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Mostrando postagens de abril, 2017

A lírica de Camões (Izeti Fragata Torralvo e Carlos Cortez Minchillo)

A edição da Ateliê, como de costume, é uma boa obra de introdução; neste caso em específico, aproxima o leitor da poesia de Camões, com uma explicação sucinta (porém bastante esclarecedora) e exemplos de diversas facetas de sua lírica, dentre sonetos, canções e odes, por exemplo. Um dos aspectos que tornam a poesia camoniana difícil é o seu jogo de lógica, seu discurso racional e intrincado para abordar temas que, à primeira vista, seriam regidos pela emoção, como o amor, a saudade, o pessimismo... Para facilitar o entendimento desses paradoxos tão típicos do bardo português, a  introdução e contextualização iniciais são seguidas por breves explicações em torno a cada poema, o que facilita e estimula a leitura.

41 inícios falsos: ensaios sobre artistas e escritores (Janet Malcolm)

41 inícios falsos  é uma coletânea de ensaios da jornalista tcheca, naturalizada estadunidense, Janet Malcolm. Como o próprio subtítulo antecipa, são reflexões acerca de artistas e escritores - em sua grande maioria estadunidenses ou relacionados ao mercado cultural/de consumo deste país.  Por ser, de certa forma, uma obra pensada para leitores pré-determinados - com referências culturais muito específicas - o livro pode não ser totalmente claro para os brasileiros. No entanto, como uma boa jornalista, a autora consegue criar uma ambientação para o seu público, que, mesmo sem conhecer o artista retratado, consegue ter um panorama geral de sua biografia e/ou estilo. O artigo que intitula a obra merece essa primazia por sua inovação estilística. Ao traçar um perfil do artista plástico David Salle - figurinha carimbada em publicações sobre arte -, ao invés de repetir informações já conhecidas, a jornalista prefere reinventar o gênero, publicando 41 começos de ensaio, sem preocupa

A Bela e a Fera (filme de 2017)

A obra clássica da Disney para o roteiro de A Bela e a Fera  já havia sido inovadora, em certos pontos, nos idos 1991. Foi a primeira indicação de animação para concorrer aos Oscar de melhor filme, e, além do mais, trazia algumas pitadas de discussão feminista - desde que comparada aos demais contos de fadas da Disney. Isolada de seu contexto, é preciso admitir que qualquer tentativa de emancipação da mulher nesta primeira produção sobre o clássico francês foi muito tênue - e, em alguns aspectos, questionável. Bela só foi considerada uma personagem feminista por ser diferente, leitora, acima da média. Assim, sua ideia de feminismo não contempla a tão necessária sororidade. A versão de 2017 realizou alguns ajustes ideológicos em relação à obra precedente. De fato, é um filme girl power...zinho. Muitas questões continuam passando às margens ou sequer sendo discutidas, como a falta de empatia por outras mulheres, a problemática das classes sociais etc. No entanto, considerado como

Guerra e Paz - Mafalda (Quino)

A publicação cria uma pequena série de pôsteres com recortes dos quadrinhos originais da personagem Mafalda. Não é nada de muito inovador, apenas uma roupagem diferente para um texto que já é clássico.

MSP 50 artistas

A releitura da Turma da Mônica por artistas distintos é de qualidade tão diversa quanto o número de seus autores. Difícil julgar o alcance da obra, que incorpora tantos traçados e concepções distintas sobre os tão clássicos Cebolinha, Magali, Cascão... Pude perceber, no entanto, que grande parte dos cartunistas tem uma queda pelos solitários personagens Horácio e Astronauta. Engana-se quem for atrás do livro em busca de histórias da Mônica: aqui, os personagens principais são coadjuvantes. E vice-versa. Vale a leitura? Depende da história. No entanto, cumpre assinalar que alguns enredos/ traçados são realmente surpreendentes e compensam imensamente outros mais medianos. Se eu fosse você, arriscaria.

