Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de julho, 2021

Na natureza selvagem (Jon Krakauer) + filme de 2007

Sem o ter planejado, li Na natureza selvagem  justamente quando o livro comemora 25 anos de seu lançamento. Essa coincidência me deu chance de assistir a eventos comemorativos, em que Jon Krakauer pondera sobre o peso dessa produção com um distanciamento de um quarto de século. Assim, ver o autor já maduro explicar sua obra foi uma chance de não arrastar um certo ranço que fica de seu caráter impetuoso de narrador/jornalista um tanto arrogante. O trabalho ofertado aos leitores é, de fato, sensacional – com quase nada de documentos e fontes, o escritor consegue reconstruir a rota de Chris McCandless de forma verossímil e bastante apurada. Além disso, os paralelos traçados com a vida do próprio jornalista são enriquecedores para repensar tudo o que está envolvido na rota do viajante: juventude e inexperiência mesclados a uma urgência de fazer que o mundo tenha sentido. Durante a leitura, me ocorreram outros paralelos possíveis com o personagem: seu desapego e peregrinação têm algo de um

Waking Life (filme de 2001)

 Waking Life é um filme complicadíssimo, acelerado, profundo. Composto na forma de animação (não se trata, de modo algum, de uma tentativa de amenizar a trama), o seu enredo praticamente não existe até o meio da obra, quando finalmente somos contextualizados em relação aos eventos que estão se passando. Toda a produção é composta de um conjunto de opiniões sobre diferentes aspectos da vida. Cada personagem, ao expor o que pensa sobre a existência, o faz de forma rápida, mas bastante difícil de entender. Quando estamos tentando compreender o significado das palavras de um dos personagens, logo ele é substituído por outras, com um monólogo igualmente intenso. Não é um filme fácil - mas a vida também não o é. Desta forma, para uma obra que tenta representar o conjunto de significados da existência, é perfeitamente verossímil.

Antes do nascer do sol (filme de 1995), Antes do pôr do sol (filme de 2004), Antes da meia-noite (filme de 2013)

A trilogia do diretor Richard Linklater desenrola-se com três recortes do mesmo casal, espaçados 9 anos entre si. O feito de acompanhar o envelhecimento dos intérpretes para caracterizar os personagens é notável – mesmo hoje, em que a tecnologia do deep fake torna qualquer transformação no tempo em algo banal. Ao reassistir aos três filmes, fiquei surpresa ao perceber que quase 9 anos também me separam do primeiro contato com a obra, que conheci em 2013. Na época, o meu preferido era o encerramento da história; talvez por tê-lo visto em sua estreia no cinema, algumas cenas ficaram mais marcadas para mim.  O filme do meio, que menos tinha atraído minha atenção, hoje se tornou meu mais querido. Talvez por ter uma idade parecida à dos personagens durante o período retratado, senti uma conexão muito maior com os diálogos e reflexões a que eles chegam nessa fase da vida. Quanto a Antes da meia-noite , pouca coisa hoje me agrada nessa produção – que tem muita gritaria e pouca conversa. No en

Os possessos (Elif Batuman)

Elif Batuman é um nome que reapareceu com força no mercado brasileiro, com o lançamento de A idiota . Assim como em sua obra mais recente, Os possessos  deixa bem claro, já pelo título, o paralelo com a literatura russa. E, curiosamente, Batuman é uma escritora estadunidense com ascendência turca – o que dá à sua escrita uma visão muito particular de mundo.  Filha do Oriente e do Ocidente, a autora traz uma perspectiva singular para entender a história da Rússia, país com raízes espalhadas por dois continentes tão diversos quanto a Europa e a Ásia. O livro traz muitas reflexões instigantes; entre as que ainda reverberam em mim, estão estas:  - o porquê de os escritos de Dostoiévski e Tolstói, bem como de outros seus contemporâneos, gerarem uma identificação tão forte com seus leitores; - a repetição de motivos, alegorias e estratégias similares e o consequente empobrecimento da literatura contemporânea; - como os nomes dos personagens podem ser: um reflexo do quanto o escritor deseja c

Nêmesis (Philip Roth)

Quando a pandemia chegou ao Brasil, já deixei A peste  do Camus e outras obras distópicas empilhadas na cabeceira da minha cama – os livros sempre foram minha chave para entender o mundo, então nada mais natural do que procurar na literatura o que e quem explicasse o caos atual. No entanto, boa parte da minha pilha só serviu para juntar pó. De certa forma, quis evitar um contato mais intenso com a realidade abominável que me cerca, em que a incompetência do estado só reforça a malignidade da doença. Somada a uma antipatia natural que sentia por Philip Roth (mesmo antes de o ter lido), pouco ou nada esperava de Nêmesis . E, talvez por isso, tenha sido uma das minhas melhores leituras do ano. Antes de vivenciar uma pandemia, provavelmente a obra não funcionaria para mim; mas agora é um livro que cai bem como uma luva (ou uma máscara, o que preferir). Todas as reflexões sobre a culpa de ser um transmissor, a impotência e o medo geram uma identificação necessária com o que vivemos hoje. Al

