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Mostrando postagens de setembro, 2021

The Illustrated Book of Sayings (Ella Frances Sanders)

Uma das minhas diversões ao ler Lost in Translation , da mesma autora, foi pensar em palavras equivalentes aos supostos termos intraduzíveis listados na publicação. Nesta nova obra de Ella Sanders, que coleta expressões idiomáticas, o trabalho de reconhecer o próximo pela alteridade é ainda mais produtivo. Várias das expressões que encontramos ao longo da obra têm correspondentes próximos (ou mesmo diretos) na língua portuguesa. Resgatar esses parentescos revela muito da história do idioma e de como ele se fez de tantas falas e culturas distintas.

Old (filme de 2021)

Quando M. Night Shyamalan baseia seus enredos nas neuras e medos de seus protagonistas, acaba criando obras envolventes, como O sexto sentido ou Fragmentado . Contudo, quando o terror se centra exclusivamente no que é sobrenatural... por vezes, fica difícil de engolir. Em Old , por exemplo, o resultado é quase risível. A proposta é interessante, mas deixa-se levar por linhas tão extremas que tudo fica hiperbólico. Além disso, até atores bons (como Gael) ficam restritos a poucas linhas de fala, pessimamente articuladas. Enfim: uma boa ideia, mas parcamente desenvolvida.  

Ciranda de pedra (Lygia Fagundes Telles)

Talvez vinte anos tenham se passado desde minha primeira leitura desta obra – e, ainda que não tenha se tornado então um livro preferido, ainda trazia muitas das cenas e personagens bem delineados na minha memória. Em Ciranda de pedra , definitivamente Lygia F. Telles não constrói personagens admiráveis... mas, de certa forma, o faz inesquecíveis. Um dos pontos que mais me havia incomodado anteriormente e que agora consigo formular melhor é o quanto o desenvolvimento dos jovens adultos, no enredo, passa necessariamente pela sexualidade. Não há muito espaço para outras formas de se relacionar amorosa e corporalmente com o outro, ainda que Lygia seja ousada no tratamento do tema lésbico, dada a época em que o romance foi escrito. Mesmo tendo como protagonista uma garota irresponsável e racista, é uma trama que cativa o leitor. Há algo do tom da série Flea Bag  aqui: uma personagem que tem sim um passado difícil, mas que parece cada vez mais querer se machucar com a própria história. E, a

Da pequena toupeira que queria saber quem tinha feito cocô na cabeça dela (Werner Holzwarth & Wolf Erlbruch)

Uma parte dos estudos freudianos passa por estudar a relação da criança com as próprias fezes – bem a grosso modo, um pequeno que não se entende com seu cocô pode crescer um adulto bastante mal resolvido. Esta preciosidade de livro infantil dá conta, com leveza e graça, desse e de outros assuntos que geralmente não descem bem. Além de tudo, tem um humor divertidíssimo e trabalha muito bem as relações com a natureza.

A vida secreta de Walter Mitty (filme de 2013)

O roteiro, em princípio, conta com elementos bastante simples - um personagem tímido, sua paixão oculta pela colega de escritório, a transformação de sua rotina em função de uma aventura inesperada. Contudo, todos os componentes da trama são muito bem conectados por meio de uma trilha sonora inspiradora, uma fotografia espetacular e piadas realmente engraçadas (o que é algo praticamente inédito na carreira de Ben Stiller). Não é só o protagonista, entretanto, que se destaca no enredo. Ainda que mal apareça no filme, a figura do personagem de Sean Penn é a grande motivadora das ações de Walter Mitty. E, ao final, quando Sean finalmente aparece, sua atuação é tão certeira que é como se ele realmente estivesse presente durante todo o longa. É um filme que trata de descobertas, aventuras e a vontade de superação. Ainda que todos esses temas pareçam clichês, é fato que eles são necessários - ainda mais quando tão bem abordados. Atualização: ao reassistir ao filme em 2021 (tinha visto sua es

A chegada (filme de 2016)

U m dos melhores filmes do ano - e o melhor filme sobre extraterrestres de todos os tempos. Enquanto o   plot  básico de qualquer obra de invasão alienígena é o esforço de um astronauta, físico, soldado ou engenheiro em salvar o mundo, a produção de Dennis Villeneuve parte de uma ideia básica: a necessidade de comunicação entre os seres de diferentes planetas. Nesse contexto, o enredo gira em torno do trabalho de uma tradutora e linguista, que tem por função decifrar o código de linguagem de um grupo de alienígenas. Assim, o grande trunfo do longa é acompanhar o processo de decodificação dos signos produzidos pelos ETs. Respaldado por teorias linguísticas, o trabalho da protagonista é bastante verossímil - o que justifica, inclusive, um tom de documentário na narração de determinados trechos da obra. Ainda que a explicação final do longa envolva fenômenos que estão além da ciência, todos os elementos estão em consonância, sem usar nenhum elemento de forma forçada. Atualização: reassist

