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Mostrando postagens de agosto, 2022

Breve sol (Circe Maia)

Alguns elementos na poética de Circe Maia, escritora uruguaia, me lembraram da minha poeta brasileira preferida: Ana Martins Marques. Assim como nossa conterrânea, Circe faz a poesia dos pequenos objetos, em que uma cadeira ou uma folha de papel se transformam em convites para a filosofia e a metalinguagem.  O que mais se ressalta no conjunto de poemas do livro, contudo, talvez seja a questão do duplo: o que se espera e o que se alcança, o que se escreve e o que não se registra, a autora e seus leitores. É nessa travessia de espelhos singulares, iluminada pela graça das pequenas coisas, que a poeta constrói um conjunto de versos solares. 

Pequena mamãe (filme de 2021)

É a terceira vez neste ano que vejo um filme fraco guiada por uma nota alta no imdb – em todos os casos, se tratava de obras estreladas por crianças. Cheguei à conclusão de que são avaliações motivadas pela fofura das protagonistas... e não pelo enredo. Em "Pequena mamãe", além do ritmo lentíssimo da trama, a intencionalidade de defrontar uma filha com a versão infantil de sua própria mãe é óbvia demais. Todo o discurso de que os pais deveriam passar mais tempo com seus rebentos fica gritando na tela, sem dar espaço para nada além de uma lição de moral clichê.

Minority Report (filme de 2002)

Usar as obras de ficção científica como um espelho distorcido do futuro é sempre um exercício interessante. Vinte anos depois do lançamento de "Minority report", algumas elucubrações passam longe do que nos espera no metaverso: como exemplo, a ideia de que para ver um vídeo seria necessário ter uma chapa de acrílico para projetar a gravação... em vez das tecnologias atuais, que nos permitem acessar qualquer vídeo ou foto com muito mais facilidade na nuvem. Apesar das apostas falhas, muito do que foi pensado no roteiro (baseado em uma história de Philip K. Dick) ainda pode vir a se cumprir em uma realidade próxima. São esses aspectos que acabam prendendo nossa atenção ao longo do filme, apesar das inverossimilhanças e infinitas cenas de luta do enredo.

Com Borges (Alberto Manguel)

Borges costumava imaginar o paraíso como uma espécie de biblioteca. Quando ficou cego e precisou da ajuda de amigos que pudessem ler em voz alta seus livros preferidos, talvez tenha incorporado esse pequeno grupo de leitores à sua ideia particular de éden. Alberto Manguel, escritor argentino também apaixonado por livros, foi um dos anjos narradores durante a cegueira de Borges. A experiência de ler para o grande autor da literatura portenha é marcada pelos filtros da memória de Manguel; afinal, ele era pouco mais que um adolescente no momento em que passou a frequentar a casa de Borges. Além disso, não foram feitas anotações durante as sessões de leitura; tudo se baseia no fraco espelho das lembranças de um jovem sem noção da importância que esses momentos teriam para também o definirem como escritor. Contudo, mesmo sendo uma espécie de telefone sem fio de recordações antigas, o livro é narrado com maestria. É a oportunidade de entrar na casa de Borges e acompanhá-lo por sua biblioteca

Interview with the Vampire (Anne Rice) + Filme de 1994

Vampiros são imortais - e parece ser com base nesse pressuposto que Anne Rice cria uma narrativa longa, intrincada, infinitamente tediosa. Uma coisa ou outra se salva; afinal, a ideia do vampiro que quer saber sua origem não difere muito dos nossos velhos questionamentos primordiais (De onde vim? Para onde vou? O que existe após a morte?). O arquétipo do vampiro sem gênero definido, considerando a época de lançamento do livro, também é interessante. Só que não há boa intenção capaz de perdoar o flerte com pedofilia e incesto que existe na obra.  Com o quarteto Brad Pitt, Tom Cruise, Antonio Banderas e Christian Slater no auge da beleza, o filme consegue ser melhorzinho - ou ao menos um colírio para os olhos que tenta disfarçar uma história ruim. O fato é que o roteiro soa mais interessante que o original. Até os diálogos são mais bem trabalhados no cinema que no livro, com alusões literárias que passam longe da escrita mal estruturada da autora. No fim das contas, a adaptação para as g

Lendas e fábulas dos bichos de nossa América (Rogério Andrade Barbosa)

Ricamente ilustrado, o livro traz contos populares de lugares diversos da América. Por ser uma coletânea de origem plurilíngue, algumas questões me incomodaram, como contos latino-americanos tradicionais que falam sobre leões e ursos. Não consegui descobrir se são problemas de tradução ou falta de contexto na apresentação das histórias.

Olhe por onde pássaro (André Gravatá e Serena Labate)

Acompanho o trabalho de Gravatá há mais de uma década; quando tive a oportunidade de comprar este livro das mãos de seus autores, até ele se assustou com minha origem remota de fã. Mas não há como não apreciar o trabalho que André e Serena fazem: do resgate da poesia do cotidiano (de um Manoel de Barros) à poesia publicada como notícia (de um Bandeira) no Jornal das Miudezas. No meio disso tudo, os pássaros revoando um livro-calendário e ensinando a assoviar em coro.

El hornero (Hedda Schulzen e Marcelo de Angelis)

O joão-de-barro, conhecido como "el hornero" (construtor de fornos) em espanhol, é o pássaro nacional da Argentina.  Espécie de homenagem ilustrada, o livro traz uma sequência inusitada de ninhos (em cima de esculturas e placas, por exemplo) acompanhada por um poema muito bonitinho. É uma delícia de livro para desenvolver um olhar mais atento à natureza que nos cerca.

Pequena enciclopédia dos seres comuns (Maria Esther Maciel)

O prefácio da obra contempla: joões, marias, viúvas e híbridos. E é assim, seguindo uma taxonomia muito particular, que a autora divide os seres comuns em quatro categorias entre o real e o poético. Há velhos conhecidos em cada um dos grupos: o joão-de-barro, a maria-faceira, a viúva-negra, o peixe-boi. Só que é nos seres que fogem de toda classificação lógica que a autora consegue extrair o máximo da proposta, como no caso da maria-vai-com-as-outras. Por se basear muito na linguagem científica e contar com ilustrações próprias da área acadêmica, é difícil perceber onde a arte extravasa o texto didático, o que é dado sobre a espécie e o que é trabalho literário.

Fica comigo esta noite (Inês Pedrosa)

Reunião de contos publicados em diferentes meios, "Fica comigo esta noite" parece seguir o padrão das antologias do gênero: ou seja, é um livro bastante desigual, com textos ótimos em meio a outros sem brilho nenhum. No geral, os contos sobre casais são os melhores do conjunto – seja o da mulher submissa que mata o marido com fúria inesperada, seja o da mulher com câncer em busca do amor da juventude. Quando a voz das personagens femininas se faz verdadeiramente ouvir (mesmo que seja naquilo que o narrador masculino esconde), Inês entrega o seu melhor. Já as histórias que se baseiam em releituras de lendas e mitos são bem fraquinhas.