Astronauta em: Assimetria (Danilo Beyruth)

Única trilogia dentro do selo das Graphic MSP (até agora), Assimetria  é a continuação da saga iniciada com Magnetar e Singularidade . Ainda que não sejam minhas histórias preferidas dentro da coleção, não dá para negar a coerência e coesão estilísticas de Danilo Beyruth, o que talvez justifique a primazia de seus livros nos estúdios de Mauricio de Souza. Com um traço que remete às tramas convencionais de super-heróis, a narrativa trabalha os conflitos do personagem Astronauta ao ter de lidar com uma realidade paralela, na qual o seu duplo está casado com Ritinha. A história procura responder aos famosos "e se?" do personagem, revelando outras possibilidades de existência caso tivesse optado por algumas escolhas em vez de outras. É, no geral, um livro com bom enredo e que, com um bom cliff-hang , parece adiantar que a história não para por aqui.

Eugénie Grandet (Balzac)

Uma das histórias que compõem talvez a maior série ocidental - A comédia humana , de Balzac -, Eugénie Grandet  pertence ao arco de narrativas provincianas. Assim, seus tipos humanos contrastam com a euforia de uma Paris em festa, apegados a valores e costumes mais tradicionais. Romance malogrado, desfecho melancólico - não há muitos elementos sobressalentes nesta trama interessante, porém bastante simples. Se algum fator merece destaque, certamente é o personagem do senhor Grandet, retratado como um ávaro para Tio Patinhas nenhum botar defeito. Ainda que muito caricato, seu apego ao dinheiro pode representar uma crítica à classe burguesa ascendente da França de então. É um romance característico do Realismo não apenas pelo seu retrato desesperançoso da raça humana, mas também por toda a estética empregada. A minuciosidade na descrição de detalhes, por exemplo, pode ser um ponto de distanciamento do leitor atual - contudo, aos poucos a narrativa pega no tranco e se desenvolve

Sonetos (Luís de Camões)

Toda lista de leituras ditas necessárias (sejam os 1001 livros para ler antes de morrer, sejam os 10 mais indicados pelos críticos) é ideologicamente construída; sendo assim, muito do nosso julgamento relativo à literatura é política e culturalmente enviesado. Contudo, mesmo em um contexto em que tudo pode (e deve) ser questionado e relativizado, alguns casos específicos de genialidade ao longo da nossa história são difíceis de negar. Ninguém contesta a grandeza de um Da Vinci, de um Beethoven... ou de um Camões. Não só a amplitude da obra do renascentista português é um atestado do seu espírito engenhoso; para além dos Lusíadas, há riquezas e postura vanguardista inegáveis nas outras formas de composição cultuadas por Camões - como podemos ver, por exemplo, em seus sonetos. Construídos por meio de jogos de lógica extremamente complexos, boa parte de seus poemas neste formato é quase enigmática - não só desafiam o leitor, como o convidam para uma leitura mais lenta, mais pausa

O livro ilustrado dos maus argumentos (Ali Almossawi)

É disso que eu falo quando falo de livro de argumentação - uma obra simples, didática, divertida e séria. O autor retoma os princípios clássicos da argumentação e retórica, partindo da Aristóteles, mas não se prende ao passado. Cada exemplo de mau argumento (ou falácia, para usar a terminologia técnica) é ricamente ilustrado e relacionado a assuntos prementes do nosso cotidiano.  Com uma cara de livro infantil, é muito menos infantilizante do que obras de Produção de Texto extremamente superficiais que abundam no mercado de didáticos.

Lope (filme de 2010)

Lope é um filme do entre-fronteiras: retrata a vida do poeta espanhol Lope de Vega (mais precisamente, sua atribulada juventude) sob o ponto de vista de um diretor brasileiro. O resultado, se não acaba em samba, por outro lado não foge completamente ao carnaval de assuntos e temas. Brigas de espada, teatro de rua, traição, amor, pobreza, Igreja... são múltiplos os enfoques da obra, que, contudo, não se perde completamente em meio de sua intrincada estrutura. O longa atende bem ao princípio a que se propôs: traçar um panorama da vida do poeta. De brinde, o espectador ganha algumas reflexões extras sobre o valor da poesia e da arte, além da audição de muitos dos poemas do espanhol. As atuações são boas, a fotografia é encantadora e o conjunto parece bastante verossímil. Não é um filme perfeito, dada a grande variedade de temas abordados sem muita profundidade, mas é suficientemente encantador para que saiamos do cinema com vontade de conhecer mais sobre a vida e a obra do grande

