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Mostrando postagens de abril, 2021

Entendendo a linguística: um guia ilustrado (R. L. Trask & Bill Mayblin)

Facilmente acessível, o livro tem as vantagens e desvantagens de toda visão panorâmica: enquanto facilita a compreensão do todo, também corre o risco de esbarrar na superficialidade ou no recorte enviesado. No geral, a impressão é que a obra tenta se aproximar mais da Linguística Histórica do que dos outros diversos campos de estudo possíveis (e, ao pesquisar brevemente o currículo de seus dois autores, não foi uma surpresa descobrir que ambos são especialistas na história da língua). A edição da coleção Um guia ilustrado é uma delícia, e torna uma leitura que já devia ser descompromissada em um verdadeiro passeio pelas páginas. Contudo, originalmente publicada em 2000 (ainda que só traduzida em 2013), a obra traz alguns exemplos infelizes sob a perspectiva de hoje — ora machistas, ora etnocêntricos — que são reforçados pelo projeto gráfico. Além disso, mesmo que haja exemplos da língua portuguesa, boa parte da argumentação parte da análise de sintagmas e estruturas próprias do inglês.

Wittgenstein (filme de 1993)

Pensado inicialmente como um especial para televisão e formatado com elementos muito próprios do teatro, Wittgenstein é um filme que passeia com leveza por diferentes linguagens, ao mesmo tempo que nos questiona profundamente sobre o âmago filosófico da linguagem em si mesma. Para mim, que pouco conhecia do linguista, a obra funcionou quase como uma explicação didática: cita quem ele foi, suas contribuições enquanto estudioso e seus pares na época em que viveu. No entanto, ainda assim parte-se do pressuposto de que o público-alvo do filme é aquele que tem um interesse mínimo nos temas abordados. Mesmo que empregue a linguagem mais leve, própria de quem seria exibido na TV, ainda visa um interlocutor bastante específico. E isso se reflete inclusive nas escolhas estéticas da produção, que brinca com o experimental, o lúdico e o grotesco, criando uma composição predominante agradável... mas que não deixa de ser perturbadora.

Thunder & Lightning: Weather Past, Present, Future (Lauren Redniss)

Após ler a excelente biografia de Marie Curie, fui procurar mais trabalhos da ilustradora Lauren Redniss. Gosto muito da forma como ela apresenta seus trabalhos, criando telas que remetem a pinturas de giz de cera, nas quais o texto entra pelas frestas. É um jeito de fazer bonito, que une o verbal e o não verbal para dispor informações científicas e pesquisa histórica de forma acurada. Thunder & Lightning  trabalha a relação entre homem e natureza, focando as alterações e fenômenos climáticos. A primeira parte do livro realça uma natureza majestosa, diante da qual pouco ou nada podemos fazer: seja atingidos por um raio, soterrados por um deslize de terra ou cegados pela neblina, percebemos o quanto somos ínfimos diante de tudo o que nos cerca. No meio do caminho, um capítulo chamado Sky  apresenta apenas ilustrações sobre diferentes imagens de céu, criando duplas e mais duplas de páginas de muita apreciação. Já a segunda parte da obra traça o caminho oposto, criando um diálogo muit

Evita para chicos y chicas (Nadia Fink e Pitu Saá)

A figura de Evita é bastante impressionante, mesmo para quem discorde de sua linha política (e, inclusive, para quem questione a sua eterna função decorativa de primeira-dama). Polêmica até a morte (vejam o filme  Eva no duerme ), é difícil traçar sua biografia sem cair em deslizes históricos ou ser arrebatado por paixões na defesa ou rechaço de sua figura. Quando se trata de uma biografia para crianças, a chance de cair em uma cilada narrativa enviesada é ainda maior. No entanto, acho que este livro da coleção Antiprincesas cumpre bem o seu papel — mesmo que não economize elogios para louvá-la. Ao propor um questionamento sobre a recepção dessa figura carismática pelo povo argentino, a obra traça paralelos importantes de serem levados aos pequenos leitores. Ao final, a ótima seção de atividades torna a leitura ainda mais instigante e motivadora de novas perguntas sobre o status quo das mulheres na política.

The Left Hand of Darkness (Ursula K. Le Guin)

Não sou uma leitora entusiasmada de ficção científica; assim, não tinha muitas expectativas antes de começar a desbravar o livro mais renomado de Ursula K. Le Guin. Acabei tendo boas surpresas ao longo da experiência, ainda que a obra não se tenha tornado necessariamente uma favorita. A questão da definição do gênero sexual é o ponto alto do universo proposto pela autora. Há sim um descompasso entre o que entendemos hoje por definição sexual e a data de publicação do livro (anos 1960), mas a premissa continua válida: e se não nascêssemos sob nenhum gênero — em que isso nos mudaria enquanto seres humanos? Além do mote inovador, o que me captou na escrita de Ursula são as frases bonitas, que aqui e acolá permeiam a narrativa. São máximas bonitas e verossímeis, considerando o contexto em que os personagens têm de descrever seu planeta e modo de viver de forma clara e abrangente.  No final, a impressão mais forte que tive da leitura foi a sensação de quem se defrontou com uma bonita histór

