Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de setembro, 2018

Romances de cordel (Ferreira Gullar)

Ferreira Gullar, como comentarista político, é um ótimo poeta. Basta ver seus textos desprezando a importância da literatura negra ou defendendo a internação forçada de pessoas enfermas mentais para sentir um pouco do "ranço" que, infelizmente, parece ter marcado seus anos finais de vida. No entanto, tal como na música de Belchior, Gullar também foi aquele que acreditou na mudança - ainda que na juventude. O livro "Romances de cordel" reúne textos quase didáticos escritos pelo poeta quando ele fazia parte de movimentos sociais de cunho esquerdista. O objetivo de seus cordéis, então, era explicar a necessidade da reforma agrária ou da distribuição igualitária de renda, por exemplo. Saber dessa outra faceta de Gullar talvez me ajude a perder um pouco da antipatia que sinto pela sua produção. Afinal, há que saber separar eu lírico de eu biográfico - ainda mais quando lidamos com uma vida tão cheia de contrastes e arestas.

A câmara sangrente (Angela Carter)

O fato de ser um dos livros mais mal avaliados do clube da Tag Curadoria me fez iniciar a leitura de Angela Carter com receio. No entanto, se houvesse confiado mais em quem indicou a obra (a incrível Marina Colasanti), saberia desde o início ter em mãos algo maravilhoso - ainda que tão polêmico. Carter faz, em 1979, o que se tornou chavão na nossa cultura atual: o reconto de histórias de encantamento. Para quem não admite releituras de clássicos, é natural que o livro cause choque - ainda que, convenhamos, as histórias originais sejam tão ou mais violentas que as fabulações propostas em "A câmara sangrenta". No conjunto de contos, preferi os mais extensos. Quanto mais sucinta, mais alegórica é a escrita da autora, o que dificulta a compreensão ou o mero envolvimento com as narrativas. Além de instituir diferentes pontos de vista, narradores e brincar com diferentes estilos, Carter faz a questão de instituir personagens femininas fortes, que não se submetem a padrões impos

Niétotchka Niezvânova (Doistoiévski)

"Niétotchka Niezvânova" marca uma fase crucial na biografia de Dostoiévski - é o romance ao qual o autor se dedicava antes de ser preso pelo regime czarista, ameaçado de fuzilamento e forçado a trabalhar na Sibéria. Incompleto, hoje o livro é considerado uma novela por muitos críticos - apesar da complexidade de seus núcleos de personagens. Inicialmente subtitulado "História de uma mulher", ao que tudo indica o projeto inicial da obra era constituir-se em uma obra de formação. No entanto, no universo de Dostoiévski nenhuma classificação dá conta do enredo; caso fosse terminado, provavelmente o romance teria uma protagonista feminina (o que não era usual no gênero) e, talvez, um relacionamento lésbico... O livro traz temas cabeludos, antecipando Freud em alguns bons anos. Além da relação doentia da protagonista com o padrasto (incluindo o desejo de morte da mãe), há um envolvimento amoroso com outra menina em plena infância. Beirando o inverossímil, a obra parece

O orgulho (filme de 2017)

Difícil assistir a "O orgulho" e não lembrar de "Pigmaleão" (peça de Bernard Shaw que foi adaptada para o cinema, estrelando Audrey Hepburn). E mais difícil ainda não associá-lo às complicações morais do texto sobre a vendedora de flores. Se, em um livro escrito em 1913, o preconceito e o machismo têm de ser contextualizados, mais difícil é fazê-lo com um longa produzido mais de 1 século depois. Na trama, uma garota francesa, de ascendência árabe, tem de enfrentar um professor racista logo no primeiro dia de aula. Com o ataque de xenofobia viralizado, o mesmo docente resigna-se a adotar a aluna como sua pupila em em concurso de retórica, com o objetivo de limpar a imagem da instituição em que trabalha. Assim como adoro "Pigmaleão", também encontrei elementos maravilhosos nesta obra. As discussões sobre retórica e o poder das palavras são o grande mérito da trama, conferindo-lhe certa profundidade.  Há aspectos interessantes em relação à abordagem do pr

Maya Angelou: e ainda resisto (filme de 2016)