Os doze trabalhos (filme de 2006)

Na literatura grega, os gêneros se dividiam segundo o tipo de pessoa que representavam: enquanto os nobres e poderosos tinham seus dramas expostos na forma de tragédia, o restante da população só se reconhecia nos palcos por meio do riso derivado da comédia. O rico era motivo de comoção; o pobre, do escárnio. Os novos significados que foram sendo atribuídos ao regate da cultura grega, iniciado no Renascimento, vão aos poucos subvertendo os paradigmas clássicos de composição. Assim, a ideia de um Hércules recém-saído de uma Febém e motoboy na região central de São Paulo nada tem de inverossímil nos tempos que correm. Recontextualizados, os principais elementos do mito do semideus se apresentam simbolicamente ao longo da produção: o oráculo, a descida aos infernos, a água relacionada à morte, o encontro com um felino arisco, com uma hidra (representada pelo duplo). Enfim, são as lutas de um dia de trabalho de um jovem negro sem perspectivas de ascensão social - enfrentando taref

Coleção antiprincesas e anti-heróis: Eduardo Galeano, Julio Cortázar, Violeta Parra e Juana Azurduy

O que dizer dessa coleção, fruto da parceria de Nadia Fink e Pitu Saá? Que ela é um respiro de alívio em um mercado editorial de literatura infantojuvenil idiotizante, moralizante e cheia de tabus? Que cada livro é ilustrado com tamanha maestria que mereceria ser emoldurado? Que as histórias são contadas na medida certa, sem esconder a verdade das crianças, mas também sem causar choques desnecessários? Que, enfim, essas obras são só amor? Juana Azurduy, desconhecida para mim, me foi apresentada por meio deste livrinho para chicos y chicas. E que orgulho conhecer a história de uma guerreira latino-americana, perita em armas e tão à frente de seu tempo! Violeta Parra, por sua vez, é mostrada de forma a englobar algumas de suas várias facetas: a artista, a poeta, a cantora, a artesã... E seu suicídio, questão que não define quem ela foi e nem o seu valor, é sintetizado para as crianças de maneira muito sutil e bela: " ¿ Y qué pasó después con Violeta? Esa ya es otra historia

La La Land (filme de 2016)

Todo o auê da academia em torno de La La Land só serviu para confirmar o mau gosto de Hollywood - que talvez tenha sido salvo ao atribuir, no último minuto, o prêmio de melhor filme a Moonlight . No entanto, apenas a indicação de uma obra tão fraca já é uma prova dos clichês do Oscar. Com atuações dignas (mas não espetaculares), um enredo sem grandes atrativos (com um final ligeiramente mais interessante) e uma trilha sonora extremamente batida, La La Land conseguiu destaque por trabalhar com os estereótipos apreciados pelos críticos: uma protagonista com vestidos que remetem à era clássica do cinema, uma ou outra referência à história da sétima arte e jazz  tocando ao fundo. Assim como é certo que histórias sobre rainhas da Inglaterra conquistam o coração dos estadunidenses, a fórmula de música clichê com revalorização do cinema antigo atinge em cheio o ego hollywoodiano. Há tantos exageros na produção, desde a primeira cena, que é difícil levar o longa a sério. Trata-se

A vila (filme de 2004)

As atuações são bastante ruins. O plot não é de todo dispensável, mas o enredo se desenvolve de forma extremamente arrastada, demorando muito a atingir o clímax. Antes de se revelar o grande suspense da trama, há cenas que mais parecem extraídas de uma versão tenebrosa de Chapolim . Depois de justificado o suspense, as fantasias ridículas até fazem algum sentido, mas nem tanto assim. No geral, um filme bastante fraco, que só vale pela reviravolta ao final.

