázar na Universidade de Berkeley nos anos 1980, o livro traz bastante do autor comentando a própria obra, explicando seu processo criativo e os fundamentos que norteiam sua literatura. No entanto, longe de ser um curso autocentrado, as palestras de Cortázar usam seus próprios escritos como exemplos de características mais amplas da produção literária (especialmente a latino-americana). Assim, o livro transita por diferentes temas, como a definição (sempre inconclusa) de realismo e fantástico, o tempo e a fatalidade na trama, a musicalidade, o lúdico, o erótico e o humor na escrita. Por ser um escritor bastante engajado contra a ditadura e entusiasta do governo de Fidel, hoje já não é possível ler as aulas de Cortázar sem passá-las pelo filtro temporal que nos distancia da década de 1980. Ainda assim, no que se refere às técnicas e problematização da composição literária, continua uma obra muito atual.

Sonhos de Einstein (Alan Lightman)

Literatura escrita por um físico, o livro "Sonhos de Einstein" é de difícil definição: talvez um romance? Um ensaio científico com pano de fundo ficcional? A edição que li, publicada há alguns anos, sequer traz ficha catalográfica, como que para evitar etiquetar a obra múltipla em categorias predefinidas. E se o formato dos "Sonhos" é difícil de categorizar, quem dirá o seu conteúdo: cada um dos devaneios de Einstein é uma possibilidade física de entendimento do tempo. Assim, o livro parte da premissa de que o famoso físico alemão teria tido uma série de sonhos (cada um com uma hipótese sobre o tempo) antes de chegar à sua teoria da relatividade. O mais impressionante neste pequeno livro (além da escrita belíssima de Alan Lightman) é como cada uma das possibilidades de tempo, por mais absurdas que nos pareçam (o tempo que anda de trás para frente, o tempo em que é possível avançar sem pausas para o futuro, o tempo circular, o tempo que fica preso ao passado, entre m

A mulher ruiva (Orhan Pamuk)

Nunca havia lido nada de Pamuk, e foi interessante conhecer sua prosa por meio de um livro que dialoga tão fortemente com as mitologias ocidental e oriental. Calcado na obsessão de seu protagonista, o livro recorre às lendas de Édipo Rei (grega) e de Rostam e Sohab (turca), criando uma ponte entre narrativas distantes que trabalham com o mesmo princípio: o pai destinado a matar o filho e o filho destinado a matar o pai. Outra aproximação possível entre as culturas do lado leste e oeste do mundo se dá conforme o autor vai descrevendo o processo de urbanização de Istambul. Enquanto o começo do livro parece situado em um ambiente muito distante do nosso (com a figura de um artesão de poços e artistas circenses no meio do deserto), aos poucos os elementos vão se imiscuindo à nossa própria cultura: no final do romance, já nos deparamos com a industrialização e a tecnologia de massas, que tiram muitas das peculiaridades de cada povo  tradicional. O estilo de Pamuk me lembrou um pouco o de Ha

Weird Things Customers Say in Bookshops (Jen Campbell)

Neste livro, Jen Campbell reúne as bizarras experiências de diferentes livreiros com sua clientela — o que mostra que o frequentador de livrarias, muitas vezes, está longe de ser o consumidor mais bem-educado ou minimamente consciente possível. A coleção de relatos divertidíssimos me lembrou a época em que trabalhava como atendente de biblioteca (e o quanto fiquei estupefata com a má educação e má vontade de boa parte do público que a frequentava). Uma pena não ter registrado minhas desventuras de então — se não dariam um livro (como o de Jen Campbell), ao menos seriam alguns causos engraçados em terras brasileiras.