Questão de tempo (filme de 2013)

Ter como uma de suas protagonistas uma agente literária já seria o suficiente para me fazer interessar por esta trama; mas, para minha boa surpresa, o filme também traz um enredo interessante (que mescla elementos da comédia romântica com outros da ficção científica), atores ótimos e uma boa pitada do humor britânico. Como toda ficção que propõe uma viagem no tempo, é um enredo com lacunas que descabelariam físicos – mas, no contexto de uma obra leve e despretensiosa, o tema vira apenas um pano de fundo interessante para a história principal. Além de quem quer verossimilhança na área das exatas, as feministas (eu inclusa) também terão várias críticas ao enredo, que coloca homens em posição histórica de protagonismo e poder. Apesar do dito acima, e ainda que haja um quê de lição de moral ao final, não deixa de ser um ensinamento verdadeiro. Tanto assim o é que máximas de sabedoria permeiam toda a narrativa – dá vontade de pausar as cenas e anotar tudo em um caderninho.

Teleco, o coelhinho (Murilo Rubião / Odilon Moraes)

À primeira vista, muito do que está presente no conto de Murilo Rubião não seria adequado às crianças: personagens fumando, alusão sexual, a figura de uma mulher que bem poderia ser uma prostituta... ainda assim, não me coube mais do que ficar boquiaberta ao fim dessa breve leitura. Decidir por dar formas e vida ao conto original não foi uma decisão isenta de riscos. No entanto, mesmo que longe de figuras como o coelho de Alice ou Peter Rabbit, o coelho em terras tupiniquins também presenteia o leitor com um forte elemento de fantasia e a beleza do inesperado. É o tipo de livro que continua crescendo dentro de nós após a leitura, transformando-se tão velozmente quanto Teleco, ser tão afeiçoado à arte de metamorfosear.

Portinholas (Ana Maria Machado e Candido Portinari)

Belo livro para apresentar Portinari às crianças. Além de encontrarmos a breve biografia do pintor aqui, também ficamos sabendo de alguns fatos da vida de Ana Maria Machado, como o seu amor às ilustrações (que antecedeu a vida pelas palavras).

A vida submarina (Ana Martins Marques)

Penélope nos espera em 6 poemas desta coletânea, dividida em 7 partes. Para quem já é fã da poesia de Ana Martins Marques, os elementos que iluminam essa alegoria não passam despercebidos: a mitologia, a espera, os papéis do homem e da mulher, a história, a aventura e a frustração, a metalinguagem. Ainda neste último tópico, algumas sequências de poemas são trabalhos lindos e reflexivos com a linguagem, como os Esforços de dicionário, as 6 Posições para ler e a coleção de Papéis que se nos apresentam. Também aqui encontramos os poemas certeiros, como "Vaso", em que algumas poucas palavras atingem um poder de concisão indescritível. Os elementos de casa e os mapas de viagem, o amor e a natureza, a decepção e a homenagem a outros artistas – é incrível como tanto cabe no fundo do mar.

Espelho partido (Mercè Rodoreda)

Gosto de narrativas entrecruzadas, histórias aparentemente independentes que se mostram interligadas desde o começo. Não foi difícil, portanto, me render de amores às primeiras páginas deste romance. O que acreditava que viria pela frente seria uma obra de fios soltos, cada capítulo como se fosse um conto, que se uniriam ao final. Contudo, não é bem assim que a trama ocorre; aos poucos, o que parecia único e isolado já se mostra parte da teia de uma grande família e sua decadência. Há aspectos de que gosto bastante na obra, como um dos capítulos ser narrado por uma ratazana; o fim de uma família tradicional em nome do crescimento das megacorporações; alguns personagens marcantes. Entretanto, a sugestão de uma estrutura diferente, feita nas primeiras páginas da publicação, era o que mais me havia cativado. Outro ponto que me afastou da obra foi o desaparecimento súbito de Maria, uma de suas personagens mais cativantes. Tanto é feito para construir uma personagem misteriosa e, em poucas

Down and Out in Paris and London (George Orwell)

O arquétipo do artista pobre, que só atinge fama e sucesso próximo à morte (ou depois dela) é bastante recorrente, seja na vida real ou na ficção. No entanto, por mais que falemos dessa miséria, poucas vezes entramos em contato com sua dimensão concreta. Não é isso o que ocorre neste livro de Orwell – aqui, entramos em contato com o lado mais carente, imundo, renegado daqueles que transitam à margem. Em certos pontos, o relato do autor me lembrou um pouco dos livros escritos sobre os campos de concentração; a diferença maior é que nele é descrita uma catástrofe que não tem fim e nem está vinculada a um cataclismo histórico. O que é mais triste é a cotidianidade da miséria, as massas que atravessam os séculos sem nada mais que breves e ilusórios paliativos, quando muito. Algumas das cenas me remeteram à construção social de 1984: não é difícil enxergar onde a distopia se apoia na vida moderna. Mesmo que grande parte do livro tenha o tom mais confessional de um diário, certos capítulos s

Alabama Spitfire (Bethany Hegedus)

Que pena que este livro é tão curtinho! Apesar de se propor como livro infantojuvenil, a biografia ilustrada de Harper Lee é um grande estímulo para qualquer adulto que queira saber mais sobre a vida da autora de um filho único (ainda que haja controvérsias) e tão famoso. A personalidade forte da escritora, que esteve sempre à frente de seus pares, é uma inspiração poderosa.  