Fragmentado (filme de 2016)

Filmes de terror costumam trabalhar, como mote, as pequenas e grandes perversões humanas - o hábito de mentir, o desejo de matar, a vontade de fazer o outro sofrer... No entanto, assim como cabe ao gênero, raramente discute esses aspectos psicológicos com maior profundidade. Quem se propõe a ver esse tipo de obra sabe que deve esperar mais sustos do que uma explicação jungo-freudiana para as taras do assassino. É só levando esse pressuposto em consideração - o de que a psicologia será tratada superficialmente - que Fragmentado  consegue ser aproveitado inteiramente em sua ideia original. O filme retrata um distúrbio de personalidade raro, com consequências ainda mais difíceis de ocorrer (tangenciando o inverossímil); entretanto, é preciso lembrar que este é apenas o plot da história, com o objetivo de oferecer nada mais do que uns bons sustos ao espectador. Um ponto talvez positivo seja o de o longa tratar, ainda que bastante superficialmente, a questão do estupro e do cárcere

Neruda (filme de 2016)

Raramente um filme que começa mal - no que concerne ao enredo, atuações, trilha sonora, fotografia - consegue se reinventar antes do final, ao menos segundo minhas percepções enquanto espectadora. O inverso, infelizmente, é bem mais comum: tramas ótimas que descambam em um desenlace mirrado, sem satisfazer a nenhuma expectativa possível. Talvez Neruda parta do princípio errado, o que dificulta o envolvimento com a história; segundo o diretor, trata-se de uma fantasia em torno a fatos não explicados da vida do poeta. Para mim, que não havia lido nada sobre o longa-metragem (mas que conhecia a autobiografia do escritor chileno), desde o início a trama me pareceu exagerada e inverossímil. Tive de interromper a exibição ao meio para pesquisar pela internet entrevistas com o diretor que justificassem a escolha do enredo do filme - só assim me dispus a vê-lo até o fim. Surpreendentemente, a caçada do poeta chileno por um agente policial/detetivesco começa a fazer sentido quase no fi

My fair lady (filme de 1964)

A primeira questão que me surgiu à mente ao ler a peça Pygmalion , de George Bernard Shaw, foi: como é que saí de um curso de Letras sem ninguém me indicar este livro? Agora, ao assistir à adaptação para o cinema, a indignação/surpresa se manteve. Ainda que ambas as obras sejam calcadas em preconceitos linguísticos, o modo como este tema é abordado é absolutamente interessante. Apesar de todos os estereótipos, consegui extrair muito tanto da versão literária quanto da filmada da história; afinal, com personagens complexos e mutáveis como são os protagonistas desta trama, é difícil chegar a um juízo único e limitador do enredo. Inclusive o professor responsável por tantos julgamentos linguísticos, o prof. Higgins, é, por sua vez, um personagem extremamente mal adaptado socialmente, que quebra inúmeras regras de convivência. Não sendo um modelo, suas críticas à linguagem alheia podem ser interpretadas de variadas maneiras, nem todas elas necessariamente preconceituosas (lembrando

Kokoro (Natsume Soseki)

Uma das vantagens de se arriscar em filmes, livros, obras de arte de culturas alheias é conhecer outros modos de ser, pensar e estar no mundo. Em um romance japonês do início do século XX, o choque ideológico e social não pode ser nada menos do que profundamente impactante. Ambientada no fim da era Meiji, a trama de Natsume Soseki revela aspectos de um país em processo de modernização e ocidentalização, o que gera um conflito potente com a tradição. Nesse contexto, as figuras de um jovem e um professor mais idoso norteiam a história, por vezes renovando este embate entre o velho e o novo. Até o ritmo da narrativa é marcadamente diferente do qual estamos acostumados, com a adoção de um tom mais pausado, meditativo. Assim como no romance Eu sou um gato , a trama parece ser mais centrada na filosofia do que no ato de contar cada episódio. É uma obra eficiente, na medida em que aborda literariamente um contexto histórico de profundas mudanças no Japão. Contudo, para mim, ao meno