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Mostrando postagens de fevereiro, 2022

Madres paralelas (filme de 2021)

​ Em "Madres paralelas", Almodóvar parece ter se formado na mesma escola de Manoel Carlos. Pois é, pensa num novelão cheio de reviravoltas. E, se não há uma Helena por aqui, há a presença carimbada de Penélope Cruz como elemento de continuidade. Até as cores marcantes, tão características da estética de Almodóvar, ganham um toque refinado nesta última produção. É como se, em vez do kitsch dos primeiros filmes, estivéssemos diante de um catálogo da Farm: ainda colorido, mas querendo ser elegante. O lado político da narrativa é mais evidente e permeia o filme como um todo - não é como em "Carne trêmula", em que a crítica à ditadura é apenas uma moldura tímida. Todas as mortes do totalitarismo espanhol são o tema principal deste filme, bem como seu contraposto: as novas vidas que germinam no agora.

Os Moomins e o chapéu do mago (Tove Jansson)

​ Os Moomins são barrigudinhos, narigudos e charmosos; além disso, vêm de uma ampla linhagem de livros que narram sua história. Tove Jansson, a escritora finlandesa responsável pelo sucesso da série, recebeu vários prêmios e o reconhecimento de crianças do mundo todo. Pude entrar no universo mágico dos Moomins graças à leitura coletiva de Abril (@ensayosdeabril). Gostei especialmente de Hemulen, um cientista apaixonado por descobrir novas espécies. O retrato das figuras femininas (como a mamãe Moomin, sempre preocupada com os outros e nunca consigo) incomoda um pouco, mas é a visão do tempo em que foi escrita.

Lunana: um yak na sala de aula (filme de 2019)

 De certa forma, este filme é um clichê invertido: sem ir propriamente na linha das inúmeras narrativas sobre um professor salvador e uma turma sem interesse, o tema de "Lunana" não foge tanto assim do espectro: só que, aqui, trata-se de um professor desanimado e uma turminha de alunos inspiradores. O que me preocupa na produção é a ideia de que uma educação estilo Caminho Suave é avançadíssima e funciona em qualquer recanto da Terra. Por ser um filme que se propõe a ser inspirador (vide seu título traduzido: "A felicidade das pequenas coisas"), a abordagem do que seria uma relação ideal entre professor e aluno - sem nunca questionar a autoridade - incomoda. Fora do âmbito da sala de aula, contudo, o filme traz pontos interessantes, como a modernização do Butão. O final da história, em que a massificação e a cultura tradicional são contrapostas, é talvez o que mais se afaste das soluções fáceis ao longo da narrativa.

O mapeador de ausências (Mia Couto)

​ Já tive minha fase de fã assumida de Mia Couto, da que fica horas em fila para ganhar autógrafo e devora todos os livros da biblioteca. Passou. Ao reler "Terra sonâmbula" há pouco tempo, fiquei com uma cena de pedofilia entalada na garganta - e o autor, que já foi um dos meus favoritos, passou a ser um reencontro angustiado. Minha professora de um curso de escrita, ex-editora da Companhia, comentou que a narrativa de Couto não a convencia. De certa forma, foi como aprender que a cartola do mágico tem fundo falso.  Sigo gostando da escolha de títulos das obras, sempre tão profundos. Folheando "Terra sonâmbula" novamente, vi que ainda me surpreendo com a potência da linguagem... que não pude mapear neste romance mais recente de Mia.  Além da confusão de enredo, o avesso do bordado é grosseiro: a tentativa de fazer de cada diálogo um aforismo e a insistência em surpreender pelas negativas vão cansando ao longo da leitura. Das ausências a que o livro se propõe, a que

Tito e os pássaros (filme de 2018)

Animação brasileira de 2018, o filme ganha pontos por conseguir prever o cenário de uma pandemia muito próximo ao que acabamos conhecendo pouco tempo depois. Na produção, a epidemia é causada pelo medo - o que não deixa de ser uma visão sagaz sobre o tema. Outros aspectos abordados que prendem a atenção são o jornalismo sensacionalista das tragédias e o abandono das classes sociais mais pobres.  Contudo, no geral, o filme não se sustenta. O roteiro é fraco e culmina em um final confuso e inverossímil; os diálogos são rasos; o som é mal ajustado. O traço da animação também causa desconforto, que talvez pudesse ser relevado caso o conjunto todo fosse melhorzinho.