Las soledades de Babel (Mario Benedetti)

As solidões de Babel são compostas de 6 partes: Aquí lejos , Babel , Tréboles , Saturaciones y terapias , Caracol de sueño , Praxis del fulano . Com cerca de 150 páginas, é uma coletânea de poemas com mais fôlego, que agrupa diferentes temas da poética de Benedetti sob o guarda-chuva da linguagem. Publicado em 1991, o livro conta com um autor mais maduro – mas que não me encantou tanto quanto a obra publicada mais de 20 anos antes, Cotidianas . Talvez o passeio por diferentes paisagens da solidão a que a linguagem leva (e não são elas infinitas?) traz menos unidade ao conjunto. A primeira parte, Aquí lejos , traz o olhar do exilado político que volta a seu país e continua lidando com a desesperança e o desenraizamento – sem dúvida, foi do que mais gostei na obra. As seguintes partes são de alguma forma autoexplicativas pelo título (as confusões da linguagem, a natureza, exercícios poéticos, o onírico, a oscilação entre o universal e o lírico de qualquer fulano), mas não tão bem amarrad

Las venas abiertas de América Latina (Eduardo Galeano)

Conheci Galeano na época do Ensino Médio – talvez antes – por uma das raras indicações de livros ofertadas pelo professores da escola. Na época, lembro-me de ter ficado boquiaberta com as informações coletada pelo autor para apresentar o contexto de contínua exploração no qual se insere a América Latina. Desse ponto de vista, talvez tenha sido uma das leituras mais importantes na minha formação política. Tantos anos depois, a releitura não me trouxe uma obra menor, mas com impacto bem menos acentuado. De certa forma, talvez tenha me habituado à dor histórica latina – como diz Sontag, a repetição das tragédias tira nossa capacidade de senti-las profundamente. Outro ponto em que senti me desvincular da leitura é sua distância temporal. Na época de publicação de Las venas , Allende ainda era presidente eleito, trazendo um ar de otimismo para a escrita de Galeano. Parecia haver um lugar aonde rumar para corrigir a situação de desmandos históricos. No nosso contexto atual, nem essa parca es

O tigre branco (filme de 2021)

Quem está acostumado com as extravagâncias do cinema indiano pode estranhar o ritmo de  O tigre branco , mas ainda encontrará alguns elementos típicos de Bollywood no desenvolvimento da trama, como a luta do bem contra o mal (ainda que matizada além do maniqueísmo) e as reviravoltas constantes. No entanto, um dos pontos que mais chama a atenção é a semelhança com algumas obras icônicas do cinema coreano, como Memórias de um assassino e Parasitas . A visão de que a glória ocidental está com seus dias contados é muito presente – a ponto de ser uma alegoria de todo o enredo.  Assim, há muito mais do que uma questão de meritocracia permeando a trama. É quase uma pauta de vingança histórica.

The Old Man and the Sea (Ernest Hemingway)

Esta minha releitura de O velho e o mar foi bastante espaçada – com certeza, mais de uma década me separa do meu primeiro contato com o livro. Lembro-me de haver gostado da história, e tinha ainda a cena dos tubarões relativamente nítida na memória. Agora, em 2021, a novela de Hemingway entrou em uma das minhas pilhas de leitura que, sem querer, privilegia o começo do século XX. Dessa forma, o contexto artístico em que o autor lança seu texto está mais claro para mim, bem como seu uso proposital de uma linguagem mais simples, avessa aos formalismos e rococós. Sei também que o inglês é uma língua muito mais aberta às repetições e redundâncias, sem que isso configure um problema de estilo. No entanto, somados todos esses aspectos, confesso que me cansei um pouco durante a leitura. Não sei se foi aversão ao fato de ser uma narrativa pretensamente latina, à própria história de vida do autor, ao empreendimento monumental e falho, à linguagem sem muitos rompantes líricos, a um certo estereó

Running for good (filme de 2018)

Antes de palmilhar minhas próprias trilhas com um pouco mais de velocidade, já gostava muito de obras tematizando a corrida. Além da ideia de superação (talvez intrínseca a qualquer esporte), há a beleza de ser um encontro consigo e com a paisagem, que alia a meditação ao fluir acelerado da própria vida. Nesse espectro, "Running for good" está no meu pódio de produções preferidas sobre o tema. Os cenários são um absurdo de bonitos, com uma fotografia que é impressionante. Além disso, o que se destaca na narrativa de Fiona Oakes é seu desapego por suas vitórias e por aquilo que executa. Este é um filme sobre uma atleta que não gosta de correr: nada mais certeiro para provocar quem se dedica ao mesmo esporte com afinco. Afinal, dificilmente teremos resultados tão impressionantes quanto Fiona, independentemente de nossa paixão pela atividade. Descobrir a origem da força de vontade é a pergunta que fica ao final do percurso, coroando uma produção que passa longe de um discurso si