Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de agosto, 2021

Windows on the Wolrd (Matteo Pericoli)

Lançado em 2014, Windows on the world  não poderia prever tempos pandêmicos, em que a paisagem vista pela janela resumiria muito dos nossos dias. No contexto em que estamos, o livro do arquiteto italiano expande sua proposta inicial: além de "O que você vê?" ao olhar pela janela, a pergunta nos direciona a um "Como nos vemos?". A obra reúne 50 relatos diferentes de escritores pelo mundo ao descreverem sua mirada para o ambiente que os cerca, todos eles acompanhados de ilustrações de Pericoli. Um dos aspectos mais curiosos durante a leitura é adivinhar, apenas pela descrição, o país retratado. Assim, soube de antemão quais eram os textos de escritores brasileiros, apenas pela paisagem ofertada; afinal, de certo modo, compartilhamos as mesmas janelas para o mundo. De todos os textos, o que mais me impressionou foi o de Karl Ove, autor que ainda preciso descobrir. Assim, o livro de Pericoli é também uma janela para a obra de diferentes autores, mostrando uma brecha de

The Little Book of Lost Words (Joe Gillard)

Livro para encaixar na categoria de leitura despretensiosa (mas nem por isso sem depender de pesquisa e estudo), propícia para amantes das letras e das artes. Ricamente ilustrada com pinturas de artistas renomados, a publicação é um compilado de palavras que já não fazem parte do uso corrente da língua inglesa. Enquanto alguns termos se vinculam a um contexto de época muito pontual, outros parecem ter caído em desuso por puro esquecimento – já que poderiam muito bem continuar a ser empregados hoje. Os exemplos da obra, em que os verbetes aparecem em frases bastante atuais, criam um ar de graça que é a cereja do bolo nesta leitura.

Da arte das armadilhas (Ana Martins Marques)

Dividido em duas partes (Interiores e Da arte das armadilhas), este livro de Ana Martins Marques vai da atenção aos pequenos objetos da casa (açucareiro, torneira, capacho) aos temas grandiloquentes da poesia de todos os tempos: a mitologia, o amor, a descoberta do mundo.  A arquitetura proposta em Interiores, que analisa as ninharias que povoam nosso cotidiano, me lembrou muito o efeito de exame analítico do objeto livro que a poeta constrói em O livro das semelhanças . No entanto, a maioria dos meus poemas preferidos se concentra na parte que nomeia a obra. O único porém que me fez não apreciar tanto o livro como um todo é o fato de o amor ser uma temática bastante recorrente – ainda que passe longe do clichê.

História do Japão em imagens (Shigeo Nishimura)

O título revela toda a obra: por meio de ilustrações detalhistas e baseadas em uma acurada pesquisa histórica, acompanhamos a história de boa parte do Japão – desde os homens das cavernas até a nação de tecnologia de ponta que é hoje. É um livro para ver com calma, já que cada elemento inserido nas imagens representa um aspecto importante do contexto de época. Uma das minhas diversões durante a leitura foi buscar por instrumentos musicais nos desenhos, como quem tenta encontrar Wally em suas viagens: e em quase todos os cenários há taikos, shamisens, flautas... independentemente se é o retrato de uma guerra ou de uma comemoração.

Shamisen (Guilherme Petreca e Tiago Minamisawa)

A aura mística de fama que ronda os magakas japoneses inspira jovens artistas brasileiros há um bom tempo. No entanto, a publicação de mangás está restrita, basicamente, a lançamentos de autores independentes que logo descobrem não haver terreno fértil para esse tipo de arte por aqui.  Nesse contexto, Shamisen  é uma obra que rompe muitos padrões e estereótipos ligados ao gênero. Trata-se de uma produção nacional, ainda que navegue pela cultura japonesa e tenha uma ampla assessoria para entender e repassar aspectos da arte milenar do instrumento que lhe dá título. Há um quê de tropicália que invade as páginas do quadrinho, marcando-o como território brasileiro. Contudo, passa longe da descaracterização da arte que retrata: é apenas um modo de rever a tradição sob uma ótica que ultrapassa fronteiras, em um movimento antropofágico.  

El placer (María Hesse)

María Hesse cativou o mercado editorial com a publicação de uma biografia ilustrada de Frida; desde então, já produziu outras obras na mesma linha, retratando a vida de David Bowie e de Marilyn Monroe, por exemplo.  El placer  conta uma história diferente, passeia por outros gêneros. Neste livro, a autora revela sua relação com o próprio corpo e a descoberta do prazer. Ao relatar esse percurso íntimo, traz ótimas referências (de estudos científicos a obras de teatro) para repensar a vivência que temos com nosso sexo e nossa pele. Sem que o esperasse, durante a leitura me deparei com reflexões que são pautas diárias do movimento feminista. Ainda que use uma linguagem despojada para abordar diversos temas, as ideias propostas por Hesse são afiadas e cutucam o machismo predominante em nossa visão de corpo e sensualidade.  

Lost in translation (Ella Frances Sanders)

Tenho paixão por livros enciclopédicos, que só aumenta quando o tema abordado é tradução – ou, melhor dizendo, a intraduzibilidade. Belamente ilustrado e com uma seleção interessante de termos que não encontram correspondentes exatos em outras línguas, a obra de Ella Frances é um deleite. Cada pedaço da publicação é pensada de um jeito inventivo e atraente para o leitor. Poucas passagens escaparam imunes ao meu marca-texto durante a leitura; até a página de expediente e ficha catalográfica traz brincadeiras divertidas com a linguagem e com a flexibilidade das palavras.

O quarto de Giovanni (James Baldwin)

Dias atrás, tentei explicar o que era poesia a meu irmão – essa arte de condensar significados, de selecionar um conjunto reduzido de palavras e oferecer um recorte amplo do mundo. O espaço reduzido do quarto de Giovanni tem função semelhante: nos poucos metros em que convivem os protagonistas da obra, a linguagem poética de Baldwin ultrapassa todos os vãos para oferecer um retrato completo de Paris, dos amores e da sensação de permanente exílio. Não apenas nas descrições dos ambientes se mostra a verve intensa da escrita do autor: seus diálogos são igualmente profundos, com discussões de bares que são realmente pura filosofia. É difícil não se render ao talento desse escritor, ainda tão pouco comentado e traduzido por aqui. As ressalvas em relação à obra são anacrônicas, mas nem por isso menos justas: apesar de ser um romance homoafetivo, é uma obra extremamente machista. O desprezo pelas mulheres é descarado, beirando a violência em vários pontos.  Mas, no fim das contas, é um livro

O pássaro secreto (Marília Arnaud)

Após engolir sem vontade a leitura de O céu da meia-noite , esperava bem pouco deste livro enviado pelo clube de assinatura da Tag. Afinal, não se tratou de uma obra com curadoria específica, mas do vencedor do prêmio Kindle de literatura (julgado por uma banca diversa). De certa forma, consegui deixar a rejeição de lado e entrar na história. Idealizado como um livro infantojuvenil em princípio, há um quê de narrativa da coleção Vaga-lume que prende a atenção do leitor. Outro ponto de que gostei, com ressalvas, são as várias referências literárias e musicais ao longo da obra. O problema é que elas são tão recorrentes que acabam mais cansando do que surpreendendo o leitor. Apesar de construída com elementos que nos fazem querer virar logo a próxima página, não é uma narrativa que tenha me marcado. Tem uma estrutura interessante, mas não é uma obra imperdível.