Kennedy e eu (filme de 1999)

Uma característica que costuma aparecer nos filmes franceses de que gosto é o narrador literário, que narra com beleza e uma pontada de ironia as cenas que se desenrolam ao longo da narrativa (vide Amélie Poulain). Em "Kennedy e eu", a narração do princípio parece nos situar diante de uma voz inteligente e perspicaz... quando, em verdade, estamos diante de um narrador-protagonista bastante detestável e supostamente niilista. Ao longo da trama, tive uma identificação mais forte com os personagens otimistas (que são zombados pelo protagonista) do que pelo papel principal. Além disso, a história que gira em torno da figura de Kennedy é apenas mais um gancho para a loucura do personagem, sem nenhum impacto maior na narrativa. Assim, se nem o título do filme parece coerente com a sua proposta... quem dirá o resto.  

A Copa (filme de 1999)

Certa vez, uma reportagem elegeu o Butão como o país mais feliz do mundo. Se, por um lado, o índice da suposta plenitude pode ser questionado, por outro ele parece bem contemplado no filme "A Copa" — que foi a primeira produção cinematográfica da pequena e alegre nação. Ambientado em um mosteiro budista, o mote do longa é bastante inusitado: conta como os pequenos monges fazem de tudo para poderem assistir à final da Copa de 1998. O motivo da torcida também tem uma pincelada política: afinal, a França (que foi a campeã do evento) era uma das poucas nações que reconhecia a existência do Tibet à época. Aliás, apesar do clima predominante ser de um humor leve (e que ajuda a desconstruir a figura do monge budista como um ser sem defeitos), há uma ou outra cena que trazem à tona as torturas, prisões e resistência política de quem defende o Tibet. Assim, ainda que seja uma obra leve, não deixa de ser bem contextualizada e uma fonte interessante de informações sobre um contexto que

Lar (Paulo Crumbin e Cristina Eiko)

Na graphic novel anterior ("Vida"), os artistas escolhidos já tinham demonstrado o domínio do traço e da arte de contar uma boa história. Claro que ter personagens tão interessantes quanto a Turma do Penadinho facilita o interesse na trama — ainda assim, não é motivo para Crumbin e Eiko não aprofundarem o contexto. Um dos pontos interessantes de "Lar" é justamente o trabalho com a condição de quem sobrevive dia a dia na metrópole. Ao mostrar a vida de ocupantes de um prédio desocupado, a HQ dá pinceladas na temática social (e mostra quanto uma vida precarizada é vizinha da Dona Morte).

The Artful Edit: On the Practice of Editing Yourself (Susan Bell)

Com a linguagem própria dos livros-guia para escritores, o diferencial da obra é oferecer exemplos variados das técnicas que coloca em destaque. Muitas das dicas e aprendizagens relativas à autoedição são comparadas com as diferentes versões de "O Grande Gatsby", mostrando tanto a visão certeira do editor Max Perkins como a atenção para os detalhes de F. Scott Fitzgerald. Os relatos de outras pessoas — escritores, fotógrafos, artistas plásticos — são outro ponto positivo do livro, que dá voz a facetas diferentes da arte e assim se enriquece com o compartilhamento de experiências. Para quem busca um livro mais topicalizado e organizado por técnicas, a obra tampouco decepciona. Ao final de cada parte, há checklists que retomam os temas discutidos e podem ser de grande validade para quem busca respostas a questões mais práticas.

Tornar-se Palestina (Lina Meruane)

Minha visão do conflito israelense-palestino-árabe foi construída literariamente por meio da obra de Amós Oz, escritor de origem judia. O que nunca tinha me ocorrido até então é o quanto essa abordagem só dava conta de uma das narrativas possíveis para a região — e o pior, do ponto de vista de quem está ganhando. Lina Meruane coloca muito claramente o seu lugar de fala nesta curta e potente obra: ela não é palestina. Nasceu no Chile, já com pouquíssimas ligações com a terra e a cultura que ficaram do outro lado do oceano. Entretanto, na sua tentativa de resgate da história familiar, a autora percebe que nada disso a impede de conhecer as cruezas do conflito que assola a região há décadas. O primeiro relato da obra ("Tornar-se Palestina") contextualiza as reflexões que serão aprofundadas na segunda parte ("Tornar-nos outros"). É nesse aprofundamento que Meruane consegue fazer o leitor rever seus conceitos de paz e empatia, revelando a camada de atrocidades políticas