Pouco conhecida entre os que vivem imersos na bolha cultural da branquitude, Maya Angelou é um ícone da resistência negra. Sua longa vida constitui-se em uma série de lutas contra o preconceito nas diversas faces que assumiu - desde os resquícios da Guerra Civil até as reivindicações de Rosa Parks, Malcolm X e Martin Luther King. Autora de vários livros biográficos, a escritora teve uma vida absolutamente impressionante: foi mãe aos 17 anos, cantora, atriz, diretora, prostituta, autora, roteirista, poeta... Fez discurso de posse para a presidência, casou-se diversas vezes, viveu no Egito e em Gana, aliou-se a diversos movimentos sociais. E, somado a tudo isso, a infância traumática: abandono parental seguido de um estupro aos 8 anos, o que resultou em uma mudez absoluta durante 5 anos. Uma leitura rasa dessa vivência poderia transformar Maya em um símbolo perfeito da meritocraria - no entanto, de tantos papéis exercidos ao longo da vida, este é um em que ela não se encaixa. O filme

Severina (Rodrigo Rey Rosa)

Após assistir ao filme "Severina", fui imediatamente atrás do livro que o inspirou. E, para a minha surpresa, o longa uruguaio toma como base uma trama guatelmateca.  Há leves insinuações de que a história ocorre em um tempo conturbado, de muitos conflitos políticos - e é nesse contexto que personagens mergulhados nos livros ganham ainda mais força. Afinal, a literatura também não é fuga?  Voltando à nacionalidade da obra: ao assistir ao filme não consegui criar relações possíveis entre o contexto atual de um país latino com a história; assim, o  fato de ambientar-se, em princípio, em um país centro-americano fez que algumas referências da obra ficassem muito mais claras para mim.  A produção audiovisual é bastante fiel ao texto original, que é curto (talvez classificável como novela). Ainda que excelentes complementos, a trama de Rodrigo Rey Rosa traz mais elementos de encanto. O simples fato de ser um livro que fala sobre livros já potencializa a metalinguagem ao máximo

Frida Kahlo: uma biografia (María Hesse)

Uma das minhas impressões mais fortes ao visitar o México foi ver o quanto Frida, um símbolo de resistência e inconformismo, acabou se tornando um produto altamente vendável. Enquanto aqui no Brasil a vemos mais associada ao movimento feminista, em seu país de origem ela é usada para vender desde chaveirinhos até chocolate quente.  Nesse contexto de hipercomercialização, para que mais uma biografia sobre a pintora? María Hesse responde a esse questionamento de forma brilhante, elaborando um livro que apenas aparentemente é mais do mesmo. A grande ideia da artista espanhola foi recontar a vida da pintora mexicana com ilustrações autorais. Assim, todo o livro conta com belas releituras dos quadros e dos momentos mais impactantes de sua biografia. Tal como a linguagem da mexicana, os desenhos de Hesse são profundamente alegóricos - obras de arte exclusivas, ainda que tão inspiradas por Frida. Recomendável para um público juvenil, com linguagem bastante acessível, não deixa de ser um

Fazendeiro do ar (Drummond)

Publicado quase na sequência de livros-chave da obra drummondiana ("A rosa do povo" e "Claro enigma"), "Fazendeiro do ar" passou mais despercebido pela crítica. No entanto, não se trata de uma reunião de poemas menores, mas sim de temas consolidados na produção do itabirano. É um livro "cristalizado", com os assuntos poéticos depurados ao extremo. O poema mais famoso do conjunto talvez seja "O enterrado vivo", que nos dá muitas pistas da construção do livro: O Enterrado Vivo Carlos Drummond de Andrade É sempre no passado aquele orgasmo, é sempre no presente aquele duplo, é sempre no futuro aquele pânico. É sempre no meu peito aquela garra. É sempre no meu tédio aquele aceno. É sempre no meu sono aquela guerra. É sempre no meu trato o amplo distrato. Sempre na minha firma a antiga fúria. Sempre no mesmo engano outro retrato. É sempre nos meus pulos o limite. É sempre nos meus lábios a estampilha. É sempre no meu

Livros em chamas: a história da destruição sem fim das bibliotecas (Lucien X. Polastron)

Meu desejo de ler esta obra veio após assistir, estarrecida, ao incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro. No entanto, se o que buscava era algum consolo - ou explicação - para a destruição de nosso acervo histórico, nenhuma dessas expectativas foi atendida. E isso não se dá por falta de qualidade, muito pelo contrário: o que Lucien X. Polastron faz, ao longo de mais de 400 páginas, é construir um panorama de como as bibliotecas foram (e continuam sendo) dizimadas em função de descaso, ódio político e religioso. Ao fim da leitura, ficamos espantados pelo fato de ainda termos conservado algumas raras obras depois de tantos séculos de queima de livros. A imersão na leitura não é um processo fácil. Com uma linguagem de historiador, o autor não se preocupa em oferecer a contextualização de cada período e local que descreve. Há o pressuposto de que o leitor já conheça de antemão os muitos nomes e dados que serão oferecidos no livro para relatar os casos de destruição de bibliotecas. A