Ataque dos cães (filme de 2021)

 Mais um da lista do Oscar: do que mais gostei aqui foram as fronteiras tênues que negam os estereótipos de sexualidade. O caubói escroto, que aprendemos a odiar nos primeiros 15 minutos de filme, toca banjo e coleciona borboletas; o menino delicado é aquele que sabe como matar com frieza. A fotografia é linda e usa recorrentemente o efeito de moldura nas cenas: tanto para mostrar o caráter fragmentário da trama como para revelar o claro-escuro da personalidade ambígua dos protagonistas. Trilha sonora e cenário são muito bem escolhidos na produção. Ainda que incômodos, os elementos todos são muito bem amarrados - não à toa, um dos principais símbolos da trama é uma corda.

Raya e o último dragão (filme de 2021)

Mais uma das animações indicadas ao Oscar deste ano: ao contrário de "Encanto", que me incomodou pelo excesso de cenas musicais, aqui não há canções... só infinitas cenas de luta. A parte gráfica parece mais um videogame que uma animação: os personagens são duros, sem movimento (apesar de quase tudo se restringir a cenas de ação). Mesmo que tente trabalhar o lema de "Lute como uma garota", o conjunto é bem fraquinho.

Volver (filme de 2006)

Um bom filme com a marca de Almodóvar: muita cor, estética kitsch (um antepassado do cringe), drama repleto de reviravoltas (algumas um tanto previsíveis) e com Carmen Maura e Penélope Cruz divando. O estupro é uma temática forte em Almodóvar – e é claro que a perspectiva de um homem sobre o tema sempre será questionável e incompleta. Em "Volver", contudo, as heroínas são as mulheres que matam quem as viola... ao contrário do que se passa em outras obras do diretor, em que o estuprado é o protagonista em busca de redenção.  

Encanto (filme de 2021)

As alusões a "Cem anos de solidão" são várias ao longo do filme (como a cena em que crianças rodeiam a protagonista com perguntas sobre quem é quem em sua família - boa representação dos leitores perdidos entre as muitas gerações dos Buendía ao longo da obra de Gabo). No final, a revoada de borboletas amarelas é um presente lindo para os fãs de Gabo. A parte gráfica é impecável; me lembrou demais de alguns cantinhos da Colômbia que visitei, como a cidade de Jardín. Mas... fazia tempo que não via uma animação da Disney. Não me lembrava de que tinha tanta musiquinha – a maioria com cara de espetáculo da Broadway, sem nenhuma referência latina.

La teta asustada (filme de 2009)

Dirigido por uma mulher, o filme trata do medo incontornável do estupro – é um convite ao diálogo com todas nós, que compartilhamos o mesmo temor. E ainda há a violência de classe, o sincretismo cultural, a música como catarse, a morte como âncora. O filme está cheio de cenas que são uma grande bagunça sincrética e alegórica somada à exuberância das cores na aridez do deserto. E uma fotografia apurada para significar o que parece caos.

The Big Year (filme de 2011)

Desde que comecei a observar os pássaros, pude notar melhor algumas relações de convivência... entre os humanos. Um dos aspectos mais chocantes dessa atividade é como algo que depende apenas de um olhar atento pôde se tornar uma prática bastante elitizada. Todo voltado para os passarinheiros de plantão, "The Big Year" não deixa de mostrar essa contradição, que está no âmago da prática. Assim, seus três protagonistas são retratos de classes sociais e gerações distintas, todos em busca de completar um ano registrando a maior quantidade de espécies de aves possível. O humor e as cenas grandiosas na natureza lembram um pouco "Walter Mitty". Assim, para quem gosta desse tipo de abordagem (e, claro, para quem gosta de aves), o filme é uma excelente opção.