A amante (filme de 2016)

Primeiro filme tunisino a que assisti, A amante  me chamou a atenção pelo contraste de cultura; mesmo assim, há muitos pontos de encontro entre o meu contexto e a Tunísia moderna. Ainda que tantas diferenças e incompreensões sejam originadas de religião e sistema político, não somos tão diferentes assim. E, justamente por isso, talvez tenhamos nos inspirado tanto na Primavera Árabe, que é um dos panos de fundo da trama. Há uma leitura política para a história de amor em curso, o que enriquece a narrativa. Contudo, não creio que a potencialidade da obra tenha ido além de uma alegoria mais simples, sem explorar as sutilezas da metáfora. 

Profissão: repórter (filme de 1975)

Como um quebra-cabeça, nada é muito claro em "Profissão: repórter" (péssima tradução, por sinal, de "The Passenger". Afinal, o que o protagonista faz em toda a trama é uma passagem, uma caminhada sem muito sentido — vai de uma vida a outra (usurpando a identidade de um morto), de um deserto afastado a uma cidade movimentada, de um estado de afobação a um de incertezas. E nós, como espectadores, acompanhamos essas passagens, sem conseguirmos traçar claramente aonde dará essa trilha. A ambientação e a fotografia contrapõe belamente os cenários, que caem como uma luva para refletir a inquietação e instabilidade do protagonista. Mesmo quando a câmera se fixa em um ponto (como a bela sequência de imagens que passam por uma janela, ao final), o recorte de cena e a narrativa que é contada são impressionantes. Jack Nicholson, talvez habituado a personagens deslocados, tem uma atuação maravilhosa. Por outro lado, a protagonista feminina é o papel que cabe a Maria Schneider,

AmarElo (filme de 2020)

Gosto de Emicida há um bom tempo, mas sempre fico reticente em citá-lo quando converso com alguém que curte  rap . A opinião geral com que me deparo, invariavelmente, é de que o cantor foi abandonando suas raízes conforme foi ganhando fama. De certa forma, considero a crítica justa — afinal, se continuasse defendendo suas origens como quem nunca saiu da periferia, Emicida estaria negando seu lugar de fala atual. No entanto, de onde está agora, é inegável que sua voz tem maior alcance. Um dos recursos que ele utiliza justamente para potencializar suas canções é o diálogo com diversas outras vertentes da música brasileira. Confesso que eu mesma não gostei muito do seu álbum AmarElo, que tem uma melodia mais pausada e calma, que não me toca tanto. Ainda assim, ser o fio que conecta diversos outros artistas e discursos é um papel que tem sido bem desempenhado pelo cantor. No filme, além de cenas do show no Theatro Municipal, há um rico panorama de fundo. Nele, muitas figuras negras essenc

Einstein: sua vida, seu universo (Walter Isaacson)

Já tinha obtido um bom panorama da vida de Einstein pela primeira temporada da série Genius. Um dos fatos que mais tinha me impressionado (e de que até então não fazia ideia) foi a relevância de  Mileva Maric Einstein como assistente de cálculo do marido. Talvez o obscurantismo a que Mileva foi relegada — além do fato de ter desistido de uma carreira que teria de tudo para ser brilhante — acabou me deixando um pouco avessa à figura do físico alemão. A biografia de Walter Isaacson me ajudou a conseguir enxergar a genialidade científica e humanitária de Einstein, ainda que repleta de nuances machistas. Por mais que não se trate de um texto isento de críticas, é difícil não se deixar tomar pela reverência que o escritor tem em relação a seu biografado. Apesar de ser um livro por vezes maçante para quem não é de Exatas, as compilações das máximas de Einstein fazem a leitura se tornar mais leve — mesmo em meio a explicações de cálculos da teoria da relatividade. No entanto, não se trata de