A rebelião dos pinguins (documentário de 2007)

Com apenas 40 minutos e elaborado com poucos recursos técnicos, ainda assim "A rebelião dos pinguins" é um documentário que marcou época. Foi um dos principais meios de divulgação da mobilização popular dos alunos chilenos, que acabou inspirando os estudantes brasileiros a fazer o mesmo em 2016. O grande mérito do documentário é dar a merecida voz aos alunos, em vez de priorizar especialistas diplomados (mas distantes da sala de aula). Acompanhamos por meio de seu olhar o porquê das ocupações e como se deu o aparente fim da revolta - assim como vemos o quanto essa força política dos estudantes tem potencial para mudar muito de nosso cenário atual.

O semelhante (Elisa Lucinda)

Primeiro livro  (fora as publicações independentes)  da multifacetada artista, "O semelhante" me demandou um certo tempo de leitura. Talvez o que tenha me afastado um tanto da obra é o quanto ela está visceralmente ligada a uma performance, ao recitar interpretado. O texto no papel, descolado do seu contexto usual de leitura, tornou o meu envolvimento menos instantâneo. Dividida em 4 partes, a leitura se mostrou mais interessante para mim ao final. Enquanto as 2 primeiras divisões do livro trabalham temas mais intimistas (o eu poético e as relações amorosas), do meio para o fim as temáticas me impactaram mais: o ser mulher, a relação com a divindade e com os problemas do país. É uma reunião de poemas bastante fortes, em que a artista já reivindica pautas que hoje estão cada vez mais consolidadas. Lançado em 1992, é um livro mais moderno do que nunca - e que vale ser levado a saraus e slams, por toda a carga poética e social que não se satisfaz apenas no papel impresso.

La delgada línea amarilla (filme de 2015)

Em um ano em que pude conhecer tanto do México e de suas produções, "La delgada línea amarilla" só vem reafirmar o quanto o país tem preciosidades culturais para ofertar. Filme sensível, mas que sabe dosar os dramas particulares de cada personagem com o retrato mais amplo do difícil meio em que habitam: um longa maravilhosamente equilibrado. A cena inicial já é de cortar o coração e fidelizar o espectador, sem soar piegas: vemos um senhor de certa idade ser demitido de um emprego que exercia há anos e ter de recomeçar sua vida do zero. Em um encontro casual com um ex-colega, o protagonista decide voltar à sua antiga profissão de mestre de obras. Assim, o filme se estrutura como uma road trip, na qual acompanhamos as desventuras dele ao longo de uma viagem para sinalizar as estradas com estreitas faixas amarelas. O deslocar-se para impor regras de trânsito, quando a própria vida dos personagens é tão desestruturada, é apenas uma das muitas ironias mórbidas que compõem a es

Horácio: mãe (Fabio Coala)

Mais uma edição da Graphic MSP, desta vez com uma história curiosa de bastidor: a princípio, Mauricio de Sousa não queria nenhuma releitura do dinossaurinho Horácio, que é seu personagem preferido (além de alter ego). Com jeitinho e nome de bichinho fofo, o desenhista Fabio Coala conseguiu convencê-lo a mudar de ideia... e o resultado é bastante bonito! A história segue o padrão dos roteiros do gibi, com pitadas de filosofia e reflexão. Ainda que não se trate de um pensamento revolucionário, não deixa de ser uma provocação interessante em relação ao modo como levamos a vida. O apêndice da obra traz desenhos de Fabio para anunciar sua imersão no universo dos dinossauros - são um brinde ótimo para o leitor.

Gabo: a criação de Gabriel García Márquez (filme de 2015)

Ao contrário do realismo mágico que lhe era tão próprio, o documentário sobre a vida de García Márquez é bastante límpido, sem excessos - na medida do possível no retrato de uma existência intensa e inverossímil como foi a de Gabo. Habitante de diversas terras, é o povoado da infância que marca fundamentalmente a escrita do autor e que dá origem à mitologia de Macondo. Assim, o filme vai atrás das raízes que levaram aos caminhos dos Cem anos de solidão. Com poucas mas importantes entrevistas, o longa sabe construir um panorama suficientemente rico da vida de Márquez. É ideal a ponto de não satisfazer totalmente a curiosidade do espectador; ou seja, estimulando-o a encontrar mais respostas diretamente na rica obra do escritor.

