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Mostrando postagens de maio, 2020

Other-Wordly: Words Both Strange and Lovely from Around the World (Yee-Lum Mak)

Longe de ser uma ideia inédita, a coletânea de termos intraduzíveis encontra vários formatos e publicações ao longo dos anos. Entretanto, nem por isso o encontro com os múltiplos significados que atravessam - ou não - uma língua deixa de ser encantador. Com muitos termos do inglês e uma ou outra referência de línguas orientais, é uma obra que poderia ter sido bastante ampliada. Todavia, para a proposta de um livro curto, que satisfaz curiosidades linguísticas, cumpre bem o propósito - e as belas ilustrações o tornam um mimo.

Água viva (Clarice Lispector)

Há pelo menos dez anos não lia Clarice Lispector, uma de minhas autoras preferidas na adolescência. De modo geral, tenho percebido que a técnica do fluxo da consciência – que tanto me encantava quando jovem – não encontra mais ressonância na leitora que me tornei. E não foi diferente nesse reencontro com a obra de Clarice. O texto ininterrupto do livro é denso, e a própria narradora diz que quem o lê não deve se preocupar em reter todos os sentidos. Mais que hermetismo, o grande empecilho da leitura é o foco dirigido por uma consciência individual, que oscila entre temas filosóficos e os tipos de flores de que gosta em uma mesma página. Ainda que tenha grifado várias passagens, não é uma obra a qual pretendo retornar tão cedo. Talvez mais alguns anos precisem se passar antes de um novo reencontro com a autora.

Killa (filme de 2014)

Assisti a Killa a menos de duas semanas e já mal me lembro do plot  da história para deixar um comentário registrado. O filme não marca – conta com um ritmo lento, falta de propósitos e de carisma. Por vezes, parece que a trama vai de fato começar... para acabar em um grande nada. Claro que não é de cenas de ação que se fazem bons filmes. Entretanto, o recurso da câmera pausada no dia a dia de personagens-tipo tampouco agrega qualidade per se a uma trama. É o que ocorre aqui, em uma obra que foge dos esterótipos de Bollywood, mas pouco consegue construir em termos narrativos.

Uma doce mentira (filme de 2010)

Comédia romântica, não foge muito ao que é esperado do gênero. Entretanto, há alguns elementos que fazem que o entretenimento valha a pena (apesar de ser tão só uma diversão despretensiosa). Além de atuação divertida de Audrey Tautou, o filme conta com pitadas de um humor francês nem sempre politicamente correto. Assim, o casal da trama só fica junto depois de o mocinho ter dormido com a mãe da mocinha, por exemplo. Os diálogos são bem bolados e dão conta de boa parte da graça do filme, que acaba sendo um passatempo razoável.

Cuentos de locura, de amor y de muerte (Horacio Quiroga)

Quiroga é uma dos escritores mais amaldiçoados do século passado; mesmo tendo nascido em uma época posterior à das trágicas mortes dos autores românticos, não há passagem em sua vida que seja isenta de sofrimentos. Esse ambiente desestabilizador se reflete claramente na temática de seus contos, que trabalham o sombrio e o horror. Além disso, o uruguaio insere na literatura uma região quase entre fronteiras: a selva, compartilhada com Brasil e Argentina. É o uruguaio que consegue colocar no mapa literário um lugar tão afastado do centro de produção cultural da época. A coletânea reúne contos que já são clássicos de Quiroga - como "O travesseiro de plumas" e "A galinha degolada" -, mas traz também outras histórias curtas menos conhecidas. Se as narrativas de amor (ainda que sombrias) deixam a desejar, nos outros temas - loucura e morte - o trabalho do autor é impressionante.