O conde de Monte Cristo (filme de 2002)

Sem ainda conhecer o romance original de Dumas, não sei se a máxima de que o livro é sempre melhor do que o filme se aplica aqui. Com uma trama bastante novelesca e cheia de reviravoltas, a produção é um retrato da concepção de mundo romântica. Contudo, temos um diferencial na narrativa usual da época: em vez de movido por uma grande paixão, aqui temos um personagem inspirado por seu ódio. E, confesso: como espectadora, é muito mais interessante acompanhar uma história de vingança do que um romance açucarado.  Talvez seja este um dos elementos da genialidade da obra de Dumas: saber que, apesar de toda a glória romântica, do que gostamos mesmo é de um bom barraco.

Rain Man (filme de 1988)

Filme dos anos 1980 retratando o autismo. Não sei avaliar o que envelheceu bem ou não no filme, tampouco se é capacitista em algum grau. Mas gosto da ideia de road movie que une dois desconhecidos. E de o personagem não ser reduzido ao seu espectro autista, de ser enxergado primordialmente como alguém com uma história. A interpretação de Dustin Hoffman é bastante sensível, ainda que acredite que despertaria críticas nos tempos atuais. No entanto, considerando que a função do ator é encarnar outras vidas, o que vejo é um trabalho de muito estudo na composição do personagem, especialmente em uma época que pouco se tratava do tema (a ponto de uma atendente de clínica psicológica, no filme, confundir "autista" com "artista"). O personagem de Tom Cruise também seria alvo de reprovação atual, dado que trata seu irmão autista com uma violência quase física. Contudo, a aceitação que se constrói aos poucos é bastante verossimilhante, principalmente para quem não esperava enc

Sorry we missed you (filme de 2019)

A direção de Ken Loach sabe como descascar as feridas do nosso mal-estar contemporâneo. Assim como no excelente "Eu, Daniel Blake", este filme mais recente de sua produção é de uma desolação tremenda. E o que potencializa essa tristeza é a consciência de quão perto ela está de nós, de nossa frágil situação de classe média em um mundo que continuamente despeja mais pessoas para a linha de pobreza... ou abaixo dela. O incômodo que as cenas do protagonista causam é bastante palpável e dá a tônica de boa parte da obra. Contudo, há outros aspectos na trama que ajudam a contrabalançar essa sensação, ainda que nada gere alívio. Os diálogos com o filho, de uma geração que ainda acredita em mudança, são um desses pontos fortes da narrativa.

A última floresta (filme de 2021)

Como é difícil entrar em outra cultura. Em "A última floresta", as cenas que mais me marcaram foram as falas de Davi Kopenawa, que já é uma figura que transita entre a floresta e a cidade com desenvoltura. O documentário é permeado de narrativas tradicionais, da visão de mundo própria dos Yanomami, de lutas pela terra. Alguns elementos são facilmente reconhecíveis por quem tanto está distanciado das matas; outros exigem uma entrega maior, um conhecimento de cultura indígena que não temos.  Ainda que o objetivo da obra seja o de aproximar, ela também evidencia o abismo entre quem vive dentro e fora da floresta.

A vida gira (filme de 2020)

Parece um filme de ciclismo e de superação de uma lesão, ao início. Depois, dá a impressão de ser a história de um professor cativante que consegue despertar a paixão pelos livros em seus alunos. Também ficamos em dúvida se a guerra será pauta da trama em algum momento; ao final, percebemos que se tratava de um thriller sobre drogas, sem que os elementos anteriores deixem de ser verdadeiros. Com um ritmo acelerado, a produção é um amálgama de coisas díspares. No entanto, até que a obra funciona bem, em geral. Talvez o modo rápido de narrar faça que a diversidade de aspectos abordados no mesmo filme não fique tão evidente, bem como a boa atuação dos protagonistas disfarça certos buracos no enredo.