The Post (filme de 2017)

O recorte desta obra é bastante astucioso: mostra os bastidores uma série de reportagens que trouxeram à tona documentos sobre a Guerra do Vietnã. Neles, evidencia-se o quanto vários presidentes dos EUA (tanto democratas quanto republicanos) estavam conscientes da grande máquina de matança a que se resumia a empreitada. O desmascaramento da política é o grande atrativo deste longa, que não conta com muitas qualidades. Há um excesso de americanices ao longo da obra (os velhos clichês do final feliz, a cena em que todos se abraçam comemorando um bom trabalho, a tomada com jovens meninas olhando com admiração para o que a personagem de Meryl Streep representa), que a tornam para lá de previsível. E, ainda que o mote seja a Guerra do Vietnã, mais uma vez há o silenciamento do que representou este confronto para os maiores afetados - os vietnamitas massacrados.

Fico besta quando me entendem (entrevistas com Hilda Hilst)

Reunião de entrevistas com a escritora Hilda Hilst ao longo de sua carreira, o livro é uma boa maneira de adentrar no universo da autora. Conforme vamos avançando na leitura, percebemos o quanto Hilda, por si mesma, constitui-se quase como personagem no universo intenso de sua produção. Talvez a maior desvantagem da obra seja a repetição de perguntas dos entrevistadores. Ainda que seja mais um atestado da ineficiência de alguns jornalistas do que uma falha da autora, acaba tornando a imersão no livro um tanto cansativa. Há um certo sensacionalismo excessivo em torno do fato de Hilda buscar entrar em contato com os mortos - que, em alguns casos, vira quase que o tema exclusivo da entrevista. Figura engraçadíssima e irreverente, a autora não deixa de dar também boas alfinetadas nos entrevistadores. Em outros momentos séria e reflexiva, ela nos garante boas conversas, que nunca dão conta de revelar tudo o que teríamos a conhecer sobre sua pessoa. Que seja, então, um convite a aprofund

Un padre no tan padre (filme de 2016)

Comédia gostosa, tem como protagonista o ator Héctor Bonilla (sim, o mesmo do Chaves) em um papel que marca bastante o conflito de gerações. Quando pensamos no México, país com grande contraste entre tradição e modernidade, entendemos ainda melhor o porquê do mote da trama. Sem grandes pretensões, o filme tem a vantagem de trazer um olhar de quebra de preconceitos e propor a abertura ao diálogo sem ser excessivamente moralista. Além do mais, a parte técnica (atuações, filmagem, direção, trilha sonora) é muito bem finalizada. Para um humor simples - mas não simplório - é uma ótima opção.

O profeta (livro de Khalil Gibran e filme de 2014)

O modo extremamente poético do narrar em árabe pode ser mal interpretado por leitores ocidentais. É o caso de Khalil Gibran, que, vislumbrado superficialmente, pode parecer simples autoajuda - quando se trata, na verdade, de uma escrita multifacetada e carregada de significados. Minha sorte foi ter feito o caminho inverso - primeiro vi o filme, depois li o livro. A animação é tão belamente construída que nos predispõe imediatamente à imersão na obra de Gibran. Ainda que haja uma riqueza de traços e cores inegável, seu grande valor está justamente nas palavras do poeta. A história original da trama abrange um conjunto de ensinamentos de um homem prestes a partir da terra que lhe acolheu por 12 anos. Por mais que nem sempre entremos em concordância com o personagem/autor, sua filosofia de vida é ampla e abrangente. Assim, mesmo o que possa soar como um regramento ou código de conduta mostra-se aberto a possibilidades distintas de interpretação. Os ensinamentos do protagonista constit

Mientras el lobo no está (filme de 2017)

"Mientras el lobo no está" traz alguns dos elementos que costumam me seduzir no cinema: além de aspectos técnicos primorosos (boa filmagem, trilha sonora casadinha com o enredo, atuações verossímeis), mistura gêneros diversos (começa como narrativa com traços de novelinha infantil para culminar em um suspense/filme de terror com aspectos políticos e sociais) e toca na ferida ao trabalhar temas difíceis como hipocrisia e corrupção. Surpreendente e delicado, me fez lembrar da estética de "O labirinto do fauno" - ainda que, aqui, os monstros sejam ainda mais reais... Filmado com uma paleta obscura, o longa vai aos pouco revelando o que pode haver de tenebroso em um ambiente infantil (no caso, um internato). Não deixa de ser uma obra interessante para também pensar muitos dos problemas da educação: a tênue linha entre controle e ensino é um deles. Repleto de abordagens possíveis, é um filme que vale a pena ver e rever, buscando a cada vez novos significados.