Veinte poemas para ser leídos en el tranvía (Oliverio Girondo)

Havia acabado de assistir a um filme com estética surrealista ("A espuma dos dias") quando me peguei pensando que talvez, até então, não houvesse lido nenhum livro que seguisse à fluida lógica dos sonhos característica dessa escola. Ao repensar com mais calma, vejo que há exceções - como Macunaíma, talvez -, mas não deixou de ser uma feliz coincidência topar com esse livro de poemas de Oliverio Girondo logo na sequência. A seleção dos poemas é irreverente desde o título - que lhe propõe uma finalidade prática, afim com a modernização de Buenos Aires no início do século passado. A ideia do bonde também remete aos percursos que o poeta faz, ainda que por outras vias - afinal, boa parte dos textos trabalha o tema da viagem, do deslocar-se pelo mundo. Assim, eles funcionam quase como cartões-postais remetidos pelo poeta. Girondo cria imagens inusitadas e símiles tremendos - com construções como a do mar com epilepsia e a da teia de aranha dos arames farpados -, que fazem da l

A espuma dos dias (filme de 2013)

Conheço pouco da estética surrealista, que costuma me deixar mais abismada do que despertar algum viés crítico embasado de análise. No campo do cinema, minha experiência mais marcante até então havia sido por meio da obra do chileno Jodorowsky, que trabalha temas muito distintos desta produção francesa. Assim, com escassos saberes acerca da escola artística e sem bagagem cultural para comparação, minha experiência com a "A espuma dos dias" foi de desvendamento e ineditismo. Por mais que o filme cause estranhamento e brinque com a inverossimilhança, não deixa de ser uma produção fofa. Ao mesmo tempo que inova na linguagem cinematográfica, investe em um assunto que nos é caro - a história de um grande amor. A ambientação solar da metade inicial opõe-se radicalmente à do final, na qual um dos protagonistas descobre ter uma grave doença pulmonar. Talvez uma má indicação para tempos de coronavírus, o longa nos faz recordar o quanto a vida é frágil e deve ser comemorada em seus

Dostoiévski: as sementes da revolta (Joseph Frank)

Primeiro volume de cinco que contam a história de Dostoiévski, a biografia escrita por Joseph Frank é, obviamente, bastante completa. No entanto, não deixa de ser cansativa - o que talvez justifique o compilado em um único calhamaço lançado recentemente pela Companhia das Letras. O ponto forte são as análises que o autor faz das obras publicadas pelo russo - essas sim não me entediaram nem um pouco, com um olhar bastante atento para as peculiaridades da escrita do biografado. No entanto, para quem não tenha lido os livros resenhados, a chance de a biografia não cativar é grande. Acredito que o melhor jeito de lê-la é como um livro de apoio para uma imersão cronológica na obra de Dostoiévski. Fora isso, tende a ser um livro muito grande e com pouco sentido.

Senhor Kaplan (filme de 2014)

Filho do meio do diretor uruguaio Álvaro Brechner (cujo caçula é o renomado "Uma noite de 12 anos"), Sr. Kaplan  é uma produção surpreendente. Ainda que o tom de comédia predomine em grande parte da trama, sua carga dramática é de grande potência. Não é à toa que o longa consegue conciliar gêneros tão diversos - um olhar mais atento revela uma forte intertextualidade com Dom Quixote . Assim, nos vemos diante de um Quixote judeu, sobrevivente da Grande Guerra, e um Sancho uruguaio bem mequetrefe. A combinação de temáticas tão diversas só funciona por ser muito bem amarrada e o espectador só tem a ganhar dessa miscelânea inusual.

Perdidos em Paris (filme de 2016)

As primeiras cenas, bastante teatralizadas, já dão o tom desta comédia: um filme leve, em que os exageros cumprem a função de causar um estranhamento divertido. O filme se exime de fazer um humor mais ácido ou com pinceladas de crítica social: trata-se de um entretenimento bem estruturado, sem maiores pretensões. Por ter como protagonistas um morador de rua, uma bibliotecária introvertida e uma idosa avessa às casas de repouso, o tom leve da produção não deixa de ser um tanto irreverente. Afinal, quem conduz a trama e angaria a simpatia dos espectadores são justamente os outsiders.