Roda da fortuna e da fantasia (filme de 2021)

Nesta roda, temos três histórias que tratam da coincidência e de atos falhos que determinam, para sempre, o destino das personagens. Os acasos que permeiam a trama não são o suficiente, entretanto, para ligar a vida das protagonistas – cada uma das três narrativas é um conto isolado, sem relação com os demais. Os bons e longos diálogos provavelmente são o elemento mais bem construído do todo. Com estranhamento, silêncios, pausas, as conversas se desenrolam de modo surpreendente e vão revelando muito de cada um dos interlocutores. A primeira trama, sobre um casal de ex-namorados e uma amiga em comum, é a mais fraca e também mais novelesca do conjunto. A segunda, sobre uma aluna que tenta seduzir seu professor, tem bons momentos (e traz um diálogo hilário sobre o mercado editorial, ao final). A terceira, por fim, talvez seja a que mais dependa do acaso, unindo duas completas desconhecidas – e, para mim, também é a narrativa mais bonita e delicada.

O último duelo (filme de 2021)

Adaptação de um romance, os primeiros minutos de "O último duelo são frenéticos", com cortes mal sinalizados e a rápida passagem do tempo entre uma cena e outra. A impressão que se tem, considerando a pressa do início, é que a trama tentou condensar fatos do romance que a inspirou ao mesmo tempo que se esforçava para não deixar nada de lado. Contudo, conforme avançamos na trama, percebemos que as cenas iniciais precisavam ser contadas sem pormenores, a fim de criar a ilusão de realidade da história retratada. Aos poucos, vamos percebendo que todos os fatos exibidos ao longo da trama são dignos de questionamento e de visões diferentes sobre o que ocorreu. O grande mérito do filme é esse (e não as cenas carniceiras de batalhas medievais). A mesma história é apresentada três vezes, sempre sob a perspectiva de um personagem diferente. Só ao final, quando a mulher finalmente tem voz, percebemos que tudo pode não ter passado de um grande engodo narrativo.

Mal día para pescar (filme de 2009)

Sob a direção de Álvaro Brechner, que também foi responsável pelo excelente "O sr. Kaplan", "Mal día para pescar" é um filme com bons elementos, mas que não chega a ser grandioso. O que chama a atenção na obra? A contraposição entre força e delicadeza, Europa e interior do Uruguai, masculino e feminino, verdade e distorção dos fatos. São todos aspectos bem trabalhados, mas que talvez não se enlacem bem o suficiente para criar uma trama mais forte. Além do mais, o tema central (lutas livres) não é de agrado de todos, inclusive o meu. Quem sabe, se o pano de fundo fosse outro, a narrativa poderia se desenvolver ainda mais.

Uma nova esperança (1977) + O império contra-ataca (1980) + O retorno do Jedi (1983) + O despertar da força (2015) + O último Jedi (2017) + A ascensão Skywalker (2019)

O curto intervalo que separa as produções mais recentes de Star Wars (uma trilogia com lançamentos bienais) era o suficiente para borrar toda a história anterior de minhas memórias. Pouco retinha de cada filme: uma cena esteticamente bonita, o carisma de um Chewbacca, uma noção difusa sobre o império, a república e as configurações políticas da obra. Assistir a uma sequência de filmes da saga me fez reanalisar minha relação com essa narrativa, tão sem limites quanto os universos que desenha. A pluralidade de personagens e tramas talvez seja um dos fatores que tenha me afastado dos longas, inicialmente; no entanto, ao conseguir entender a história que motiva as aspirações principais dos personagens, muito mais se fixou em mim. Hoje, tenho uma noção maior da complexidade dos jogos políticos em cena, bem como eles retratam eternas lutas que disputamos aqui na Terra. Os personagens, dotados de uma longa história, também crescem em profundidade.  Alguns elementos, contudo, incomodam nessa e