To Kill a Mockingbird (Harper Lee) + HQ To Kill a Mockingbird (Fred Fordham)

Só quatro anos me separam da primeira leitura que fiz desta obra; se, por um lado, as lembranças ainda estavam frescas na memória, por outro não deixei de encontrar vários elementos que passaram despercebidos nesse outrora tão recente.  Muito das minhas descobertas se deve ao fato de ter, agora, me aventurado pela obra no original em inglês. Ainda que a tradução da Ed. Record seja bastante perspicaz e calcada em ampla pesquisa histórica, deixa de lado um pouco da insolência de Scoutt e da irreverência do próprio narrador. Outro aspecto externo que só engrandeceu a experiência de leitura foi ter acompanhado o audiobook lido por uma narradora sulista. Seguir um pouco do que seria a sonoridade original da fala de Scoutt só me fez gravar mais fundo algumas das várias passagens marcantes da obra. Já no que se refere a outros materiais externos complementares à leitura, a HQ de Fred Fordham foi uma decepção. Além do traço duro (o autor é retratista), algumas das passagens mais visuais da nar

O mundo assombrado pelos demônios (Carl Sagan)

Minha primeira tentativa com este livro não foi duradoura – depois de ler algumas páginas, acabei deixando a obra esquecida nos desvãos da estante. Não me lembro o que me afastou da escrita de Sagan naquele momento, que sequer é longínquo; no entanto, não foi necessário que muito tempo se passasse para que boa parte de suas previsões políticas e científicas se confirmassem e eu tivesse de abaixar a cabeça, com a vergonha de não haver entendido suas afirmações com rapidez. Com um certo ar de Nostradamus moderno, Sagan antecipa muitos dos dilemas em que nos enroscamos hoje. Ainda que fale prioritariamente do espaço sideral, tudo acaba reverberando em política. E aí podemos perceber sua visão apurada, que indicava o problema das fake news quando ainda se resumiam a poucos tabloides vendidos em bancas de jornal. Alguns trechos do livro são um tanto datados – como a análise de muitos e muitos relatos de quem acreditava ter sido abduzido, mas isso não invalida o texto. Comparados com os croc

Riminhas para crianças grandes (Wislawa Szymborska)

Tenho a impressão de que Wislawa ainda se tornará uma de minhas poetas favoritas, ainda que tão pouco conheça da sua obra. E, de fato, as riminhas talvez não sejam uma boa porta de entrada – afinal, trata-se de textos que são quase piadas internas para amigos íntimos da poeta, com o acréscimo das dificuldades de tradução do polonês para a língua portuguesa. O que me levou a começar Wislawa por aqui foi a edição linda da Âyiné, que traz pequenos postais com colagens feitas pela artista. Não resisti à materialidade proposta, mas confesso que meu envolvimento com o livro foi pequeno. Acabei vendo mais problemas do que qualidades nessa minha leitura inicial de Wislawa: um certo conservadorismo, algumas críticas que batem de frente com meu feminismo, um humor nem sempre bem articulado. Com sorte, não passará de uma má primeira impressão.

1984 (George Orwell) + 1984 (Sybille Titeux de la Croix)

Li 1984 pela primeira vez em 2014, quando a tecnologia dos smartphones ainda parecia distante da ideia de um controle total da população. Apenas sete anos depois, a obra cresce ainda mais pelo poder premonitório de Orwell. Carregamos a teletela no bolso, e pagamos caro por ela. Saber que tudo o que escrevemos e falamos é capturado e transformado em algoritmo não nos assusta mais. Durante a releitura, o trecho que mais me cativou foram as passagens do livro do partido, lido às escondidas por Winston. A descrição da organização social que culminou no Grande Irmão é impressionante – e bastante verossímil para encontrar um correspondente em nossa realidade. Poucas passagens de 1984 são marcadas por uma linguagem mais elaborada, por um cuidado na criação de imagens; no geral, trata-se de uma escrita mais contida, que relata os fatos em um tom sóbrio.  Já na adaptação em quadrinhos de Titeux de la Croix, o trabalho com metáforas e alusões é mais livre. Ainda que não fuja do que é narrado no