Entre o inferno e o profundo mar azul (filme de 1995)

Costumo me emocionar com filmes que trazem protagonistas crianças. Talvez seja uma espectadora fácil de ser convencida, já que obras que apelam para o protagonismo dos pequenos são recorrentemente acusadas de dar um golpe baixo: afinal, todo sofrimento infligido a quem mal começou a viver é muito mais carregado de dramaticidade. Tendo a acreditar que essas críticas não se aplicam ao filme Entre o inferno e o profundo mar azul . Ainda que o enredo deixe claro que não há nenhuma perspectiva de um futuro melhor para a criança que o estrela, tampouco exacerba sofrimentos do momento presente. Não se trata de um filme em que acompanhamos as desilusões de uma criança, mas sim de uma obra que deixa implícito todo o longo caminho de tristezas que a protagonista trilhará. Se não há explicitação do pesar da criança, tampouco o há do adulto. O marinheiro, que divide o protagonismo com a pequena chinesa, é um homem calado, que deixa transparecer seu desespero em poucas e intensas atitudes. Gosto mu

Moxie (filme de 2021)

Um filme high school com roupagem feminista: não há nada de muito profundo em Moxie , mas a obra traz a vantagem de ser um entretenimento pautado em valores mais sérios. Claro que, para o público a que se destina, a linguagem adotada pelo longa tem de ser necessariamente mais comercial, sem fazer da prática feminista uma pesada argumentação filosófica. Ainda assim, me incomoda um pouco o roteiro facilitador, que junta frases de memes e reivindicações diversas sem contextualizá-las. Além disso, o fato de uma personagem negra surgir na escola para revolucionar a vida da protagonista (loira) quase faz parecer que há uma funcionalidade naquela vida negra, que justificaria sua inclusão no filme.  Por falar em contradições, uma das últimas cenas é da protagonista buscando o olhar de aprovação de seu namorado. Enfim, não basta mudar a roupagem se o conteúdo é o mesmo.

Feminismo e política: uma introdução (Flávia Biroli e Luis Felipe Miguel)

" O feminismo não é um estilo de vida, mas um projeto de ação política revolucionária": essa foi uma das tantas frases anotadas na leitura de Feminismo e política . Apesar de se declarar uma introdução ao tema, é um livro que vale a pena ler com a caderneta de apontamentos ao lado — ou pelo menos assim o foi para mim, que ainda tenho tanto a aprender sobre o assunto. O fato de ser uma introdução não significa que seja uma obra didática ou não argumentativa. Os autores são bem claros ao levantar críticas a outros teóricos e correntes, como Simone de Beauvoir e Judith Butler. Além disso, fica muito explícita durante a leitura a necessidade de um feminismo pautado por reivindicações sociais justas (e não apenas pelo consumo neoliberal). Muitos dos temas levantados não nos levam a um consenso, como a questão da pornografia e da prostituição. De fato, chega a ser chocante ver que algumas das críticas feministas (como a subjugação das mulheres na indústria pornográfica) podem se al

Crowd, o guia de financiamento coletivo para autores e editores de livros (Marina Ávila e Valquíria Vlad)

A Wish é uma editora especializada em publicações de financiamento coletivo — e o faz com uma maestria encantadora. Não é diferente o caso de Crowd , obra metalinguística dentro do universo de apoios financeiros virtuais. Ricamente ilustrado, com diagramação irreverente, o livro consegue ser técnico sem ser chato. É uma aula completa e minuciosa do passo a passo para as publicações. É muito mais válido que alguns cursos que fiz por aí sobre o tema... e com o plus de ter sido elaborado por quem realmente entende do assunto e tem muito a dizer sobre ele.  

Sula (Toni Morrison)

Sula é, sem dúvidas, um livro representativo das pautas do movimento negro. Muitas das questões colocadas por Morrison em 1973 continuam sem solução: o racismo estrutural, a criação das periferias, a culpabilização das mulheres por sua conduta sexual, a falta de oportunidades, a necessidade de sobrevivência sobrepondo-se a qualquer tentativa de afeto. Essa última característica, em particular, é também o que incomoda no livro. Até Conceição Evaristo (a curadora que indicou o livro para a Tag Curadoria) concorda que, enquanto escritora, entende as razões de Morrison... mas, como leitora, também preferiria um destino diferente para as protagonistas.  É muito doloroso ver o quanto as personagens, vítimas de todas as falcatruas do sistema, ainda parecem fazer questão de boicotar qualquer possibilidade de amor.  O início de Sula é muito potente, com metáforas fortes e carregadas de simbolismo. No entanto, toda a força do início da narrativa se dilui ao longo da obra. Também há um excesso d