México (Erico Verissimo)

Este caderno de viagem de Erico Verissimo, que traz apontamentos sobre a que realizou em 1955, revela muito do quanto o México oscilou ente a tradição e a modernidade nestes mais de 60 anos que nos separam do relato.  Dentre os dados mais curiosos, está a viagem de ida de Erico com a mulher. Em uma época ainda sem muros, bastava pagar um trem para cruzar a fronteira entre EUA e México - ainda que nem sempre esse percurso fosse desprovido de incidentes.  Escrito com o delicioso modo de narrar do autor, vai bastante além do que poderíamos esperar do gênero. Bastante renomado como escritor na época (além de diplomata), Erico consegue verdadeiras entrevistas com personalidades "mexicanas" (ora residentes, ora nativas do país). Ademais, os populares que encontra no caminho (guias, empregados de hotéis) também são ricamente registrados - em alguns casos, até mesmo transformados em verdadeiros personagens da obra. Publicado em meados dos anos 1950, o livro sofre sim com alguns p

Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha (Liudmila Petruchévskaia)

Liudmila Petruchévskaia é uma autora de longa carreira, mas ainda bastante desconhecida no Brasil. E não é à toa - afinal, sua obra foi banida da União Soviética até o final dos anos 1990. Dona de uma escrita vigorosa e absolutamente excêntrica, a escritora vem sendo cada vez mais reconhecida pelo conjunto de sua produção literária. Uma das características da escritora e que está bastante presente em "Era uma vez..." é o uso de um tom muito peculiar para narrar seus contos, que oscila entre o folclórico, o tenebroso e o onírico. Esta junção inusitada percebe-se no próprio título da antologia de contos, que anuncia um final trágico mesmo recorrendo às aberturas clássicas dos contos de fada. Como toda coletânea de contos, este é outro caso de reunião em que algumas narrativas destacam-se mais do que outras. As tramas que me prenderam a atenção são as que trabalham com o mote da epidemia, da vingança e do isolamento. As poucas histórias que tentam elaborar alguma espécie

The End of the Tour (fime de 2015)

Pouco conheço da vida e obra de David Foster Wallace, o que talvez me situe entre o público-alvo preferencial deste filme. Uma espécie de guia para leigos na produção do autor, é um longa que toca superficialmente em alguns dos muitos aspectos interessantes de sua escrita. O ponto que mais me incomodou na produção é o fato de ela ser baseada em um livro que narra uma entrevista feita com David alguns anos antes de seu suicídio. A breve convivência do jornalista com o criador de "Graça infinita" não sustenta o tom dramático e reflexivo que o filme pretende alcançar.  A atuação de Jason Segel também é fraca (além do mais, não consigo dissociá-lo do personagem de HIMYM), pouco convencendo no papel de uma figura tão interessante e trágica.  Não deixa de ser um filme válido para os amantes de literatura, mas está longe de ter alguma graça (quanto mais infinita).

Call Me By Your Name (livro de André Aciman + filme de 2017)

Ainda que a obra do escritor egípcio André Aciman tenha seu valor, este é um dos raros casos em que o filme consegue ser bem melhor que o livro. Tendo como premissa a história de um romance de verão, um dos pontos cruciais da narrativa para não cair na banalidade é a sua ambientação em uma cidadezinha intimista da Itália. Ao dar vida às imagens, o longa consegue criar um pano de fundo mais cativante para o espectador. Na sua versão literária, a narrativa encanta e afasta pelo mesmo motivo: o seu tom poético. Ora construído de forma extremamente bela, ora exagerado a ponto de soar piegas - o estilo de Aciman tem seus bons momentos, mas alguns cortes editoriais poderiam ajudar muito na fluência do texto. O filme, que não pode se dar ao luxo de se estender tanto no tempo, sabe extrair o essencial da trama e torná-la mais bem-acabada. Além do cenário, que já comentei, a trilha sonora e a escolha de elenco só agregam qualidades à obra. O protagonista de CMBYN, que havia me parecido um a