Eva no duerme (filme de 2015)

A história do corpo embalsamado de Evita é impressionante: como Branca de Neve, a proposta é que a populista argentina ficasse exposta em um mausoléu, que nunca chegou a ser construído (em função da ditadura militar). Quando os milicos assumiram o poder, seu corpo foi vigiado por um coronel e, depois, por um general — inclusive com a acusação de que teria sido violada por um deles. Evita morta vai para o Vaticano; é exigida como troca em um um sequestro; é desenterrada e vista como um milagre pelos coveiros abismados; é enfeite na casa de Perón; é boneca nas mãos de Isabela Perón, que faz compras de roupas e renova seu figurino; é assombração, impedindo o general que a tinha anteriormente sob guarda de ocupar a mesma residência que ela; e, por fim, é enterrada no cemitério La Recoleta. Uma narrativa tão potente tinha de tudo para render um filme bom — mas não é necessariamente o caso. Há uma tentativa forçada de incluir o astro Gael García Bernal em um papel bastante inverossímil, só p

De amor e trevas (filme de 2015)

Apesar de ter lido pouco Amós Oz, uma das suas obras me marcou profundamente: "Contra o fanatismo". Bastante curto, o livro traz um ensaio poderoso (pelo menos assim me pareceu na época), em que o escritor defende a necessidade da empatia para entendermos os outros, mesmo os que são nossos potenciais inimigos políticos. A ideia da empatia, como proposta por Oz, sempre me pareceu muito bela — até ler um contraponto defendido incisivamente pela escritora Lina Meruane, em seu "Tornar-se Palestina". Instigada pela visão da autora chilena, quis reaproximar-me de Oz, com um olhar agora já mais distanciado; resolvi fazê-lo pelo filme que narra sua infância. O longa, dirigido por Natalia Portman, realmente me impressionou. Um dos seus pontos mais fortes é contar a história do escritor com os diálogos e narração em hebraico (inclusive as cenas em que Portman participa como atriz). Além disso, a ambientação obscura — e ao mesmo tempo intimista — dá o tom proposto pelo título.

Knives out (filme de 2019)

Para quem gosta da linha Agatha Christie/quem matou Odete Roitman, o filme cai como uma luva. Seu grande diferencial é usar a clássica estrutura do whoddunit com uma roupagem fresca, mas sem deixar de ser instigante. Um dos pontos mais interessantes do enredo é o fato de o assassinado ser um escritor de livros de suspense e mistério; assim, a metalinguagem proposta consegue abarcar muito do gênero, como se a morte do autor lhe imitasse a vida (ou o que dela pôs na ficção). Há também alguns diálogos com uma cultura mais moderna, trazendo a questão da imigração (e da xenofobia), o ódio compartilhado nas redes sociais e uma protagonista lésbica. Essas pinceladas de contemporaneidade tornam o enredo muito atual, desenferrujando a estrutura clássica do suspense. 

Sobre amigos, amor e vinho (filme de 2014)

A premissa do filme poderia servir tanto para uma comédia como para um drama filosófico: é a história de um homem que acabou de completar 50 anos e leva uma vida bastante saudável... até ter um infarto. Depois do episódio, resolve se render a todos os prazeres de que tinha abdicado até então, em nome da saúde. Sem piadas o suficiente para se tornar uma obra engraçada, tampouco traz reflexões que o situem além do confortável nicho da classe média alta. É uma obra com um interlocutor específico — quem sofre de white people problems — e que entra na onda de produções voltadas para um público quarentão/cinquentão, com a mensagem de que dá para aproveitar a vida em qualquer idade. Assim, o objetivo é criar identificação com quem já viveu meio século, mas está longe de se encaixar no estereótipo do vovô que joga gamão para passar o tempo. Com alguns clichês franceses (como várias cenas de pessoas comendo e discutindo, banalização de relações extraconjugais e frisson enólogo), é um filminho